Uma vez fomos nós
O teto do quarto pairava sobre sua cabeça como uma rocha prendendo-a ao sentimento de miséria e derrota em que se encontrava e ao mesmo tempo como uma proteção entre ela e o mundo o qual não queria encarar de frente. Não sem ele. Talvez por isso não fosse sair dele tão cedo, não queria e não podia abandonar o conforto de sua zona de conforto, sua segurança.
O que havia sido uma dor aguda, como uma facada direto em seu coração o qual ele em suas últimas palavras jurou ser de gelo, mas que naquele momento sangrava como gelo nenhum faria, se tornou um crônico incomodo de sentir a falta e saber que não pode estirar o braço e tocá-lo, desfazer as palavras ditas. Não. Se arrepender não era uma opção. Estava feito e havia sido sua decisão, mas aquilo não fazia doer menos.
O mito dos perfeitos opostos jamais funcionaria para a doçura e compaixão dele associadas a insensibilidade e acidez das palavras dela. Ele sentia demais e ela muito pouco, ainda que seu muito pouco fosse o máximo que já havia sentido por alguém, se ao menos ele soubesse disso. Mas nunca iria, pois eles não iriam voltar a se falar ou se ver. Sua cidade agora era um lugar proibido para ela e sua cama, seu sofá, o lugar onde havia estacionado seu carro, o maldito vestido seriam as únicas coisas conectando-o a ela. Aquele era o melhor presente que poderia dar-lhe. Sua distancia permanente para que não mais voltasse a machucá-lo como eventualmente faria com todos que ousassem chegar perto demais.
Ela apertou o travesseiro com força contra seu peito e afundou o rosto nele desejando que fosse o peito daquele que uma vez fora o amor de sua vida, talvez ainda fosse, mas somente em suas memórias. Ela ainda assim não era capaz de se sentir horrível, não era capaz de sentir nada além do vazio que ele havia deixado no lugar que ocupou apenas uma vez em sua cama. Era frio como aquela madrugada depois que saíram da festa, sorrisos de orelha a orelha, olhos brilhando em expectativa do que viveriam quando estivessem a sós. Sentia-se como uma princesa naquele vestido vermelho, acompanhada pelo príncipe não tão encantado que havia retirado seu batom de mesma cor antes mesmo que chegassem ao local da festa.
As músicas que tocaram naquele carro seriam para sempre as músicas deles, lembranças latentes de sua ausência e de quando queria reviver aquela noite e nunca o ter deixado partir com apenas um beijo, o último beijo. Toda vez que escutasse aquelas playlist feita exclusivamente para ele, para que ela pensasse nele, nomeada em sua homenagem, sua mente seria levada diretamente às memórias de seu toque suave em sua pele em contraste às palavras ardentes banhadas de prazer que ele dissera no banco traseiro de seu carro.
Verdade seja dita: eles eram perfeitos um para o outro até o dia em que deixaram de ser, até que ela decidiu mostrar-se inteira pra ele, não somente seu corpo, mas sua alma e ele não podia lidar com a corrupção dessa, ela já sabia, mas se negava a ver o que estava na frente de seus olhos. Ele havia se apaixonado por alguém que não existia. A sua versão mais doce, que o amava, bem todas as suas versões o amavam, mas ele só seria capaz de amar de volta a que de sorrisos apaixonados e olhos brilhantes, a que lhe dizia palavras de aconchego e que havia sido traumatizada na infância, a versão carente que encontrou refúgio em seus braços.
O problema era que aquele traço adocicado de sua personalidade era como uma pequena colher de açúcar em uma jarra de suco de limão. Ela também era, em suas próprias palavras, insensível, fria, egoísta, orgulhosa, distante, alérgica às demonstrações de afeto que ele tanto gostava, agressiva, um tanto quanto sádica e definitivamente interesseira. Aquilo ele não podia tolerar e ela nem era capaz de o julgar por isso, pois já sabia de experiências anteriores que mesmo sua versão apaixonante não poderia cobrir para sempre sua falta de emoções reais. Ao mesmo tanto, ela queria tanto que ele pudesse amar aquilo nela como ela própria amava e iria o perder antes de abrir mão àquelas suas muralhas. Até porque não fazia mínima ideia de como iria fazer isso.
Ela sempre havia sido uma maçã podre coberta por caramelo, as muralhas sempre estiveram lá e com o tempo, ela apenas colocou mais tijolos.
Ela havia voluntariamente aberto os portões de sua fortaleza para ele e agora simplesmente não era capaz de abrir novamente, mas para deixá-lo sair, para expulsá-lo de seu coração como ele a expulsou de sua vida – para seu próprio bem. Mas ela iria, pois ainda que a saudade dele gritasse em seu peito, ela sabia que quando não o tinha, sua mente brincava com suas memórias, traziam à tona os melhores momentos e deixavam de escanteio os piores. Ela o amava de forma quase platônica e aquilo apenas faria os dois sofrerem.
Ela não sabia amá-lo da forma que ele merecia ou de forma saudável, então o iria deixar partir e esperar que ele encontrasse a felicidade e paz que buscava e que não pode encontrar com ela e sua montanha russa de emoções. Ele precisava de estabilidade e ela era como uma onda no mar.
Finalmente, ela pegou no sono e afrouxou as correntezas de seu oceano, deixando o barco de seu amado seguir em direção ao mar aberto para longe dela.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top