Capítulo 38
Capítulo 38
Esperei o dia todo uma ligação ou mensagem da Huma e nada. Já tinha desistido, decidido passar a noite em São Paulo, chegou uma mensagem.
"Sei que sou irredutível e teimosa. Mas ficar longe de você é pior que aguentar as suas reclamações. Volta para casa. Sinto saudade. Te amo. Sua querida Huminha"
Após ler sua mensagem fiquei com vontade de voltar correndo. Porém, três eram os motivos que me impediam. Não me encontrava com meu carro, porque vim com minha irmã e a minha mãe. Já era tarde e havia combinado de voltar ao hospital no dia seguinte.
Assim que me instalei em meu quarto liguei para ela. Demorou a me atender, até pensei que estivesse dormindo. E seu entusiasmo não refletia o calor de sua mensagem. Aliás, muito pelo contrário, pareceu-me irritada. Por isso falei:
— Desculpe-me não ter dito que viria. Francamente, nem eu sabia. Foi tudo muito repentino. Fui à casa da minha irmã e mamãe já se encontrava com tudo pronto para a viagem, claro que eu não estava incluso, mas como apareci fui quase enfiado no carro a força. Nem uma troca de roupa eu trouxe. Acabei de passar em uma loja no caminho para comprar.
"E como está seu pai?"
— Os médicos disseram que o quadro está evoluindo bem. O que significa, eu não sei ao certo. Amanhã vai extubar. Por isso, vamos permanecer aqui para ver sua reação.
"Ele é forte. Vai dar tudo certo."
— Você está bem?
"Sim."
— Com raiva de mim ainda?
"Não tive raiva."
— Não? Por que não abriu a porta do quarto para mim?
"Você não bateu."
— Mas você fechou.
"Você quer conversar sobre isso agora? — percebi seu tom alterado. — Estou com sono e você deve estar cansado."
— Sim, realmente estou bem cansado. Assim que sairmos daqui amanhã, eu te aviso.
"Qualquer outra novidade também. Desejo melhoras e se cuide. Até amanhã" — Percebi que iria desligar a chamei:
— Huma?
"Sim."
— Não vai me deixar boa noite e me mandar um beijo?
"Boa noite. Beijo."
— Eu te amo. — Esperei que ela me dissesse o mesmo. Mas permaneceu quieta e em silêncio. — Você está aí ainda?
"Sim. Até amanhã."
Desligou. Sorri pela sua timidez. Acho que ainda falar em voz alta era difícil para ela. Por mensagem tudo parecia mais fácil. Pensando nisso, passei uma mensagem para meu primo e perguntando se ele já tinha desocupado meu apartamento.
Acordei com o som insistente do meu celular. Por um minuto pensei que tinha perdido a hora, mas olhei o aparelho e enxerguei o nome do Jae. Não atendi. Ele iria choramingar para permanecer no luxo. Já tinha cansado dele fazer farra e eu ser chamado atenção por este motivo. Até multa por sua bagunça, eu tive que pagar no condomínio, essa que ele mentiu de ser uma manutenção no prédio.
Pedi meu café. Em seguida entrei no banheiro, tomei uma ducha e troquei de roupa. Com o celular em mãos sentei para esperar o serviço de quarto, notei algumas mensagens do Jae. Algumas tinham até um tom de ameaça. Ele poderia contar a Huma sobre minha estadia no prédio dela. Isso porque o deixei achar que teria esse poder sobre mim. Em resposta, apenas afirmei que seu prazo era de três dias. Começando a contar no dia anterior.
Terminava meu café quando mamãe apareceu no quarto.
— Falou com a Min-a hoje? — perguntei para iniciar um assunto. Nosso relacionamento ainda continuava estranho desde o último encontro em sua casa.
— Passei no quarto e eles estão esperando o café ainda.
O Hotel tinha poucos hóspedes, funcionava com a capacidade de trinta por cento e todos mantinham os protocolos de segurança. O restaurante funcionava apenas nas refeições com distanciamento das mesas e serviço "a la carte", podendo também serem servidas nos quartos, caso o cliente se sentisse mais seguro. Essas informações tinham sido passadas já na reserva dos quartos.
