Capítulo 31
Capítulo 31
Huma
Após aquela visita estranha à senhora Kim, candidata a minha sogra, os dias passaram sem muitas novidades. As notícias do presidente não eram nada promissoras. Na verdade, era sempre a mesma resposta: ele continua estável. O que aquilo queria dizer? Nada. Ele não melhorava nem piorava.
A família queria de toda forma levá-lo para São Paulo a um hospital particular e fazer um procedimento diferente, que em alguns casos, estava dando resultados positivos com alguns pacientes. Todavia, em seu estado grave não era aconselhável.
Neste dia específico, percebi o Kim um pouco agitado, na verdade, em alguns dias ele se encontrava todo misterioso. Enquanto eu trabalhava, ele andava de um lado para outro e sempre com alguém no celular. Escutei algo sobre o lançamento de um clip novo ou uma live, talvez este fosse o motivo de sua inquietude.
— Vou sair. Quer alguma coisa da rua? — perguntou-me, enquanto eu trabalhava em algumas planilhas.
— Onde vai?
— Na produtora, farmácia e depois no supermercado.
— Farmácia? Por quê?
— Sua vitamina acabou e vou tomar também, o médico disse que é para melhorar a nossa imunidade.
— Não preciso de nada. Vou ter uma reunião mais tarde e tenho que terminar o relatório, vou pedir o jantar.
— Você vai a empresa? — Parou no meio da sala com olhar preocupado.
— Não. Videoconferência.
— Ah, bom... Pode deixar o jantar por minha conta.
— Beleza. — Ele veio, me deu um beijo e saiu.
Voltei minha atenção ao meu trabalho e nem vi a hora passar. Josi me ligou e contou sobre como o canal do YouTube ia bem, embora ainda não havia número suficiente de inscritos. Mas eles estavam confiantes. Fiquei constrangida de não ajudar da forma que desejava. Mamãe se esforçou e fez o seu melhor. Até vídeo ela postou nas redes sociais. E eu não sabia como poderia ser mais útil.
Iniciou a reunião com notícias do senhor Kim, infelizmente nenhuma promissora. Ele continuava na UTI, entubado e com um quadro de pneumonia grave. Falaram novamente da possibilidade de transferência para o hospital de São Paulo e descartada pelos motivos óbvios.
Kim chegou, entrou pela porta da cozinha, escutei barulho de armário abrindo e fechando. Ele limpava tudo com álcool 70%, lavava os demais e guardava. Deixava a roupa na lavanderia e ia direto para o banho.
Apenas me toquei quando, pela câmera do meu computador, eu o vi passar pelado, por trás de minha cadeira. Continuei expressando a minha opinião sobre a pauta. Abaixei a cabeça fazendo uma anotação, claro que um palavrão nada bonito, como se fosse algo muito importante a ser anotado da fala do nosso superintendente.
Notei certo burburinho constrangedor. Mas me fiz de morta, sonsa, desentendida e ainda eficiente fazendo outra pergunta importante sobre o assunto.
Em seguida, recebi no chat uma mensagem de Diany:
"Você percebeu algo estranho na reunião?"
"Não! Por que, alguma coisa passou-me despercebido?"
"Não. Apenas um homem pelado atrás de você. Bem que ele poderia voltar e dar mais uma passadinha devagar e talvez uma paradinha." — Ai. Meu. Deus.
"Mais alguém viu isso?"
"Creio que sim, mas ninguém comentou."
"Como não vi, não pedirei desculpas nem vou comentar."
"Quero mais detalhes senhorita Huma. Para mim isso é novidade."
"Se aquiete que tu és casada e mãe de dois filhos!"
"Mas não sou cega nem boba."
"Voltemos à reunião, senhora Diany."
Morta de vergonha, continuei meu trabalho. Na minha hora, apresentei meu relatório compartilhando a minha tela com todos, mostrei os gráficos e a queda de produtividade. No entanto, um pequeno acréscimo nas vendas em relação aos meses anteriores. As especulações sobre este pequeno aumento se baseavam no fechamento do comércio, nas famílias que não viajaram nas férias de julho e algumas economias destes períodos de isolamento social, mudanças na rotina que facilitaram a troca de carro.
