Capítulo 43


Uma Semana Depois

Respiro fundo enquanto coloco minhas coisas dentro de uma caixa branca de papelão. Nunca imaginei que largaria meu emprego antes de terminar a faculdade. Dou a volta na mesa e abro a pequena gaveta. Meus músculos travam assim que meus olhos encontram uma foto minha com Matteo em um porta-retratos.

— Cretino — murmuro, pegando o porta-retratos e jogando-o no lixo. Não quero nada que me faça lembrar daquele desgraçado.

Jogo minhas coisas na caixa de qualquer jeito. Faz uma semana que ele não aparece na empresa, provavelmente está paparicando a noivinha dele. Mas talvez seja melhor assim. Vou entregar minha carta de demissão ao Caio e já começar a procurar outro emprego.

Saio da minha antiga sala e uma tristeza profunda me invade. Deixar essa empresa, que me ajudou tanto em um momento difícil, dói mais do que eu imaginava. Ainda mais por não ter conseguido controlar meus sentimentos e acabar me apaixonando pelo meu chefe.

Matteo me machucou tanto, mas não consigo parar de pensar nele nem por um segundo. Eu o amo mais do que a mim mesma, e isso me apavora. Parece que estou em abstinência constante, como se a ausência dele me deixasse sufocada. Às vezes, tenho vontade de gritar, de pedir socorro com todas as forças, mas não posso. Por mais que eu queira ir atrás dele e implorar para que fique comigo, nunca me rebaixaria tanto.

Com o tempo, esse sentimento vai embora. Sempre vai. A ausência dele acabará apagando tudo o que vivemos, e só restarão as lembranças.

Deixo a caixa com minhas coisas ao lado da porta e caminho em direção à sala de Caio, que fica ao lado da sala de Matteo. Ao chegar em frente à enorme porta branca, dou duas batidas. Clara, a secretária de Caio, abre a porta imediatamente, segurando uma agenda nas mãos.

— Bom dia, Aurora — diz ela, sorrindo gentilmente. Retribuo o sorriso, e ela me dá passagem para entrar na sala.

A porta se fecha atrás de mim. Caio levanta a cabeça e me encara com um sorriso antes de se levantar. Caminho até ele com minha carta de demissão em mãos.

— Bom dia, loiro — brinco. Ele se aproxima e me abraça. Quando nos afastamos, noto que ele está usando uma gravata rosa bem chamativa, o que me faz sorrir. Esse é, com certeza, o famoso efeito Elisa Garcia.

— Bom dia, linda — diz ele com um sorriso travesso, mas logo levanta as mãos em sinal de rendição ao ver minha expressão nervosa. — Desculpa, força do hábito.

— Quero entregar isso — digo, estendendo o papel para ele. Caio franze o cenho, pega a carta e começa a lê-la. — Minha demissão.

— Sua o quê? — Ele me olha nos olhos, surpreso, enquanto tento conter as lágrimas que começam a se formar. — Eu não aceito.

— Você precisa aceitar — respondo, fungando e apoiando as mãos na cintura, lutando para não chorar. — Não dá mais para ficar aqui, Caio.

Caio solta a carta sobre a mesa e se aproxima de mim novamente, com o semblante sério, mas suave.

— Aurora, você está mesmo certa disso? — Ele pergunta, com uma expressão de preocupação e compreensão.

Respiro fundo, tentando manter a firmeza na minha decisão, mas minha voz sai frágil.

— Eu não tenho escolha, Caio... Não consigo mais ficar aqui. Tudo me lembra do Matteo, e isso está me destruindo.

Caio coloca as mãos nos meus ombros, olhando diretamente nos meus olhos, e seu tom é mais baixo, mais carinhoso.

— Eu entendo que está sendo difícil. Não estou dizendo que você precisa ficar... só quero que saiba que não está sozinha nisso. Posso ajudar você.

— Ajudar? — pergunto, confusa.

— Sim. Se sair daqui é o que você realmente quer, eu vou te apoiar. E mais, vou te ajudar a encontrar outro emprego. Você é uma profissional incrível, Aurora. Vai ter empresas fazendo fila para contratar você.

Sinto minhas lágrimas ameaçando cair, mas dessa vez por um motivo diferente. O alívio misturado à tristeza faz com que eu não consiga segurar o choro. Caio, percebendo, me puxa para um abraço apertado.

— Ei, está tudo bem — ele sussurra enquanto eu encosto o rosto no seu ombro. — Você merece ser feliz, e vou fazer o que puder para te ajudar a encontrar isso, nem que seja em outro lugar.

Respiro fundo, me afastando dele, limpando rapidamente o rosto.

