Capítulo 37
Capítulo 37
Huma
Fui para a cozinha cozinhar. Josi afirmava que era uma ótima terapia para esquecer os problemas e ajudar a raciocinar direito. Optei por fazer um pão, porque ela falou que era para eu socar a massa para liberar a raiva que sentia. Ela falou sovar, mas eu preferi entender do meu jeito.
Após a minha desavença com o Kim, ele saiu de casa e voltou tarde da noite. Eu me tranquei no quarto e não abri a porta ao perceber que ele tentou entrar. Se ele tivesse insistido, poderia ser que teria aberto, mas como não fez, eu fiquei só na imaginação. Se ele tivesse subido para o apartamento do primo. Se dormia na sala. Se ficou no estúdio trabalhando. Conclusão: mal dormi.
Agora amassava este pão com a raiva acumulada. Meu celular tocou. Vídeo chamada da mamãe. Limpei a mão no avental, atendi e coloquei o aparelho sobre a bancada encostado na garrafa térmica.
— Oi mãe, tudo bem?
"Como você mesmo me disse um dia. Claro que não."
— O que aconteceu? — Parei e olhei para a câmera.
"Aconteceu uma pandemia neste mundo que não acaba nunca e nos deixa enlouquecidos."
— Ah... então a resposta é assim: Tudo bem? Não, desde março. Cadê o papai?
"Sei lá. Deve estar no escritório lendo. Eu te liguei para te passar as novidades. Sua prima Vanessa, o bicho pegou ela."
— Que bicho? O marido voltou?
"Não, Huma. O coiso. O vírus amaldiçoado."
— Como ela está? E as crianças?
"Ela diz que está bem mal. Os meninos foram para casa da sua tia. Deus não permita que eles estejam contagiados, porque se tiver a Neide tá ferrada."
— Ela sabe como pegou? — Continuei amassando sem olhar para ela. Estranhei ela não ter perguntado nada sobre o que eu fazia.
"Ela contou que foi pintar o cabelo, somente ela no salão. Três dias depois a cabeleireira ligou para saber se estava tudo bem com ela, porque sentia alguns sintomas da doença. Ela se borrou, né? Não deu outra, a moça avisou que deu positivo."
— Serviu muito bem para a senhora que está aí de faniquito querendo ir no instituto. A gente nunca sabe quem pode estar contaminado.
"Meu Deus, Huma, é hora de falar isso? Eu estou para subir as paredes precisando de uma profissional para acertar a merda que fiz no cabelo."
— Mãe, você não sai de casa. Deixa o cabelo descansar das tintas. Vai ser até bom.
"Nem morta! Eu tenho espelho em casa, sabia? Eu me olho toda manhã e tento me dizer que estou com saúde e é o que importa, mas Deus sabe que estou mentindo. Por dentro, estou com ódio da China, dos morcegos e de todos que espalharam essa maldita doença. E por favor, não me venha com discurso moralista."
— Ok. Não digo nada. Porque sei que sabe exatamente a verdade.
"Sei. Mas eu sou egoísta no momento e quero minha vida de volta."
— Tem notícias da sua nora e do seu filho? — mudei de assunto, porque sabia que aquela conversa não iria a lugar algum.
"Graças a Deus parece que tomaram um pouco de juízo e estão seguindo certinho as recomendações da médica. E cadê meu lindo genrinho? E o que você está amassando?"
— Fazendo um pão.
"Vixi, Maria! O que aconteceu? Porque para você cozinhar é problema na certa! E se for mais notícias ruina nem me fale."
Fiquei quieta e nem ousei olhar na câmera. Coloquei mais farinha na mesa e continuei meu processo de fazer a massa soltar da minha mão.
"Ei, me conta o que se passa!"
— Uai, a senhora disse para não falar.
"Huma, Huma, pare de graça e me diz logo. Cadê o coreano? Pela amor de Deus, não venha me contar que brigaram?"
