Capítulo 29


Capítulo 29

Huma

Meu coração mudou o compasso. Qual o significado daquela pergunta? Reprovação por não ter zoim puxadim, como dizia Bruna?

Eu, hein! Ser brasileira soou como uma ofensa em meus ouvidos. Ela que não venha me ofender, por mais que, seja a esposa do meu patrão, mãe do meu coreano e... olhou para mim estreitando os olhos.

Ela me analisava dos pés à cabeça, e só por este motivo fiquei feliz por estar vestida de executiva. Voltou ao filho, perguntou algo em tom mais baixo, que eu não consegui escutar, por mais que parei de respirar e tenha esticado o pescoço. Não deu certo.

Ela voltou seu olhar a mim e sorriu. Caminhou em minha direção e parou a dois passos. Assim mais de perto pude ver sua pele de seda. Meu coreano teve a quem puxar, muito diferente do senhor Kim que era todo enrugado. Ah... deve ter um monte de plástica, cosméticos mágicos coreanos, não é possível! Mamãe vai morrer de inveja.

— Muito bem... como é mesmo seu nome?

— Huma...

— Humália?! — soou uma voz pouco mais atrás e eu virei para ver de quem se tratava. — O que faz aqui? Algum problema na empresa?

Era o senhor Julian, diretor executivo e genro do presidente, ou seja, cunhado do Kim. E sua esposa entrou logo atrás.

— Huma? Aconteceu alguma coisa com papai?

— Oi, boa noite, senhor Yoon, senhora Mina — Fiz a vênia*, como era de costume na empresa. — Fiquem tranquilos, não vim trazer notícia alguma. Estou acompanhado o Kim.

— Kim? — Ela passou por mim e sua mãe, neste instante seu olhar encontrou do irmão. — Kool!! Que saudade!

Ela não fez cerimônia. Enlaçou o pescoço dele e o abraçou forte. Beijou sua bochecha, segurou com as mãos os dois lados de seu rosto e ficou o observando.

— Está tudo bem mesmo com você?

— Sim.

— Min-A, é melhor manter distância, por favor — pediu o marido.

— Fiz o teste cunhado, fique tranquilo, duas vezes para ter certeza.

— Você também? — perguntou a senhora Kim me olhando.

— Sim. Eu tive a covid, mas já estou restabelecida e de alta.

Neste instante, o seu ato me surpreendeu, ela levantou a mão e me estendeu. Eu tirei o frasco de álcool gel da bolsa e passei nas mãos. Sorri e comentei:

— Apenas por precaução. — Apertei a mão dela.

— Agora podem me explicar como vocês dois — Apontou para a filha e o genro. — Conhece a Ruma.

— Huma, mãe. Humália é uma de nossas funcionárias. Melhor dizendo, o braço direito do senhor Choi, cuida da parte financeira e de recurso humanos.

— Sim. Fui assistente dele, mas agora estou como executiva de contas sênior — a corrigi.

— Não sabia — explicou ela —, mas como me inteirar dessas coisas? Desde início do ano não fui na empresa.

— A promoção da senhorita Humália foi há quase dois anos, amor.

Ela me olhou com um sorriso sem graça e deu de ombro.

— Ainda vou ter mais acesso às informações importantes. — Piscou para mim. — Tem jantar nesta casa hoje? Já que temos convidados ilustres?

— Sim. Vamos para outra sala.

Fiquei parada onde estava com receio de dar um passo. Ainda não entendia se era aceita ou não. Kim veio a mim, colocou a mão em minhas costas e me guiou até o outro ambiente.

Que sala! Que mesa! Que lustre era aquele que caía sobre ela. Parecia da igreja Bom Jesus de tão grande e majestoso. Juro, eu me senti em um filme de época, onde as mesas tinham 20 metros de cumprimento e cabiam umas cinquentas pessoas. Os talheres pareciam cristais reluzindo sobre a toalha extremante branca, ao centro um pano vermelho percorria toda extensão. Eram várias travessas de porcelanas, conjuntos iguais a frente de cada prato que também havia uma tigela, talheres e hashi.

