Capítulo 42
Kim
Parte 2
— Como assim? Ele simplesmente entregou os pontos.
— Não, não foi bem assim. — Ela parou mais um pouco e depois de respirar profundamente continuou: — Ele pediu perdão. Falou muitas coisas. Prometeu mudar. Concordei de participar de uma terapia em conjunto com ele, mas não como casal. Ajudá-lo a entender onde ele se perdeu na relação, como começou ou sempre foi daquela forma, mas inconsciente. As primeiras sessões foram muito boas. Vi ali uma luz.
— Você voltaria com ele?
— Não. Mas o ajudaria a se encontrar como pessoa. Sem que ele me visse como um suporte para ser feliz. E aí que a família dele entrou na história.
— Como?
— Eles me procuraram e pediram para me afastar. Se eu não iria reatar o relacionamento que não desse novamente esperança. Expliquei o processo terapêutico e nada adiantou. E aí o caso inverteu, eles entraram com uma medida protetiva, neste caso, eu fazia mal ao filho deles e a lei mandou que eu me afastasse. Ele ficou furioso com a família, comigo e com o mundo. E com isso não teve volta.
— Fui aí que ele se matou?
— Sim. E eu me senti culpada por muito tempo. É muito difícil carregar essa carga.
— Meu bem, você não pode se responsabilizar por ato de outras pessoas.
— Mas eu poderia ter sido forte o bastante e não aceitar as ameaças deles. Ter ajudado o Fábio a sair da crise. Eu o abandonei em um momento crítico.
— Você não teve escolha.
— Sempre temos, Kim. Eu não acredito que em tudo na vida só temos uma opção. Sim, eu fui covarde. Aceitei me afastar. Acredito que até me senti aliviada de não ter mais aquela responsabilidade.
— Normal. Não é errado você ter sentido assim, porque afinal era um peso mesmo. Não é porque ele fez o que fez que virou um santo e o coitadinho. Ele precisava de tratamento. Provavelmente muito antes de vocês terminarem.
— Sim. Não enxerguei quando virou obsessão e não mais paixão. Acredito que a fase que me encontrava, estudo e pesquisas tiraram de mim essa percepção.
— E o que aconteceu após a morte dele?
— Eu voltei para Piracicaba. Não quis ter mais relacionamento. Vim morar aqui e segui minha vida. Arrumei trabalho, troquei de empresa e estamos aqui. Eu vivendo novamente conflitos familiares envolvendo meu namorado.
— Correção: noivo, quase marido.
— Pior, na véspera do casamento. Aí eu penso, será que vai acabar um dia?
— Huma, me responde com sinceridade que sempre teve, você ficou comigo com medo de...
— Não! — Ela acertou a postura e me encarou. — Confesso que desde o início eu quis te afastar. Odiei a sua perseguição por mim. Tudo isso foi muito complicado. Eu tive muito medo. Tentei o máximo não me envolver com você.
— O que mudou?
— Você! Eu percebi que vivia outra história. Você era outra pessoa. Eu sou outra pessoa. E jamais deixaria alguém dizer o que fazer da minha vida novamente.
— Eu te amo, entenda apenas isso, sempre foi amor. E até pensei em desistir, apenas para você ser feliz. Aquele dia, o da bicicleta, eu vinha buscar minhas coisas para sair daqui do prédio.
— Kim, tem um evento que não te contei, já que estamos nas revelações... lembra da menina lá de Curitiba que invadiu seu quarto? — Sorri e já sabia o que ela iria falar, por isso balancei a cabeça. — Eu intercedi por ela porque a encontrei no parque e percebi o seu desespero. Pelo que ela fez, prejudicou a si e ao pai. Tive medo daquela garota tomar alguma atitude... sabe? Até no trabalho dela eu me envolvi. E essa é outra história...
— Eu sabia que você estava tomando as dores dela e aproveitei sua companhia. — Ela arregalou os olhos e ganhei um tapa no ombro por isso.
— Acredito que você tem mais fatos escondidos do que eu. E precisamos os tornar esclarecidos até sexta-feira, para ver se falo sim ou não.
— Tudo que fiz foi por amor, por isso sou perdoado.
— Ah Kim, não estou podendo com isso — Ela me abraçou e as lágrimas que estavam engasgadas desceram. — Você é muito fofo. Eu já sabia que era generoso e que o amor é isso mesmo. Mas viver este amor é difícil. Parece que não é real. Dá medo de acordar.
— Você vai acordar, mas comigo do seu lado sempre.