Fim da reunião.
Estiquei meu corpo dolorido. Fiquei sentada muito tempo e precisava de uma massagem, mas estava furiosa com quem poderia fazê-la.
— Senhor Joaquim, cadê você?
Abri a porta da cozinha e o encontrei cozinhando. Sobre a mesa, um tripé com uma câmera ligada e uma luz forte pairava sobre ele.
— Com a ajuda do meu parceiro Renato, tudo fica mais fácil de preparar. Ele explica o passo a passo e até eu, que nunca fiz um prato mais requintado, hoje preparei este delicioso jantar para minha amada. — Ele tirou a tampa de uma travessa e mostrou uma comida muito bonita. — Espero agradar.
Deixou a travessa sobre o balcão, olhou para mim e estendeu o braço me oferecendo a mão e me chamou:
— Venha, meu amor. Preciso apresentar aos meus fãs você, o amor da minha vida.
Balancei a cabeça e o dedo que não. Sentia-me assustada e totalmente despreparada para assumir essa relação.
No entanto, ele foi rápido. Capturou a câmera e veio com ela em minha direção. Meu primeiro reflexo foi cobrir o rosto e me esconder. Ele se posicionou junto a mim e me abraçou.
— Essa é a mulher da minha vida, aquela que falei a vocês. Por ela eu mudei, por ela eu me transformei. Inclusive o Renato foi ela que me apresentou. E como forma de carinho, gostaria que vocês se inscrevessem no canal dele, que vai ficar aqui embaixo na descrição, para dar aquela força especial. Posso contar com vocês?
Assim que ele falou novamente o nome do Renato, eu me toquei que se tratava de uma divulgação dos meus amigos. Que vergonha, não poderia fazer feio. Sorri. Dei um tchauzinho. Meu rosto queimava de embaraço, uma verdadeira idiota em frente a câmera.
— Fale alguma coisa, meu amor — pediu ele.
Limpei minha garganta seca, mantive o sorriso e comecei a falar o que veio na minha cabeça:
— Sim. O Renato e a Josi são um casal de um talento ímpar. Ela uma chef maravilhosa e ele um conhecedor da gastronomia muito diversificada. Os dois já viajaram pelo mundo e podem fazer desde o prato mais simples ao sofisticado. Sem contar que vocês vão conhecer a pequena aprendiz Bruna, que vai ensinar essa garotada a fazer muitas delícias de criança e bagunça, é claro.
— Como prometido, vou apresentar a vocês a minha nova música, feita para essa mulher.
Olhei para ele, surpresa.
— Vai? Em português?
Ele olhou para tela e perguntou:
— Vocês preferem em coreano ou em português? Hum... vou abrir os comentários e vocês que mandam opiniões.
Puxei a câmera para mim e olhei atentamente. Era uma live! Não poderia fazer cortes das minhas atrapalhadas. Não entendia direito dessas coisas, mas pelo jeito, tinha muitas pessoas acompanhando. Assim que ele abriu para comentários, na tela surgiram tantas mensagens que ficava difícil de ler.
— Parece que vocês estão indecisos. Tudo bem. Enquanto vou pegar meu violão e me ajeitar, vocês ficam com minha musa inspiradora. Venham comigo!
Ele passou a câmera para mim e eu o segui. Ao entrarmos no quarto, que antes era de visita e muito mal equipado, fiquei espantada, pois agora o espaço havia se tornado o que parecia um estúdio. Acendeu as luzes. Muitas luzes. Sentou-se em uma banqueta. Pegou o violão. Puxou um pedestal com o microfone e colocou em sua frente. Passou os dedos pelas cordas e um som ecoou no local. Eu percebi que meu enquadramento se encontrava todo errado, pois minha atenção estava nele, não na imagem.
Afastei-me e tentei enquadrar melhor. Notei que tremia. Meu nervosismo não me ajudava em nada nesta nova função. Ele percebeu. Veio e posicionou a câmera no suporte parecido com o da cozinha, porém de maior porte. Foi para a frente e perguntou se estava bom. Conversou com seus fãs e disse que cantaria a primeira versão em coreano.
Exatamente como me lembrava, a batida da música era lenta e no refrão ela se tornava mais forte. A emoção me invadiu, mesmo não entendendo a letra.