— Obrigada, Caio. Sério, eu não sei o que faria sem você agora.

Ele sorri de leve, pegando a carta de demissão de novo, mas sem lê-la. 

— Então, vamos fazer assim. Eu vou entregar isso agora, depois vou ligar para uns colegas e conseguir um novo emprego para você. Tudo numa boa!

Uma chama de esperança acender dentro de mim. E limpo minhas lágrimas dando um sorriso grato pela ajuda do meu amigo.

— Obrigada, loiro rosa — Bagunço seu cabelo perfeitamente alinhado e ele faz uma careta.

— Vou garantir que o próximo chefe seja menos complicado.

Dou uma risada fraca, sentindo um pouco do peso sair dos meus ombros.

— Se conseguir isso, já vai ser metade do caminho — Aponto para ele e em seguida olho as horas no meu pulso — Preciso ir, meu apartamento deve está precisando de uma boa faxina.

— Boa sorte, à noite eu e a princesa vamos visitá-la.

— Ótimo, irei chamar nossos amigos também.

Saio da sala com um pouco mais de leveza no peito, sabendo que, apesar de tudo, não estou completamente sozinha.

Caminho em direção ao elevador, seguro a caixa com as minhas coisas com mais força, como se isso pudesse me dar algum tipo de âncora. Ao me aproximar dos elevadores, os olhares começam.

Sinto os olhos de vários colegas de trabalho se voltarem para mim. Alguns são de pena, outros de puro sarcasmo. Burburinhos discretos se espalham pelo corredor, mas a essa altura eu já sei exatamente o que estão dizendo. As palavras se repetem, sempre a mesma história “Matteo largou Aurora para voltar com a ex-noiva”. A tal noiva que, até semanas atrás, todos achavam que estava “morta”.

Eu finjo que não percebo, que não ouço, mas a verdade é que cada olhar e cada murmúrio pesam mais do que eu consigo aguentar. 

— Ela realmente achou que ia durar, né? — Ouço alguém sussurrar atrás de mim.

— Sempre volta pra ex, é clássico — outra voz comenta, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Meus músculos travam, e aperto a caixa contra o corpo. Fico ali, esperando o elevador, sentindo o rosto quente, o orgulho despedaçado.

Quando a porta do elevador se abre, entro rápido, rezando para que ninguém me siga. Mas a sorte não está do meu lado. Mais duas pessoas entram, e o silêncio entre nós é denso, quase insuportável. Eu olho fixamente para os números do painel enquanto os andares vão passando, um a um, mas minha mente está longe.

Os flashes de memórias começam a me invadir, eu e Matteo nos corredores da empresa, as conversas, os sorrisos, os momentos em que achei que tudo estava indo bem, quando ele me olhava como se eu fosse a única pessoa no mundo que importava. E agora... agora ele estava com ela. Com a mulher que todos achavam que havia morrido, mas que, como um fantasma, reapareceu e tomou o que eu achava que era meu.

O elevador para de repente, e mais pessoas entram. E aí começam os cochichos, dessa vez mais próximos.

— Coitada, ele trocou ela sem nem pensar duas vezes.

— Ela deve ter feito algo, né? Por que ele voltaria para a ex assim, do nada?

Fecho os olhos por um segundo, tentando bloquear as palavras. Minha respiração fica mais pesada, e sinto o peito apertar.

Finalmente, o elevador chega ao térreo, e eu saio quase correndo, mal conseguindo respirar. Atravesso o saguão com passos rápidos, evitando olhar para os lados. Só quero sair dali, escapar de todos os olhares, de todas as vozes que ecoam a mesma história. 

Quando finalmente passo pelas portas de vidro da empresa, sinto o ar fresco no meu rosto, mas ele não traz o alívio que eu esperava. Matteo me deixou. E, de alguma forma, isso não é apenas uma decisão dele, parece ser um julgamento, uma sentença. Como se todo mundo estivesse me lembrando de que eu nunca fui suficiente.

Eu sabia que sair da empresa seria difícil, mas não imaginava que me sentiria assim, vazia, perdida e esmagada pelo peso de olhares que me julgam antes mesmo de conhecerem a verdade.

Seguro a caixa com mais força e sigo em frente, sem saber exatamente para onde, mas certa de que não posso mais olhar para trás.

Caminho sem rumo, sentindo o mundo desabar sobre mim. Meus passos lentos ecoam nos meus ouvidos, enquanto um nó se forma na minha garganta e uma dor latejante pulsa na minha cabeça.

Aceno para um táxi e, sem pensar, entro. Encosto as costas no banco macio e respiro fundo. Passo meu endereço para o motorista, que permanece em silêncio durante todo o trajeto.