— Não conto. A Josi está feliz da vida com o novo empreendimento. Estão bombando na internet. Peguei a receita com ela. Tem um vídeo da Bruna dando o passo a passo deste pão com a Josi orientando. Se a princesa fez, eu consigo.
"Não mude de conversa. O que aconteceu entre você e meu genro? Desembucha!"
— A mãe, eu não tô a fim de falar sobre isso agora.
"Mas vai falar! Senão como vou ficar aqui? Vou imaginar mil coisas e com certeza, nenhuma que presta."
— Eu fiquei irritada com ele e brigamos. Mandei-o ir embora para o seu apartamento.
"Você fez o quê?"
Ela gritou do outro lado. Parei de sovar a massa, sentei na banqueta e olhei para ela, que por sua vez quase entrava na tela.
— Isso mesmo. Mandei ele voltar para seu apartamento. Acho que será melhor cada um no seu canto. Ele tem estado muito chato e reclama de tudo. Sei que não está fácil para ninguém, mas poxa vida... — Ela me cortou.
"Huma, escute bem o que vou te falar. Você não está na idade de dispensar um bom partido. Outra, quem é você para falar que o outro é chato. Filha, você às vezes é insuportável."
— Obrigada, mãe. A "senhora" é ótima em ajudar e dar conselho. — Ela quis me interromper e eu não deixei. — Primeiramente, eu vivo bem sozinha. O casamento para mim nunca foi prioridade. Segundo, sou chata sim e não discordo, por isso cada um na sua casa é a melhor pedida. Terceiro...
"Terceiro nada! Onde fui arrumar dois filhos tão diferente, meu Deus? — Percebi que ela começou a andar pelo quarto. — O moço é uma beleza e dá para ver que te adora. Veja bem, ele como músico vai ficar muito tempo fora de casa. Isso é uma vantagem. Pensa comigo, alguns dias do mês, ou até mais da metade, ele vai passar viajando em turnê e você poderá curtir sua solidão tão almejada."
— Percebeu o que me disse, mãe? Acabou de concordar comigo que morar sozinha é ter paz. E outra coisa, não é solidão que gosto, mas sim independência e individualidade.
"Nada disso, falei que este homem é perfeito para você que gosta de ter um tempo só seu. Eu já morreria de tédio se ficasse sozinha, por isso sempre fui em todos os congressos que podia com seu pai."
— Essa é outra conversa, você sempre teve rodinha no pé e adorava viajar. E nós sempre ficamos para trás sozinhos em casa.
"Sempre com uma de suas avós."
Voltei a minha massa que ainda estava mole e grudenta na mesa.
"E essa frase está errada ao dizer no passado. Eu continuo gostando de viajar. Estou impedida. Mas em breve estaremos livres de novo. Não vejo a hora de terminar este ano e começar 2021."
— Deus te ouça. — Para encerrar essa conversa eu concluí: — Mãe, preciso dar atenção a minha massa de pão. Depois conversamos. Se eu animar a noite passo aí.
"Te deixo entrar se vier com o coreano."
— Então esqueça! Ele saiu cedo e nem sei por onde anda. Ah, esqueci de te contar que o pai dele, o presidente teve uma melhora.
"Ih... pode ser sinal que vai morrer."
— Mãe! Que coisa feia de se dizer.
"Vai me dizer que nunca escutou que as pessoas têm uma melhora para depois ir embora?"
— Não vai ser o caso. Ele não está fora de perigo, mas teve uma melhora considerável. Saiu da ala de covid e foi retirado do aparelho que substituiam os pulmões. Ainda precisa do oxigênio, mas pelo que sei está sendo retirado o sedativo.
"O Kim foi vê-lo?"
— Não. — Será que ele foi hoje? Perguntei-me. — Acho que não. Então tá bom. Depois nos falamos. Se sair algum pão que preste eu levo. E sobre a Van, espero que seja leve o caso dela.
