Capítulo 34
Capítulo 34
Kim
— Ei, posso falar com você?
— Se for para repetir as mesmas coisas que escutei lá dentro, nem perca seu tempo — falou, com voz alterada
— Calma! — Estendi a mão. — Eu não entendo das leis brasileiras, mas se o senhor Humberto falou e disse que pesquisou...
— Eu sei! Conheço meu pai. — Virou e voltou a andar em direção do carro estacionado do lado ao de Huma. — Quero te ajudar, posso?
— Como? Convencer eles lá dentro a não se intrometer na nossa vida?
— Não, mas providenciar médico e exames para sua esposa com segurança.
Ele abriu a porta, colocou o notebook no banco de trás e me encarou novamente. Percebi que teria a sua atenção na hora que ele cruzou os braços no peito e me encarou.
— Veja bem, vocês não precisam saber o sexo da criança, apenas acompanhar o desenvolvimento dela. Saber se ela tem a possibilidade de ter o parto natural mesmo e...
— A doula tem feito todos os exercícios com ela para estimular o corpo para este momento.
— Presencial ou virtual? — perguntou, uma voz atrás de mim, Huma.
— Híbrido — foi sua resposta curta e grossa.
— Bento, você sempre foi um cara sensato. Quem te dá garantia que essa pessoa que você coloca dentro de sua casa não vai levar o vírus até vocês, pior à Ema? — Ele ia interromper, todavia, Huma levantou a mão num gesto rápido e pediu silêncio, que obedeceu. — Nunca me intrometi em sua vida, mas agora envolve uma terceira pessoa e que por acaso vai ser o meu sobrinho.
— Ela se cuida e vem nos auxiliando em tudo até agora.
— Por acaso ela tem somente a Ema como cliente?
— Não... mas...
— Mais o quê? Ninguém tem garantia de nada até agora. Eu fui em uma conferência que "aparentemente" não teria risco algum. O diretor da filial de Salvador foi o primeiro a dar o seu diagnóstico dos problemas enfrentados no estado. Em resumo, sala com ar condicionado, ambiente fechado e uma pessoa contaminada, conclusão: ele distribuiu para mais vinte pessoas.
— Esta é a razão do nosso isolamento. Queremos ficar longe de todos por este tempo e ter nosso filho em ambiente seguro.
— Seguro sim, concordo, mas com acompanhamento de um profissional adequado, um ginecologista e obstetra. Porque se ela tiver qualquer complicação, quem vai ajudar? A quem vocês vão socorrer? Parar no hospital e ficar por conta do plantonista?
— Pare de falar bobagem. Parece que fica jogando praga.
— Bento, papai não está para brincadeira. Ele vai denunciar vocês pelo bem de seu neto ou neta. E outra coisa, pior, muito mais grave, é a nossa mãe. — Ele que tinha se virado para entrar no carro, se voltou para ela. — Nunca vi mamãe sem maquiagem na frente de outra pessoa! Isso é grave!
Pelo jeito a última frase o fez se desarmar. A expressão de seus olhos suavizou. Fechou a porta de novo e encostou no carro.
— Eu também reparei isso.
— E você não acha grave?
— Mamãe sempre faz seus dramas, Huma. Acho que quis se apresentar assim para me abalar. Você nem imagina o escândalo que ela aprontou lá no prédio.
— Imagino sim, porque me ligou chorando e quase me matou do coração. — Huma olhou o carro com atenção e perguntou: — Que carro é este?
— É meu!
— Desde quando?
— Faz uns três meses. A família vai aumentar e precisava investir na segurança.
— É isso, Bento! Você disse a palavra certa: segurança! Não adianta ter carro, casa e dinheiro na conta bancária se o principal vocês não tiverem. A saúde do bebê. Por favor, pense nisso, meu irmão.
Ele olhou para mim e perguntou:
— É sério o que você me disse? Tem alguém de confiança?
— Pode ter certeza.
— O que você disse a ele? — Huma me questionou.
— Levar uma profissional para examiná-la ou uma clínica em horário diferenciado.
— Ele pode mesmo. Quando tive covid o médico foi lá em casa e depois fiz todos os exames em uma clínica. Veja! — Apontou o próprio corpo. — Estou aqui firme e forte, mas não pronta para outra.
— Vou conversar com a Ema e te ligo — foi a resposta dele antes de entrar no carro.
Ficamos ali nós dois olhando ele sair com o carro e sumir do nosso campo de visão.
— E eu pensava que minha família era muito complicada — resmunguei.
— Para você ver... outra hora te conto sobre estes dois doidos. Venha! Já que estamos aqui vamos aproveitar e jantar de graça.