Ela me abraçou e ficamos ali um tempo que não sei dimensionar. Abraçados. Quietos. E cada um com seus pensamentos, acredito que, revivendo tudo até aquele instante. Huma se afastou para me olhar.
— Encarar seu pai hoje foi constrangedor. Ele está com aparência muito frágil ainda, o que me fez escolher cada palavra com cautela para não ser ríspida. Porque minha vontade, desde a primeira frase dele, eu já o tinha mandado para — Ela sorriu. — você sabe onde.
— Essa eu precisava ter visto.
— Apesar de tudo, fui educada por senhora Amália e senhor Humberto. Mesmo que minha mãe teria feito o contrário, o meu pai não me perdoaria se tivesse sido mal-educada. Lá em casa era o equilíbrio os dois. Um colocava fogo e o outro apagava. — Sorriu de novo com o semblante mais leve. — Mamãe dizia, brigue, lute e não aceite desaforo, mas nunca dessa do salto.
— Eu até consigo ver ela falando.
— Já o papai explicava com calma, tudo se resolve no diálogo e que o silêncio é o pai da sabedoria. Por isso, não perca a postura e a cabeça.
— E o que você disse ao senhor Kim?
— Que agradecia todos os anos de empresa e tudo que aprendi, mas na minha vida pessoal eu faço a escolha. Mais ou menos isso. Agora vamos mudar de assunto. Estou com fome. O que você vai cozinhar para mim hoje?
Ela levantou e me puxou pela mão. Parou e virou de frente.
— Você não vai casar enganado. Não sei cozinhar, mas gosto de comer bem.
— E eu já te disse que não foi seus dotes culinários e nem seu bom humor e delicadeza que me encantaram.
— Ainda bem.
E foi assim que passamos a noite e o outro dia. Conversando e descobrindo mais histórias um do outro. Nada comprometedor. Tem algumas coisas que, sinceramente, nem precisam ser ditas. Fazem parte de um passado que nem me orgulho.
Sexta-feira chegou.
Deixe-a na casa dos seus pais para se arrumar e fui para meu apartamento. Minha irmã fez questão de vir mais cedo para certificar que eu estaria impecável. Eu como não sou bobo e nem nada já havia chamado o nosso cabelereiro e maquiador. Ele ficou surpreso de não saber do "evento" e que os outros não eram convidados. Expliquei que seria simples e com poucas pessoas presentes. E foi assim mesmo.
A área externa da cobertura tinha flores em vasos altos, balões brancos e alguns vermelhos em feixes flutuando na piscina, velas em candelabros ao redor e na parte mais próxima da grade de proteção, um arco de flores e uma mesa com toalha branca. Sobre ela um crucifixo, a bíblia e a imagem de Maria que minha sogra pediu.
Chamei a fotógrafa do grupo, sem Huma saber, não poderia ficar sem registrar esse momento.
Ela chegou com seus pais.
Linda.
Diante de um pôr do sol maravilhoso, o juiz de paz oficializou nossa união. Um padre, amigo de minha sogra, veio a convite dela dar-nos uma benção. E ele começou assim:
— A benção nupcial não é um sacramento e sim a benção da família e do casal. Estou aqui em nome de Deus para os abençoar porque, apesar de serem de religiões diferentes, católicos e protestantes professam a mesma fé cristã. O homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus. Não é mero acaso, Deus quis assim. Essa é a beleza do matrimônio. Assim vou ler um pequeno trecho do Evangelho de São Marcos, capítulo dez, versículos de seis a oito. "Mas no princípio da criação Deus os fez homem e mulher. Por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne." A aliança entre duas pessoas que se unem pelos laços matrimoniais vai muito além de um simples anel e um contrato de casamento é um compromisso que o casal assume como confissão de seu amor. E para se manter em harmonia, o casal precisa de três coisas no mínimo: Perdão, diálogo e amor. Caminhar a três é a regra de maior importância. Você — Apontou para Huma. — você — apontou para mim — e Deus. — apontou o dedo para o alto. Na semelhança na Trindade Divina o amor se faz completo. Que Deus abençoe a nova caminhada de vocês.
E, mais uma vez, ao nos dar os parabéns ele deixou claro que não foi uma celebração do sacramento, que essa, nós deveríamos marcar um casamento ecumênico.
Pensei em conversar sobre isso mais tarde com a Huma, ou talvez amanhã... hum... semana que vem? Depois da lua de mel seria mais sensato.
Fim
*****
Fim? Sim. Acabei mais um livro. Gostaram?
Calma!
Teremos na semana que vem o epílogo. Se quiserem é claro. Ou posso deixar para a amazon.
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