Capítulo 15

Capítulo 15

Acabou o mistério

Huma


Não é possível! — pensei assim que virei a chave. — O que vou fazer? Jogar a verdade na cara dele ou me fazer de boba e dizer que tenho a chave porque... voltei meu olhar e ele examinava os porta-retratos. Ferrou! — concluí.

— Tudo bem. Sente-se aqui — Apontei o sofá. Tirei minha bolsa e coloquei sobre a mesa. —, vou te dizer tudo que deseja ouvir, mas depois você vai sair por aquela porta e esquecer tudo. Ok?

— Não sei... — Sentou e sorriu. — Vou decidir após saber o que você me esconde.

— Então nem precisa sentar. Pode levantar e dar meia volta. Ir por onde entrou e nem lembrar mais de mim, desde já.

Ele cruzou as pernas e manteve o sorriso nos lábios. Parecia totalmente à vontade, o que me irritou mais ainda.

— Huma, como não lembrar de você, se nunca te esqueci?

— Podemos não começar por este caminho, por favor?

— Você neste tempo arrumou um namorado?

Como alguém pode ser tão inconveniente? Eu não reconhecia este coreano. Com certeza, ele caiu de cabeça quando criança e afetou seus miolos, só pode. Conhecia as pessoas com quem trabalhava e nunca percebi ou tive um que seja, com essa audácia toda. Claro que já recebi convites para sair. Mas uma vez não, era o suficiente para não haver mais convites e insistência.

— Para começar não é da sua conta. É assunto pessoal.

— Então não arrumou, melhor assim. E por que não queria que eu soubesse que mora aqui?

— Eu iria chegar neste ponto, mas percebi que não te devo satisfação e você vai acabar confundindo mais as coisas. Pode me dar licenças?

Levantei e iria lhe abrir a porta. Mas ele levantou junto e me segurou, acredito que queria pegar meu braço, mas com meu desvio de sua mão, ele me puxou pela cintura e aproximei dele mais do que devia. Nossos olhos se encontraram por alguns segundos, mas me pareceu um minuto inteiro. Fiquei sem jeito e ele me soltou em seguida, percebi seu embaraço e, se não foi impressão minha, seu tom de pele deu uma leve rosada.

— Desculpa-me, não foi esta minha intensão. — Passou a mão no rosto e cabelo, virou de lado e em seguida me encarou.

— Vamos começar de novo. Conte a mim o que iria dizer logo no início dessa conversa.

— Quantas vezes vão ser preciso? — perguntei e percebi a confusão em seu olhar. — Não é a primeira vez que me pede para podermos ter um novo começo.

— Será que a culpa é sempre minha? Você sempre é arisca e... — Ele parou de repente, pensou um pouco e percebi que gostaria de mudar por onde levaria a conversa. — Huma, tudo bem, não vou te incomodar mais... queria ser seu amigo e se possível até um pouco mais — Sorriu, me pareceu realmente triste. —, mas já entendi que não sou bem-vindo. E sei o quanto é desagradável alguém ficar na sua cola e tirar a sua privacidade.

Levantou. Tirou uma chave do bolso da calça, aquela que segurava até entrar no apartamento de dona Ester, para buscar essa droga de bicicleta. Olhou-a como se fosse algo precioso ou a resolução de vários problemas. Sua cara de cachorro que queria ficar dentro de casa apertou meu coração.

— Por favor, fique! — pedi. Assim que iria prosseguir e lhe dizer o motivo de não ter entrado, no dia que o deixei ali a frente do prédio, a campainha tocou. Com certeza era a vizinha. — Dê-me licença.

Atendi a porta e era ela mesmo com um prato de bolo. Enfiou a cabeça para dentro do apartamento e perguntou se "o moço ainda se encontrava", afirmei e ela abriu um sorriso. Na certa, era do time das que pensava que eu ficaria para titia.

— Que bom que deu tempo, eu me distraí no celular com minha irmã, aquela ali começa a falar e não para enquanto não conta tudo que aconteceu no condomínio.

— Imagina, nem precisava se preocupar.