— Huma, eu pensei — Puxei-a para mais perto de mim. —, já que saímos, poderíamos ir em um restaurante e ter um jantar romântico que nunca tivemos.
— Como não? Já tivemos vários, em casa, mas tudo muito romântico.
— É isso, sempre em sua casa. Quero te levar num lugar sofisticado e com uma comida deliciosa. Sair. Namorar...
— Mamãe vai ficar ofendida se escutar uma coisa dessa.
— Você me entendeu e não vai falar nada disto a ela — Abracei-a com mais força.
— A comida dela é a melhor, eu te garanto, não troco por nenhum outro lugar chique. E ela fez o peixe preferido do Bento que eu adoro. Ou seja, vamos comer tudo para ele deixar de ser besta. — Desvencilhou-se de mim e puxando minha mão entramos novamente. — E outra coisa, quem disse que os restaurantes voltaram a atender presencial?
— E não?
— Acho que somente delivery*.
Ao entrar na sala de jantar a mesa estava sendo arrumada pelo senhor Humberto, algo que nunca vi meu pai fazer. Minha mãe cozinhar para nós? Essa deve ter sido em ocasiões raríssimas, porque a lembrança mais nítida que tinha era eu me esconder dela na cozinha, porque sabia que era o local menos frequentado por ela.
— Quer ajuda? — perguntei.
— Não precisa meu filho, pode se acomodar à mesa.
Imagina se eu iria me sentar antes deles. Huma tinha se distanciado, mexia na geladeira e conversava com a mãe. Percebi que pegou um vidro de palmito para finalizar a salada.
— Bem! — chamou, senhora Amália. — Você tira do forno o refratário com o peixe?
— Claro, meu bem.
Acompanhei-o para ser útil em alguma coisa. Ofereci ajuda novamente e a Huma distribuiu as tarefas. Levei a salada, bebida e uma travessa com arroz.
Depois de tudo pronto e já sentados, Huma levantou novamente e falou:
— Espera um pouco. Vou tirar uma foto dessa mesa e mandar para o Bento ver o que ele perdeu.
— Filha, não faça isso, a Ema pode ficar com vontade de comer.
— Vou mandar para o Bento, não para Ema. Agora se ele mostrar a ela é problema dele. Que venha aqui ou vai pedir na rua do Porto, pois é o local onde vai encontrar algo mais parecido com este.
— Aceita um vinho, Kim? — perguntou-me senhor Humberto.
Olhei para Huma que se servia.
— Pode aceitar, Kim. Eu que estou dirigindo, e outra, ele te ofereceu uma taça, não a garrafa.
— Filha! Está constrangendo o rapaz! — senhora Amália veio em minha defesa.
— É assim, senhora Amália, não imagina como ela me trata. Manda em mim — falei querendo ser engraçado.
— Então vamos brindar, meu filho. — Ele levantou a taça, após se servir. — Se você obedece já está apto a entrar para a família.
Eu brindei, claro. As duas deram risadas, mas em seguida a senhora me corrigiu:
— Vou te dizer pela última vez, não me chame de senhora, entendeu?
— Sim senho... — parei a tempo —, me desculpe, esqueci completamente.
— Mudando de conversa, — começou senhor Humberto — minha filha comentou que seu pai continua internado.
— Sim, infelizmente ele não reage ao tratamento e aos medicamentos.
— Que doença cruel... — resmungou a senhora Amália — nestas horas dinheiro nenhum vale para nada. Quer dizer, até que vale, porque se não fosse por ele, já teria morrido.
— Mãe! — Huma a repreendeu.
— E não é verdade? — insistiu ela.
— Sua mãe tem razão, filha. O pai do Kim provavelmente tem toda assistência que o dinheiro pode pagar e mesmo assim está neste instante igual a tantos outros. Sabemos que tem morrido pessoas sem nem chegar a ter um atendimento adequado ou nenhum.
— Tudo isso é verdade, mas vamos mudar de assunto e saborear essa maravilha falando de outra coisa? — pediu huma.
— Que tal falar do neto que vem vindo? — tive a infeliz ideia de dar essa sugestão.
Levei um chute da Huma por baixo da mesa, um olhar acusador do senhor Humberto e minha sogra perguntar:
— Qual assunto é pior?
*Delivery é a palavra em inglês que significa entrega, distribuição ou remessa.
****
O Kim dando fora atrás de fora.
Infelizmente a covid levou e continua levando para os braços de Deus muitas pessoas. Meus sentimentos a todos que perderam alguém próximo e querido.
Abraço, Lena
"Mulheres grávidas estão incluídas no grupo de risco moderado como precaução devem, portanto, continuar a seguir as últimas diretrizes do governo de distanciamento social e evitar qualquer um com sintomas que sugiram corona vírus". CNN Brasil
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