O táxi para em frente ao prédio onde moro. Respiro fundo antes de sair do carro, o peito apertado de uma dor silenciosa que nunca vai embora. Pago a corrida e desço, carregando a caixa com minhas coisas como um fardo. Ao atravessar o saguão, os passos parecem ecoar, e tudo ao meu redor me parece frio e distante.

João, o porteiro, me observa com o olhar de sempre, mas dessa vez há algo a mais, pena, talvez? Ele sorri suavemente, tentando ser gentil, mas eu apenas aceno com a cabeça.

— Bom dia, senhorita Scott. Tudo bem? — Sua voz é baixa, como se soubesse que algo está muito errado.

Forço um sorriso triste, mas não consigo sustentar por muito tempo.

— Tudo bem, João — minto, com a voz trêmula, passando por ele rapidamente. Não quero prolongar a conversa. Não hoje.

Caminho até o elevador e entro, as portas se fechando suavemente atrás de mim. O silêncio dentro do elevador é quase insuportável, tão espesso quanto o nó que se forma na minha garganta. A subida parece demorar uma eternidade, e quando finalmente chego ao meu andar, cada passo em direção à porta do apartamento pesa mais do que o anterior.

Giro a chave na fechadura e empurro a porta com um leve rangido. O cheiro de poeira e abandono toma conta do ar, me acertando em cheio como um golpe. Faz meses que não venho aqui, e o tempo deixou sua marca em cada superfície.

Caminho devagar pela sala, evitando olhar diretamente para os móveis cobertos de poeira, como se encarar a realidade fosse demais para suportar. Minhas mãos estão trêmulas, e o coração aperta ainda mais enquanto sigo em direção ao quarto.

Abro a porta do quarto e sinto o golpe mais forte. O espaço vazio, mas meus olhos se fixam nos dois lugares onde meus gatinhos costumavam dormir. Não há mais vida ali. Eles se foram, e a ausência deles pesa tanto quanto a dor que sinto no peito.

Minhas pernas fraquejam, e caio de joelhos no chão, o peso da realidade me esmagando por completo. Os soluços escapam antes que eu consiga segurá-los, e a dor que eu venho reprimindo explode de uma vez.

Ajoelhada no chão do quarto vazio, deixo as lágrimas caírem livremente, inundando o espaço que um dia foi de aconchego. O choro sai com força, um lamento que parece rasgar o peito, trazendo à tona toda a solidão.

— Me perdoem... — sussurro, a voz fraca e trêmula. — Me perdoem por não estar aqui.

A dor é sufocante, como se o vazio dentro de mim estivesse se expandindo, tomando conta de cada parte. Me sinto tão perdida, tão abandonada quanto o lugar onde me encontro.

Fico ali, ajoelhada no chão, os soluços diminuindo aos poucos até que não restem mais lágrimas. Mas o vazio permanece. E agora, sem meus gatinhos, sem trabalho, sem Matteo... eu não sei como vou seguir em frente.

O silêncio do quarto ecoa dentro de mim, tão sombrio quanto o vazio deixado pela perda.

(...)

Acordo com batidas na porta. Pisco algumas vezes, me dando conta de que acabei pegando no sono. Retiro meus saltos altos e, ainda meio desorientada, caminho para fora do quarto.

Minha roupa está toda suja de poeira, assim como o meu rosto. Passo a mão para tentar limpar o excesso, mas o desconforto permanece. Mais duas batidas ecoam pela sala, e me apresso em direção à porta. Abro-a, sem pensar, e imediatamente me arrependo. Matteo está parado na minha frente, braços cruzados, olhando diretamente para mim. Sinto o choque subir pelo meu corpo.

Tento fechar a porta de imediato, mas ele impede com a mão, segurando-a firme.

— Vai embora — digo, a voz falhando, tentando empurrar a porta com todas as forças. Mas é inútil. Com um simples empurrão, Matteo escancara a porta, me obrigando a dar dois passos para trás — Sai da minha casa! — grito, a frustração transbordando. — Eu não deixei você entrar!

Matteo me encara com uma frieza que me faz estremecer, e a tensão entre nós cresce.

— Você pediu demissão? — pergunta ele, ignorando completamente meu pedido para que vá embora, como se tivesse todo o direito de estar aqui.

O silêncio entre nós é sufocante. Bato meu pé no chão cruzando os meus braços.

— Você já sabe a resposta. Agora saia — Aponto para a porta, minha voz firme. Ele dá dois passos em minha direção, e eu balanço a cabeça, negando — Por favor, vá embora — imploro, minha voz mais suave agora, mas cheia de dor. — Você deixou bem claro que acabou tudo.