Assim que terminou, ele continuou dedilhando as cordas do violão e começou dizendo:
— Essa música é especial porque conta uma história de amor. Uma verdadeira história de amor. Aconteceu comigo e pode um dia acontecer com você também. Então nunca perca a esperança. Vale a pena ser paciente, ir atrás e fazer loucuras...
🎵 🎵 🎵
Um dia distraído eu a vi passar
Ela nem ao menos virou o seu olhar
E foi, na mesa de um bar
Que ela rejeitou me encontrar
Quem é essa mulher que me enfeitiçou?
Não quis me conhecer e só me desprezou
Usei de todas táticas que a vida me ensinou
Mas com ela nada funcionou
Quem é essa mulher que me encantou?
Não quis sair comigo
E nem seu número de telefone
Ela me entregou
O que faço agora se eu só quero ela a a
Ela é, a mulher da minha vida a a
É ela a a a, só ela a a a
A mulher da minha vida a a
Não é só um capricho meu
Por ela, outro me tornei
Fiz cada coisa que nem sei...
E por essa mulher me apaixonei
O que faço agora a a se eu só quero ela a a
Ela é, a mulher da minha vida a a
É ela a a a, só ela a a a
A mulher da minha vida a a
Agora ela me aceitou
Minha vida transformou
Por quê?
Uma chance eu ganhei
E essa oportunidade não desperdicei
Ela é, a mulher da minha vida a a
É ela a a a, só ela a a a
A mulher da minha vida a a
🎵 🎵 🎵
A medida que eu escutava a letra da música, a história ia passando em minha cabeça. Como dizem, um filme veio junto com a canção. E seu olhar, que em vários momentos se fixava na tela em sua frente, também não se perdia de mim. Acredito que ele desejava captar cada reação minha. E eu confesso, era boa em disfarçar, mas hoje me encontrava despreparada para fazer este papel profissional neste sentido. Estava transparente. E assim que ele parou de cantar e colocou o violão no suporte, estendeu a mão para mim.
Eu fui.
Aceitei sua mão. Ele beijou-a. Sentei-me em seu colo e disse em seu ouvido:
— Amei. — Beijei seu rosto.
— Eu te amei primeiro. — Ele me beijou. Eu esqueci que havia filmagem, pessoas olhando e aprofundei o beijo com muita vontade.
Ele me afastou e sorriu. E seu comentário quase me fez cair sentada no chão.
— Atingimos um milhão de pessoas.
— O quê? — Virei para a tela e as mensagens continuavam subindo com a velocidade da luz.
Ele pegou o celular, começou a responder as perguntas e algumas eram direcionadas a mim, que tive certa dificuldade de responder, por não querer me expor. Percebeu isso e então mudou o foco:
— Querem mais uma música?
Claro que tocou e cantou.
Mais de uma hora no ar, ele informou que iria encerrar de modo muito inconveniente. Falou para a tela com sorriso malicioso:
— Obrigado pela presença de todos vocês aqui. Prometo estar com o grupo completo da próxima vez. Hoje foi especial. E vocês abrilhantaram comigo essa demonstração de amor. Agora daqui para a frente será somente eu e ela. Quem sabe sai mais uma música. Beijo galera!
Eu? Saí de fininho. Meu celular tocava.
Havia mais de dez mensagens da Josi. Ela me contava que o canal estourou, que eles passaram de duzentos mil inscritos e não parava de crescer.
O que era duzentos mil comparado a um milhão de pessoas que me viram beijando o coreano como uma adolescente?
E o que seria isso perante uma dúzia de pessoas: executivos, diretores, gerentes e assistentes mais cedo ter visto o mesmo coreano pelado desfilando em minha sala?
*****
E aí amores?
Gostaram?
Esta autora adverte:
Cuidado com as reuniões em casa.
Evite alguém passando por trás do seu computador. Especialmente pelado.
Use sempre sua câmera virada para uma estante, parede ou uma cortina.
Conte aqui, já tiveram alguma experiência engraçada nesta pandemia com aulas ou reuniões online?
Conte para mim, prometo que não vai virar capítulo de livro...
Beijos
Lena Rossi
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