— Faça um chá ou café e — Piscou para mim e apontou para dentro. Abaixou a voz e comentou: — aproveite. Homens adoram comer, conquistei meu marido pelo estômago.

Sorri por educação e não disse mais nada. Era o que me faltava. Até minha vizinha iria interferir em minha vida amorosa, não bastava as tias, primos e o resto da família. No natal já havia enfrentado essas perguntas repetitivas e "brincadeiras" de gostos duvidosos. Uma delas respondi e quase enfartei minha tia, disse que iria arrumar uma namorada, porque homens honestos encontrava-se escasso. O assunto rendeu e foi longe, porque alguns defendiam a livre escolha e outros condenavam. Essa questão, apesar de estar comum para algumas pessoas, diferenciava o posicionamento de outras. E o que me espantou foi, antes da minha saída naquele dia, minha vó vir confirmar se era verdade e ainda disse que me apoiava em qualquer decisão.

— Muito obrigada. O cheiro está ótimo, mas vou fazer um lanche primeiro antes de experimentar.

— Faça isso. Ele está bom de sobremesa, porque fiz com calda caramelizada. — Deu um passo à frente, olhou em direção da sala. Voltou seu olhar a mim e perguntou baixinho: — qual o nome dele?

— Kool, Kim Kool — Fez expressão de não entendimento e falou mais alto. — Espero que goste do bolo, meu rapaz.

— Tenho certeza que vou adorar — respondeu Kim se levantando.

— Já vou! — Pensei que já tinha passado da hora. — Não quero atrapalhar o casal.

Revirei os olhos ao fechar a porta. Só faltava ela dizer "os pombinhos". Fui até a cozinha para deixar o prato e ao me virar, outra vez esbarrei no peito do Kim. Ficamos nos olhando e ele com a mão em minhas costas. Assim que seu olhar mirou minha boca eu me afastei. A sensação foi estranha. Um arrepio surgiu na minha nuca e subiu ao couro cabeludo. Limpei a garganta, alisei os cabelos e me afastei dois passos de distância e falei de uma vez.

— Eu menti sim. Moro neste prédio há quase sete anos. Aquele dia eu assustei por descobri que morava aqui e fui para casa dos meus pais.

— E ficou lá até hoje?

— Claro que não, quer dizer, passei uns dias... viajei a trabalho e natal ano novo sempre fico com eles... Se a pergunta é, se eu me escondia de você...

— Diga a verdade, por favor — pediu. E como seu olhar estava preso ao meu, não tive como negar.

— Não me escondi, mas preferia não te encontrar.

— Por quê? — Aproximou. — Por que preferiu me evitar ao me despachar de vez?

Essa era uma pergunta que me fiz durante todo este tempo que entrava escondida no prédio e muitas vezes tarde da noite. Em algumas me sentia uma criminosa com medo de ser pega. Como se policiais estivessem na minha cola. Até hoje não havia encontrado a resposta.

— Não sei — fui sincera. — Verdade, não sei te dizer, talvez para não te magoar. Talvez por saber como era insistente. Ou até porque me encontrava estressada trabalhando bastante para fechar o ano. São muitos se, e talvez, mas a verdade que não sei ao certo.

— Nesta dúvida teria um medo de gostar da minha presença? — Diminuiu um pouco mais o espaço entre nós.

— Não! — respondi mais que depressa.

— Não? Parece que faltou firmeza e convicção nesta resposta.

Ele estava a um palmo de distância. Eu poderia sentir seu perfume ou era colônia de barbear. Reparei sua pele branca, lisa e sem uma manchinha o que me causou um pouco de inveja. Será que ele usava corretivo? Base? Observei. Nem uma sombra de olheira eu enxerguei. Muito injusto. E a boca? Traço perfeito com uma leve, muito discreta reentrância, que não chegava a ser uma covinha nos cantos laterais.

— Se você mirar mais uma vez minha boca eu juro que não vou resistir.

Saí do meu transe, totalmente envergonhada, andei pela cozinha, abri a geladeira e perguntei:

— Aceita um lanche? Tenho frios, salada, pão e suco.

— Se não for te dar trabalho eu aceito e posso de ajudar.