Não me atrevi a escolher o local de sentar. Esperei a dona da casa fazer as honras e indicar. Ela parou na lateral, ao lado da cabeceira e permaneceu atrás da cadeira. Mina e o marido se posicionaram do outro lado, em frente a ela. Kim caminhou me conduzindo e ficou à esquerda da mãe, eu do seu lado. Assim que ela se sentou os outros fizeram o mesmo. Uma oração foi feita e, como num passo de mágica, três pessoas surgiram, duas senhoras e um senhor. Destamparam as travessas e a fumaça subiu dos recipientes, provavelmente o aroma invadiu o local, mas minhas narinas ainda não conseguiam captar totalmente. Naquele momento lembrei que meu olfato não tinha voltado ao normal.

Olhei a comida, não reconhecia nenhum dos pratos a minha frente e reparei que eram repetidos nas outras travessas, esperei que eles começassem a se servir. Porém, o que aconteceu é que ninguém se mexeu. Assustei com o senhor, ele apareceu do meu lado e encheu minha tigela do caldo e acrescentou uns palitos, estilo um rolinho fino feito de massa de pastel do lado. Fez o mesmo com cada um ali sentado. O papo voltou para o corona vírus. O estranho, ou era impressão minha, que eles falavam de pessoas distantes, de funcionários e não o pai, o esposo e chefe daquela família.

— Huma, como se comportou o vírus no seu organismo? — quis saber o julian.

— Fiquei derrubada. — O olhar de confusão que já conhecia no Kim me fez explicar melhor a minha frase. — Nem queiram passar por essa experiência. É terrível. Tive muita dor no corpo, de cabeça e na garganta. Perdi totalmente o paladar e o olfato.

— O que sentiu de início? — Mina me questionou.

— Vim dirigindo de Campinas com tremores e calafrio. Percebi que tinha febre e minha garganta doía. Pensei que poderia ser efeito do ar condicionado gelado do seminário.

— Para ter certeza ela foi no hospital e fez o teste — completou Kim, com suas mentirinhas inconsequentes.

— E você pegou lá no seminário, porque várias pessoas que participaram testaram positivos em seguida.

— Ou ela levou para todos — comentou senhora Jina.

— Improvável, porque não sentia nada antes de ir. No hotel, onde aconteceu o evento, aferia a temperatura de todos ao entrar nas salas de conferência, segui todos os protocolos de segurança, infelizmente, algumas pessoas não faziam o mesmo. Principalmente o uso da máscara corretamente e o compartilhamento de objetos.

— Faleceram três funcionários da filial de campinas, incluindo o gerente de produção que foi o primeiro palestrante deste seminário — Julian contou aquilo como se dissesse que eles tiraram férias. — Senti meu estômago revirar. Parei de comer aquele caldo e deixei a colher do lado.

Kim e a mãe comiam em silêncio. Julian continuou falando de mais pessoas doentes e que morreram, incluindo celebridades, políticos, na cidade e em outras empresas. Tudo para ele parecia muito natural.

— Vamos mudar o rumo dessa conversa! — pediu a matriarca da família. É lamentável tudo isso e infelizmente muito triste, mas a hora da refeição merece assunto mais leve.

O silêncio dominou o ambiente, apenas escutava o som dos talheres. Minha vasilha com o caldo foi tirada e eu nem percebi. No prato foi colocado salada e vários outros ingredientes que eu nem sabia o que era. Kim, pegou um pedaço de carne e colocou em meu prato.

— Experimente! — Sorriu. — Vai gostar.

Como ele me serviu com o hashi, fiz o mesmo. Não queria pagar de ignorante a mesa. Sabia que era observada por eles, principalmente pela senhora Jina. Usar aqueles pauzinhos não era nenhuma dificuldade para mim, porém a comida japonesa ou chinesa que eu costumava pedir, eram muito diferentes daquelas ali servidas. Cadê o sushi? Rolinho primavera, yakisoba, temaki até o simples lámem? Nada disto apareceu naquela mesa. E o senhor que nos serviam falava o nome de cada prato, mas não me lembro de nenhum e nem sua pronúncia.

Outro fato interessante era o próprio hashi, eles não eram de madeira como nos restaurantes ou dos fast food de entregas. O material era nobre de uma leveza e brilho. Perguntei no ouvido do Kim e ele me confidenciou ser de marfim. Meu coração apertou. Caiu o conceito de nobre. Será que elefantes teriam sido sacrificados para fazer aquelas peças? Novamente deixei de lado o acessório bonito que para mim ele não poderia servir como meio de minha alimentação. Kim percebeu minha inquietude e pediu a uma das moças paradas, como duas estátuas, novos hashis. Assim consegui comer mais algumas coisas.