— Linda...

— Não me chame de linda! Não fale comigo, não pense em mim, me deixe em paz! — grito, dando passos rápidos e raivosos em sua direção. Aponto o dedo para ele, sentindo a raiva borbulhar. — Estou FARTA de mentiras! Cansada de promessas vazias e desculpas esfarrapadas. Se você disse que acabou, então acabou! Não me procure nunca mais!

— Aurora, me deixe falar com você — Matteo tenta se aproximar, mas eu o empurro, acertando alguns tapas no seu peito. Ele nem se move, permanecendo imóvel, como uma parede.

— CALA A BOCA! — grito, enquanto continuo a socá-lo, minhas mãos tremendo de raiva e desespero. As lágrimas começam a rolar novamente, incontroláveis. — Por favor, cala a boca...

Com um empurrão, tento afastá-lo, mas perco o equilíbrio e caio no chão, exausta e derrotada.

Matteo se agacha imediatamente ao meu lado, seus braços fortes envolvendo minha cintura enquanto ele me levanta do chão com delicadeza, como se eu fosse algo frágil prestes a se despedaçar. Tento me soltar, empurrando seu peito com as mãos trêmulas, mas é inútil. Ele me abraça com firmeza, apertando-me contra o corpo, como se quisesse segurar cada pedaço de mim que está se partindo.

— Me solta — sussurro, minha voz fraca e quebrada, mas ele não me ouve. Ou talvez não queira ouvir.

— Aurora... — ele murmura, a voz carregada de arrependimento. — Me perdoa, por favor.

Suas palavras me atingem como um soco, mas é o calor do seu abraço que desarma minhas defesas. Eu tento resistir, tento manter a raiva e a dor que me protegeram até agora, mas sinto meus braços cederem, caindo ao lado do corpo enquanto meu rosto se enterra em seu peito.

As lágrimas que eu tentei conter por tanto tempo explodem de uma vez, molhando sua camisa. Sinto seu peito subir e descer com a respiração pesada, como se ele também estivesse lutando contra algo maior do que nós dois. Matteo me segura mais apertado, suas mãos deslizando pelas minhas costas, como se estivesse tentando juntar os pedaços da minha alma partida.

— Por que você faz isso comigo? — murmuro entre soluços, minha voz abafada contra ele. — Por que diz que acabou e depois aparece aqui?

— Eu sou um idiota, Aurora. Eu... — Sua voz falha por um segundo, como se ele estivesse prestes a se quebrar junto comigo. — Eu preciso ficar longe de você, para o seu bem.

Suas palavras penetram fundo. A dor de sua traição ainda é uma ferida aberta que lateja a cada segundo. Tento me afastar de novo, mas ele me segura firme, inclinando o rosto até o meu, forçando-me a encarar seus olhos. E, pela primeira vez, vejo algo diferente ali. Arrependimento. Desespero. Medo.

— Eu sinto muito — ele sussurra, a voz tão baixa que quase não ouço. — Eu sei que não parece, eu sei que te machuquei, mas eu não posso vê-la machucada.

Seu rosto está a centímetros do meu, e o calor do seu corpo envolve o meu como uma chama. Mas as palavras que ele disse, essas queimam mais do que qualquer calor. Elas me confundem, me despedaçam mais uma vez.

Eu queria gritar, queria empurrá-lo de novo, mas meu corpo está fraco, e a única coisa que consigo fazer é chorar em seus braços. Matteo me abraça ainda mais forte, como se estivesse tentando apagar toda a dor que ele causou com aquele gesto.

— Eu não quero perder você — ele sussurra novamente, sua voz trêmula, como se estivesse segurando as próprias lágrimas. — Eu sei que fiz tudo errado, mas, por favor, Aurora... não me odeie.

Ficamos assim, abraçados, presos no turbilhão de emoções que criamos. O silêncio entre nós é preenchido apenas pelos meus soluços e pela respiração pesada dele. E, por um momento, me permito acreditar que talvez, só talvez, eu ainda possa encontrar uma saída para essa dor.

— Acho melhor você ir — Me afasto limpando meu rosto, fungo sentindo meu coração se partir em pedacinhos — E nunca mais voltar.

— Você vai entender o porquê disso tudo — Nego passando por ele e indo até a porta e a abro.

— Nunca vou entender Matteo, jamais — Ele me olha com pesar e caminha até a porta lentamente — Não volte a me procurar, porque eu jamais irei atrás de você.

Ele sai do meu apartamento, fecho a porta não deixando ele dizer mais nada, me encosto na porta e me inclino para frente tampando meu rosto com as minhas mãos enquanto choro.

Está definitivamente acabado!

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