— Pode esperar na sala ou sentar aqui. — Apontei a pequena mesa que ele logo se ajeitou.

Peguei dois panos americanos, os pratos, copos, talheres e coloquei sobre a mesa. Tirei da geladeira os ingredientes e do armário os pães.

— O que é frios? — Olhei em sua direção e respondi.

— Queijo, peito de peru, ricota, presunto, requeijão, essas coisas.

Ele levantou e montou a mesa. Pegou suporte com os guardanapos sobre o balcão e perguntou:

— Não vai querer ajuda mesmo?

— Não. E por favor, não crie muita expectativa, é lanche simples. Minha sanduicheira queimou e tenho feito a moda antiga.

Peguei a frigideira e aqueci o pão com manteiga dos dois lados, abaixei o fogo e montei com os frios. Tampei para abafar e derreter o queijo. No prato coloquei duas folhas pequenas de alfaces, três rodas de pepino e tomates cereja. Terminei com um fio de azeite e deixei o shoyo a mesa. Coloquei um dos lanches em sua frente.

— É o que tem para hoje. Espero que goste.

Ele sorriu mostrando os dentes alinhado, brancos e bonitos. O que eu tanto reparo, Deus do céu? Balancei a cabeça para espantar estes pensamentos para longe e concentrar no meu prato.

— Parabéns! Fiquei sabendo que o grupo ganhou o prêmio no fim do ano passado — frisei a palavra para saber que aprendi.

Ele sorriu e falou um pouco sobre o evento e o papo entrou num campo neutro. Contou das férias e comentamos da preocupação mundial com essa nova doença que vinha preocupando os países.

— Não fui a coreia por este motivo — afirmou.

— Alguns executivos da empresa também não foram, e os que insistiram em ir, estão de quarentena. Há preocupação de como o mercado financeiro vai agir, porque temem fechamento de fronteiras.

— Temos turnês marcadas pela Europa a começar em agosto, mas até lá já devemos ter passado por isso.

Não disse nada, mas fiquei pensativa e em dúvida sobre isso.

Ele comeu o lanche e o bolo de banana.

— Nunca comi nada igual — comentou. — Não parece bolo, nem torta... hum... não sei definir, mas é muito bom.

Até que gostei de sua companhia. Tudo fluiu bem e sem se aproximar de um campo minado. E quando levantei da mesa e levei os pratos a pia ele quis lavar. Agradeci e coloquei na lava louça. Caminhamos para sala e eu o direcionei a porta de saída.

— Está me mandando embora?

— Não. Mas como um belíssimo cavaleiro você irá porque preciso tomar um banho e descansar para o trabalho que me espera amanhã.

— Precisa de ajuda?

— Não. Faço sozinha a muito tempo. — Abri a porta.

— Eu só quis perguntar... — Sorriu. Continuou no mesmo lugar indeciso se saia ou se ficava.

No instante que, deu um passo para sair ele parou e eu logo atrás fiz o mesmo. Ele virou de repente e disse:

— Aprendi aqui no seu país a cumprimentar e me despedir com um beijo. — Sem que eu tivesse reação ele beijou minha bochecha. — Ou são dois, acho que são três.

Enquanto ele falava e me dava os beijos, eu fiquei parada, sem reação e deixei ser beijasse. Após o terceiro, ele parou bem a minha frente e deu-me um selinho. Outro. Outro. E ao dar o terceiro ficou um tempo maior e sorriu junto a minha boca que não se manifestou.

— Boa noite. Adorei o lanche de frios.

Saiu pela porta.

Olhei-o apertar o botão do elevador. Virou-se para mim com o sorriso ainda impregnado naqueles lábios macios e como um moleque que fez travessura deu-me uma piscadinha. Assim que o elevador chegou ele tocou a testa com os dois dedos e entrou.

Eu fechei a porta e encostei nela.

O que foi aquilo? Por que eu não o empurrei?

Mas que droga!

— Já que me beijou porque não fez a coisa direito?


*****

Eu acho que ela queria um beijo de verdade? E você? 

Estes coreanos... 

E quem acha que ele vai embora do prédio levante a mão!

Até mais, beijos e fiquem em casa.

Lena

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