Ela estava inquieta, perguntou assuntos aleatórios do meu trabalho e não tocou no nome da Huma.
Chegamos no hospital e meu pai se encontrava num quarto, em uma ala de pacientes que saíram da unidade terapia intensiva, continuava ligado a alguns aparelhos. Mantinha os olhos fechados, tinha uma aparência muito frágil e bem mais magro. Os médicos afirmaram que ele já havia acordado, tinha dificuldade de comunicação, que era normal e que iria ficar um pouco sonolento devido aos medicamentos.
Ao abrir os olhos, um pouco mais tarde, percebi que sua consciência funcionava. Ele fixou o olhar em mim. Parecia não acreditar de me ver ali. Mamãe aproximou e falou:
— Você está vendo corretamente. É seu filho.
Ele virou os olhos para ela. Seu rosto se mantinha imparcial. Não se mexia, apenas os olhos mudavam de posição. O que significava aquilo? Não sei. Acredito que se ele pudesse, teria gritado, esbravejado e me mandado sumir dali. Mas como não podia e nem conseguia, ficou somente no olhar acusador.
Minha irmã se aproximou, passou álcool gel nas mãos novamente e tocou no braço dele.
— Ei! Que susto deu na gente. Vai ficar tudo bem, o senhor vai melhorar logo, logo. — Ela olhou para o marido e ele se aproximou. — Fique tranquilo que a empresa está indo bem. Olha quem está aqui comigo.
Ju-Ly-Na não disse nada, se sorriu nem dava para saber, porque a máscara não permitia. Mamãe tentou manter uma conversa aleatória. Até que pediu para que eu me aproximasse.
Fiz o que me pediu.
O sonho. Não era hora de me lembrar daquilo, mas foi inevitável. Principalmente após ela pedir para eu me aproximar mais. Eu não queria. Preferia manter uma certa distância.
— Senhor Kim, que bom te ver — consegui falar, incentivado por ela. Eu não o chamava de pai há bastante tempo.
Apesar de não se mover, notei que sua expressão se tornou agitada. Olhei para mamãe e a Min-a também percebeu. Ela falou mais alguma coisa com ele que não prestei atenção, porque na minha cabeça, eu deveria sair dali para não despertar a raiva que havia dentro dele e piorar sua recuperação.
Com a mão na maçaneta para sair, mamãe me chamou:
— Kool! Veja isso!
Voltei para eles e o olhei. Seus olhos estavam úmidos e uma pequena lágrima escorria na lateral de seu rosto.
— Pede perdão para ele, filho?
Eu? Por quê? Por tudo que passei? Mesmo com todo esforço ainda lembrava o que vivi. Todas as vezes que apanhei na cara em casa e na frente de amigos, das vezes que fui tirado pelos seguranças dele do local onde cantava, do dia que fui jogado na rua com a roupa do corpo, xingado, ameaçado e deserdado. Qual destes motivos deveria pedir perdão? Muito confuso, me aproximei novamente e seus olhos se abriram mais ainda. Aquilo não era bom. Ele não estava feliz em me ver. Provavelmente relembrava as nossas brigas. Essa era uma certeza. Virei e saí do quarto. Fiquei no corredor por algum tempo, até que uma enfermeira me pediu para aguardar na sala de espera.
Minha mãe ficou em São Paulo para acompanhar de perto da recuperação do marido. Nem sei como ela poderia ser útil, porque ele precisava de uma pessoa 24 horas para ajudá-lo em tudo. Por isso, um enfermeiro ficaria à disposição.
No caminho de volta para Piracicaba, pouco falei e somente pensava em encontrar com a Huma. Mandei várias mensagens e áudios a ela durante o dia relatando os acontecimentos. Ela não respondeu todas, mas a última foi a que me preocupou.
"Melhor ficarmos alguns dias sem nos encontrarmos. Para nossa segurança, ou melhor a minha, até você fazer uma quarentena."
