14 de Janeiro de 2018


Cobri-me até o pescoço, fechei meus olhos, forcei, da forma como havia feito em noites passadas, a me imaginar numa época feliz, com você. Só assim consigo pegar no sono e descansar um pouco, mas nem sempre funciona, hoje não funcionou. O erro foi não ter ido com a imaginação meses e anos mais avante; pelo contrário, fui até ali, ao dia 31, quando tudo se reiniciará a todo mundo, mas não mais para mim. Meu tempo aniquilou-se, mas irei me comprimir, em tamanho infinitesimal se necessário, para que eu consiga encaixar-me nesse tempo que já não é mais meu, mas doutros. Vi-me então nesse dia, ao teu encontro, em teus braços. Antes de ir, deixe uma assinatura sua para mim, um dia será alguém importante e eu quero de lembrança, foi o que me falou em novembro, foi o que repetiu em meu sonho forçado. Comecei a soluçar, a esconder meu rosto de vergonha em tua pele; sem você eu não iria longe, eu não seria coisa alguma. Então estávamos em sua casa; o teto baixo, as duas motos estiradas na entrada, eu ainda em teus braços, você compreendendo que eu nunca fora o que pensou que eu fosse. Devo ter dito que te amava, pois uma frase solta tua transcorreu baixo, um eu desconfiava. Me perdoa, lhe supliquei, me perdoa, mas de hoje em diante tudo que eu fizer nessa vida será por tua causa; estou indo para planejar uma volta, estudarei o que for necessário para que tudo se acabe, amarei o suficiente para não me esquecer de como se ama, cuidarei de mim por ti, zelarei de meu corpo como se um dia você fosse precisa-lo. Tudo isso, G., mesmo que me sentencie a me afastar de ti para sempre, que me largue de teus braços, que me expulse de tua casa, que me rasgue de tua memória, que me desconverse ao me citarem; eu retorno para seu desagrado e numa esquina ficarei te esperando e te olhando, sem que me veja, sem que se dê conta de que ali estou. Ver-te-ei crescer e envelhecer enquanto eu própria me acabo, minha pele caia, meus dentes se corroam. Me perdoa, G., me perdoa, mas eu te amo numa obsessão e contigo não saberia ser medida ou delicada, lúcida ou sensata. Sou violenta, sou compulsiva, não estou me aguentando e sinto que da próxima vez em que te ver chorarei como uma condenada enquanto a gente se abraça, e não lhe largarei, e você saberá de tudo sem que eu lhe diga coisa alguma; minhas lágrimas diáfanas se derramarão por tua roupa, secarão dela e de meu rosto, me olhará e a vermelhidão já terá se evaporado; eu irei embora e você ficará com todo o resto, com tudo o que eu nunca lhe disse e também com a maior parte de mim, apenas por causa de um abraço lotado de fungados e arrochos que ameaçavam grudar-te eternamente. Compreenderá a tudo, tudo errado. Não há uma coisa que eu possa lhe dizer sem que lhe espante. Não há um próximo abraço sem que eu decaia em soluços incontidos. Então, G., me perdoa por te amar tanto, mas não me reconheço de outro jeito que não desse.

Recolho tuas coisas, as guardo. Teu primeiro miasma a mim foi um papel onde anotou seus dois números; tenho-o salpicado do perfume que eu usava naquela época, um azul de flores que abandonei para que o cheiro não pertencesse a mais ninguém ou a outro lugar, mas que fosse somente daquelas noites de segunda-feira, onde era eu, tu, mais um outro e às vezes mais uns dois. Tenho a primeira prova que fiz tua; o assunto era Grécia Antiga, um parabéns! pela nota máxima no canto. Tenho guardada a mensagem de aniversário que me deu naquele ano, nossas fotos; na cabeça tenho as nossas conversas, cada um de nossos abraços e encontros pela rua. Tenho a ansiedade em lhe esperar de manhã na varanda, tenho o som da tua bolsa de rodinha raspando no chão ao frear, tenho você tirando os óculos de sol, tenho a penugem branca de tua barba, que me hipnotizava e me deixava sem jeito em voltar a te olhar. Tenho a nossa palavra — aquários — tenho você dançando de forma esquisita enquanto cantarolava aquários. Tenho seu wallpaper de a-ha, tenho head over heels tocando a cada vez que te olhava; você a adora, eu também, e comigo sempre fora assim, algo acontecia eu me apaixonava. Tenho você falando Fiódor e nunca Fiodór, como o resto fala; tenho você falando de Balzac, de Sartre, tenho o vômito que vem depois da náusea. Tenho tuas buzinadas na moto, teus ho!, tenho cada uma das olhadas que me deu. Tenho o sinal da tua mão, a corda dos teus óculos, as tuas histórias, as tuas irritações. Tenho nosso primeiro encontro, tenho nossa primeira conversa, tenho cada uma de nossas despedidas — a das noites de segunda em dois mil e quinze, a das quartas quando decidi ir embora em dois mil e dezesseis —, tenho nosso reencontro — quando voltei um mês depois e lhe dei um abraço vergonhoso. Tenho a tanto e o que me faltava era ter essa espera, esse aguardo pela última das despedidas — não voltarei um mês depois, não haverá abraços vergonhosos por um bom tempo.

Então, G., me perdoa, mas enquanto eu tiver a tudo isso serei sempre essa adolescente de agora, que ama obsessivamente, que te quer de toda forma. E eu só me reconheço assim. Largar a toda essa parte que é tua é perder-me, é ser outra, é não te amar. Me perdoa, mas eu não lhe renuncio. 


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