"Ah, eu já ia me esquecendo. Eu te liguei para te pedir para ligar para ela e ajudá-la com sua experiência com a covid. Sua tia que pediu. Beijos."
Ela desligou a chamada e eu fiquei rindo sozinha, só podia ser minha mãe mesmo, ligou-me para me fazer esse pedido e quase esquecia.
Voltei para meu futuro pão pensando no Kim. Será que ele foi para São Paulo e não me disse nada? Coloquei a massa em uma vasilha e tampei. Como o dia estava quente, deixei descansar sobre a pia. A Josi tinha dito que se estivesse frio, era para eu aquecer o forno, deixar dez minutos e desligar. Deste modo colocar a massa para ela crescer.
Já passava das sete da noite e nada do Kim. Tomei banho e troquei. Iria à casa dos meus pais e levaria um dos pães.
Moldei um pão em forma de coração, outro tentei fazer uma carinha de olho puxado, mas ficou muito estranho. A massa cresceu e esbugalhou os traços que seriam os olhos. A boca que estava virada para baixo abriu e ficou parecido que tinha tomado uma ferroada de abelha. Nem de perto ao qual imaginei. Uma carinha triste. Ficou mais para um boneco assassino que qualquer outra coisa. Então para não parecer que era um boneco vodu, eu o comi com café.
Antes de sair verifiquei o celular pela milésima vez. Nenhuma mensagem. Onde ele estava? Mandaria eu uma para ele? Balancei a cabeça que não e saí.
Papai jogava água nas plantas da frente da casa e sorriu ao me ver parar o carro. Desligou tudo e veio ao meu encontro. Antes de deixá-lo me abraçar perguntei:
— Cadê a máscara?
— No bolso.
— É o lugar dela, senhor Humberto?
— Minhas plantas estão todas sadias. Nenhuma teve tosse, nem febre ou calafrio. Estão é com calor.
— Pai, não brinca com essa doença.
— Filha... não brinco. Pelo que o governo diz a pandemia está controlada e quase no fim. Vamos ter eleições e o TSE informou que podemos ficar tranquilos que tudo será muito seguro.
— E o senhor acreditou?
Ele deu uma gargalhada boa.
— Entra. Vou acabar aqui e já me junto com vocês. Vai tomar uma cervejinha comigo hoje?
— Eu? Cerveja? Por que pensou isso?
— Não trouxe o meu genro, então pensei...
— Acho que vou acompanhar mamãe numa pretinha, ou se o senhor fizer uma caipifruta daquela caprichada, eu aceito.
Ele piscou para mim e eu entrei.
Onze horas da noite, eu não sabia se dormia na casa dos meus pais ou se iria embora para meu apartamento. Já tinha verificado meu celular várias vezes. Foi então que escutei um sinal sonoro e, como havia mudado o tom da notificação do Kim, sabia que era ele. Corri para ver.
"Que bom que resolveu se lembrar de mim. Pensei que ainda queria me ver longe. Saudade de você. Volto amanhã e conversamos. Vi meu pai hoje. Ele sairá dessa, mas não vai ser nada fácil a sua recuperação. Também te amo."
Oi? Como assim, eu lembrei dele. Também te amo? Gelei. Olhei de novo a mensagem e procurei por alguma anterior. Nada. Olhei na direção de minha mãe, ela desviou o olhar na mesma hora.
— Mãe... o que a senhora fez? — Claro, ela sumiu de minha vista.
* O Tribunal Superior Eleitoral é a instância jurídica máxima da Justiça Eleitoral brasileira, tendo jurisdição nacional.
** Cerveja preta
Olá meus amores. Desculpe o atraso. Essa semana me ocorreu um imprevisto e acabei atrasando. Mas como prometido eu me desdobrei para não deixar vocês sem um capítulo. Espero que aprecie sem muita moderação. Pode indicar o livro para outra pessoa sem problema algum.
Votem e comentem. Estou sentindo falta de mais comentários.
Beijos a todos e ótimo final de semana.
Lena Rossi.
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