Foi um balde de água gelada. Queria poder abraçá-la e dormir junto dela.
Tive que concordar, porque apesar de todos os cuidados realmente existia o risco de contaminação.
E assim aconteceu. Hoje faz 9 dias que voltei para meu apartamento. Sim, o meu lar. Expulsei Jae de vez daqui. Mandei fazer uma faxina especializada para tirar o cheiro dele do meu quarto e do resto da casa. Como podia um ser não cuidar direito da propriedade alheia daquela forma. Era inconcebível.
Mesmo eu não habitando mais o seu apartamento há vários meses, eu mantinha a faxineira. Comprei vários assessórios e utensílios, troquei cortinas, tapetes e apenas não deixei para ele o que já havia levado para casa da Huma, como a cafeteira, aparelho de grill, secador de cabelo, purificador de ar, meu vídeo game e a TV.
Em compensação, ele foi até o apartamento da Huma, perguntou se ela me conhecia bem. Sabia quem eu era por trás da figura de bom moço. Pode? Sim, ele fez exatamente isso, e mais, quis dizer que por causa da pandemia e sem trabalhar eu queria reconciliar com meu pai para ser herdeiro de novo.
O que ele não contava era sair quase corrido de lá. Ela o despachou da porta mesmo e falou o que ele nem imaginava ouvir. Essa era minha mulher. Este seu jeitinho direto de dizer e fazer as coisas. Sabia ser delicada como um trator.
No dia que ela me contou essa conversinha deles eu dei risada. A cada vez que imaginava a cena em minha cabeça, eu dava risada sozinho.
E como se apenas isso não bastasse, ele resolveu seguir com o falatório dentro da família. E neste ponto ele me enfureceu. Mexer comigo tudo bem, eu já nem ligava pelo que falavam de mim. Já tinha sido vacinado há tempo com isso, mas agora envolver o nome de pessoas que eu amava e que não tinha nada a ver com os meus desacordos com meu pai... aí não.
Durante todos os dias que ficamos longe, falávamos várias vezes, ela chegou a dormir comigo em vídeo chamada. Eu fiquei olhando-a por muito tempo antes de desligar. A falta que eu sentia dela não tinha como expressar. Fiz teste da covid três vezes alternando os dias e todos deram negativos, apenas não fui ao seu encontro no sexto dia, porque meu cunhado testou positivo e minha irmã precisou ficar isolada para refazer os testes.
Neste período, minha irmã e meu cunhado, providenciaram as pessoas para ajudar na reabilitação do senhor Kim, ele teria alta em poucos dias. Fisioterapeuta, Fonoaudióloga e três cuidadores, dois para alternar entre dias e noites e um para cobrir as folgas. Mamãe reformulou a sala de ginástica, que era no andar inferior e o transformou em um quarto todo adaptado. Como Min-a não podiam sair para resolver as últimas providências ela me pediu ajuda. Claro que providenciei tudo, mas um pedido me tomou de surpresa:
"Kool, você precisa estar lá para recebê-lo. — ela.
— Min-a, você acredita mesmo que ele deseja olhar na minha cara. Já ficou claro aquele dia que ele continua me odiando.
"Mamãe já falou que foi uma interpretação errada sua. Ele apenas não esperava te encontrar, porque ainda não fazia ideia de tudo que lhe aconteceu e nem tinha noção dos dias que se passaram."
— Sei não... me peça qualquer outra coisa, menos encará-lo novamente.
"Kool, por favor. Chegou a hora de terminar com tudo isso. Não tiro sua razão por tudo que passou. Mas pense em daqui para frente. É o que vou fazer. Assim que eu for liberada, participarei de uma reunião na empresa e vou reivindicar o meu lugar. Conto com o seu apoio. E a Huma que tem me ajudado muito."
Essa última frase foi uma novidade para mim.
*****
Reta final do livro. O que vai acontecer? Está tudo muito bem ou mais ou menos. Mas...
Aguardem...
Comentem.
Se cuidem!
Abraço
Lena
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