Policrime
O espaço-tempo continua expandindo desde o momento do Big Bang, e provavelmente continuará até o momento em que volte ao nada, mas quem poderia colocar datas para o fim? Quantas civilizações já não tentaram e falharam? E se o espaço continua crescendo e o tempo não tem datas para acabar, porque ele pararia com seu esquema? Se nem o universo, depois de tantos milênios expandindo pensou em parar. Por que ele, feito da mesma matéria pensaria que já tirou muito dos cofres públicos?
Naquela tarde fria e seca de inverno, em que milagrosamente realmente ficou frio em Brasília, o deputado candidato a presidente por algum partido da extrema direita resolveu fazer campanhas na rua, afinal, depois de quatro anos, ele finalmente voltaria a comer pastel de feira com cara de nojo mal disfarçada. Sorriu para não chorar ao lembrar das crianças fedidas em seu colo. Pensavam realmente que ele gostava delas? Queria que morressem, assim teria que destinar menos verba ainda a população.
Depois ainda diziam que era injusto seu salário gordo e cheio de benefícios, só um político sabe como é ruim ter que visitar a população e abraçar moradores de rua que já não tomavam banho há sabe-se lá quantos anos. Era justo, isso sim!
Os pneus de seu carro batiam nos buracos da estrada, fazendo sua viagem confortável até então lhe causar enjoos. Como eles aguentavam aquela situação sem reclamar? O automóvel era pois não queria ser alvo de violência pública ou de adoração por seus seguidores, na verdade, queria saber como alguém poderia querer votar nele depois de sua promessa em matar criminosos. Será que não sabiam que, com criminosos, queria dizer pobre, preto e morador de periferia? Teriam eles cabulado as aulas de filosofia e sociologia? Não sabia, mas anotou em seu bloco de notas: retirar do currículo escolar as duas matérias que incentivam os rebeldes.
Logo que chegou no bairro mais pobre da cidade mais pobre de Brasília para comprar votos doando cestas básicas àquela população carente, encontrou praticamente todas as pessoas fora de suas casas o esperando. Como eles eram baratos! Uma cesta básica comprava o destino dos próximos quatro anos, a aposentadoria que, com certeza retiraria, as verbas para a saúde e segurança. E depois eles querem fazer protestos... o candidato revirou os olhos.
Saiu do carro e começou a sorrir, estampando seus dentes brancos que quase chegavam a brilhar, fruto de seu recente clareamento com o melhor dentista do país, pago é claro com um pequeno desvio das contas públicas. Ele cuidava da organização daquele país, o mínimo que poderiam fazer era arcar com suas despesas básicas como sua nova Mazzerati e seu café da manhã de quase duzentos mil reais. Naquela mesma rua andavam um homem que gastou tudo isso em apenas um café da manhã e outro que não havia gastado nada, pois não tinha nada. O mendigo estava enrolado em seus cobertores finos em um canto qualquer entre aquela exorbitante quantidade de pessoas que eram incapazes de vê-lo passando fome e frio.
Seu primeiro ato foi falar com uma eleitora fiel, que trajava uma camiseta com seu rosto e o logotipo do partido. Apertou-lhe a mão, pois viu que ainda não havia tomado banho e mesmo estando frio, ela parecia brilhar em suor, mas ela não aceitou algo tão formal, em sua cabeça deveriam ser como amigos de longa data, então o puxou para um abraço apertado com direito a tapinha nas costas. O homem controlou a bile que insistia em querer subir, tentou disfarçar sua expressão e deu continuidade no abraço até que seus pulmões já tivessem sido intoxicados pelo fedor da mulher. Eles não usavam desodorante? Nem estava tão caro assim, ele havia aumentado apenas um pouco a taxa de impostos.
A gritaria em volta dele o fazia ficar cansado, pensar em desistir daquela candidatura, mas ele lembrou do dinheiro. Se como deputado, ele já conseguia desviar bastante, imagine como presidente da república e cheio de aliados na câmara, qualquer processo contra ele seria arquivado. Será que aquelas pessoas não notavam a ironia de ele ser julgado por colegas de oficio?
No meio daquela gente, havia uma mulher, que provavelmente pensava que ele era Jesus, pois empurrou sua cadeira de roda até ele e perguntou:
— Se eleito, o senhor vai aumentar a verba da saúde para que eu possa me curar das sequelas da Febre Amarela?
Ah, Febre Amarela deveria ser algum sinônimo de prejuízo, só aquele ano, já havia gastado boa parte do dinheiro em doses da vacina fracionada para que algum pobre nojento dizer que ela não funciona. Como poderiam afirmar com tanta certeza se mal chegaram ao ensino médio para ter o básico de uma aula de química, por sua culpa a propósito? E depois ficam doentes e colocam a culpa na nos hospitais que não prestam, revirou os olhos internamente e respondeu a mulher:
— Claro. No meu governo, 50% da verba irá para a saúde. — ele falou com tanta segurança que até parecia que realmente sabia sobre o que estava falando. — Vou zerar a fila dos hospitais.
— E meu filho? Está sem estudar desde o na passado por falta de vaga nas escolas. — reclamou a outra.
— Irei construir cem novas escolas com laboratório de química e física. — assegurou. — Assim como irei aumentar as oportunidades no mercado de trabalhos construir novas universidades públicas. — mentiu, mas ninguém percebeu mesmo que aquela situação se repetisse a cada quatro em quatro anos como se fosse um cometa.
A esperança era a última que morre mesmo, pois logo em seguida uma criança que morava coma tia alegou que toda sua família fora morta em um tiroteio entre traficantes e policiais. O candidato abraçou aquela criança nojenta e gripada e fez uma anotação mental: mudar as datas das eleições para o verão, pelo menos assim, ninguém assoaria o nariz em sua camisa social importada da Europa com o dinheiro que havia tirado do Caixa 2, que havia ajudado e muito no crescimento de sua empresa, atualmente, uma multinacional.
Enquanto o candidato prometia coisas que nunca iria cumprir, seus funcionários distribuíam faixas e camisetas do partido aos moradores que garantiam seus votos nele com um sorriso no rosto. Sorriso de quem espera mudança e em breve se tornariam as lágrimas e berros revolucionários dos desempregados, doentes, moradores da comunidade, estudantes. Por que eles não conseguiam ver o óbvio?
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