Fim da refeição. Graças ao bom Deus. Aquilo parecia interminável. Ninguém tocou no assunto: pai internado, entubado e em estado grave.

— Vamos tomar um chá na sala? — convidou a mãe. Ela olhou para as mulheres e elas saíram ligeirinhas. — Assim, vamos poder conhecer melhor essa moça.

— Eu já conheço — falou Julian. Esperou a sogra se levantar e fez o mesmo.

— Mamãe, não venha sabatinar a Huma, por favor.

Antes de chegarmos na sala, a senhora Jina segurou meu pulso e me chamou para entrar com ela em um outro cômodo.

— Venha comigo um pouco aqui. Uma conversinha reservada.

— Mãe, não!

— Filho, não vou sabatinar a moça, como sua irmã disse. Apenas conhecê-la mais um pouco, já que pelo jeito somente eu não tenho esta familiaridade.

Kim me olhou preocupado. Sorri para ele e tentei passar tranquilidade. Acompanhei-a e notei que o lugar era um escritório. Atrás da grande mesa havia um quadro com uma pintura enorme do presidente sentado em uma poltrona, ela e a filha, uma de cada lado. Percebi que para eles, aquela era a família Kim.

— Sente-se, não precisa ficar com medo de mim.

— Imagina senhora, por que eu teria?

— Por namorar o meu filho e do seu patrão.

— Uma pequena correção. Eu namoro o Kim, seu filho e, pelo o que ele me contou, o seu marido não o considera como filho há muito tempo.

— Mas ele é um Kim. — Ela dobrou-se sobre a mesa, aproximando mais um pouco e com suas mãos enlaçadas a frente. Olhou-me bem nos olhos e completou: — E é meu filho e meu herdeiro.

— Fico muito feliz em saber que ele pode contar com a senhora e sua filha como parte da família. Sabe, ele nunca foi de falar sobre este assunto, nem eu de perguntar, sei muito pouco sobre essa parte da vida dele. Vi tristeza em seus olhos na primeira vez que mencionou o pai, por isso deixo-o à vontade.

— Ele não contou o motivo da desavença com o pai?

— A música.

— E como foi este período?

— Não. Contou-me como foi sua vida nos Estados Unidos e depois quando veio para o Brasil.

— O Kool é um menino sofrido. Eu tentei reaproximá-los, mas meu marido é um homem muito difícil.

— Entendo. Mas tenho certeza que ele já superou boa parte de tudo que sofreu, principalmente porque mostrou que pode viver de sua arte.

— Até quando? — Ela levantou, rodeou a mesa e sentou na cadeira do meu lado. — O que ele diz ser sua arte, seu trabalho com essa moçadinha nova, tem validade. Daqui a pouco a juventude que são os seus fãs arrumam outros ídolos e esquecem deles. E aí? De que ele vai viver?

— Tenho certeza que ele pensa no futuro e se prepara para isso.

— Será mesmo? — Segurou em minhas mãos. — Eu me preocupo muito com o Kool, gostaria muito que ele repensasse sua carreira. Quem sabe avaliar a possibilidade de conhecer melhor a nossa empresa.

— Não sei... eu não vejo o Kim neste mundo corporativo...

— Você poderia convencê-lo que deveria...

— Não! — Levantei e me coloquei atrás da cadeira. — Não me peça isso. Eu jamais faria tal coisa.

A porta se abriu e ele entrou.

— O que você não faria, Huma?


*Modo respeitoso de cumprimentar em que alguém inclina levemente o tronco para frente.


*****

Agora o trem vai pegar fogo. O que vocês acham? A Huma não fará complô com a sogra e ir contra o Kim, a sogra pelo jeito está conformada que o marido vai morrer e já quer o filho na empresa. Será isso mesmo?

Qual a opinião de vocês? 

Quero saber. 

Sábado teremos um capítulo bônus de presente para vocês, afinal dia dos namorados não pode passar em branco. 

Aguardem... Não esqueçam de apertar a estrela e fazer brilhar meu coração. 

Até dia 12. 

Beijos. 


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