I
O som da música psicodélica e agitada incomodava o homem sentado em uma poltrona velha e desgastada enquanto observava as pessoas dançarem, a maioria deles eram jovens, universitários, comemorando suas férias ou gastando o dinheiro dos pais como forma de desobediência.
Outros eram mais velhos, adultos cansados de suas famílias, esposas e filhos problemáticos, outros apenas homens e mulheres livres de qualquer compromisso a procura de uma noite excitante depois de um dia nefasto e cansativo.
Mas não eram apenas humanos que frequentavam aquele local, sentia a presença dos membros do submundo, e quando olhou a sua volta encontrou um bando de lobos sentados em um conjunto de sofás afastados da pista, haviam oito deles, quatro machos e quatro fêmeas, conversavam e bebiam entre sí quando sentiram sua presença olharam em sua direção, olhares frios e ferozes, que foram interrompidos pelo líder da alcatéia que sorriu e ergueu uma taça com bebida em sua direção.
Disse algo e todos voltaram a conversar, também localizou uma dupla de feiticeiros dançando na pista de dança, haviam algumas fadas disfarçadas próximas ao balcão, se divertindo com a mente de alguns rapazes bêbados.
E no andar de cima mesmo com a música alta, ele pode ouvir gemidos de algumas mulheres sendo abatidas por vampiros, podia sentir o cheiro do sangue delas, uma farta refeição, pensou e bebeu uma dose de uísque.
Alguns de sua espécie não gostavam de beber bebidas normais, mas ele já havia se acostumado ao sabor amargo das safras humanas, o gosto do álcool não o incomodava mais tanto quanto no passado.
Estava vivo a mais de cem anos, e era um andarilho perspicaz e cuidadoso, temido por seus inimigos e subalternos, tinha estado em muitos lugares, países, cidades, tinha conhecido pessoas importantes e históricas para os humanos.
Para qualquer pessoa que o visse ali, agora, bebendo e fumando naquele canto, pensaria que ele era apenas mas um jovem de classe alta, elegante com toda sua postura e charme, se divertindo no fim de semana ou um viajante a procura de novas aventuras.
Mas não, ele era um ser das trevas, um soldado da vida, alguém com coração solitário e frio, alguém que tinha visto as pessoas que amara envelhecer e definhar ao longo do tempo, tinha visto seus semelhantes morrer ao cometerem atos infracionais, e serem caçados por Caçadores Noturnos.
Vivia sempre assim, vagando de um lugar a outro, caminhando sozinho, a procura de um motivo, algo pelo que lutar mais que a própria vida, pelo menos era o que pensava antes de aceitar seu destino, que se resumia apenas em sangue e destruição. Aquele era seu fardo e o aceitara.
Mas de alguma forma, nos últimos anos, vagar de um local a outro, estava se tornando cansativo, sangue animal e álcool não eram suficientes, sua sede por sangue, destruição, morte e caçadas mortais, estava cada vez mais desperta.
Sentia-se cada vez mas tentado a matar, em especial naquela noite, quando despertara em seu apartamento, ouvindo o som dos corações dos inquilinos, o sangue correndo em suas veias, tinha saído e vagado pela cidade até entrar naquele bar, cujo o letreiro torto para o lado piscava e apagava na escuridão da rua deserta e perigosa.
No entanto nada parecia funcionar, estava inquieto e de alguma forma, cansado, queria parar, gritar, e despertar o monstro dentro de si, mas algo o impedia, o controlava a apenas vagar pelas ruas escuras da cidade, a procura de algo que nem mesmo ele sabia.
Era como se uma força sombria a sobrenatural o arrastasse até ali, onde estava agora sentado e bebendo.
_ Você não é daqui, estou certa?
Fora arrancado de seus pensamentos quando uma voz rouca e embriagada o abordou, fazendo com que olhasse para o lado e encarasse a garota bêbada e suada que sentara ao seu lado, esteve tão entretido que não a notou ali.
Tragando seu cigarro, e encarando-o com seu olhos vítreos, e tão mortos quanto os seus, a única diferença, é que os dela eram verdes.
Uma vampira, e recém transformada, ela deveria ter sentido seu cheiro, sua presença, como os vários outros seres do submundo.
Porém, fora a única a si aproximar, e por mais incrível que fosse, por mais fraca e inferior que fosse, aquela vampira não exalava medo ou ansiedade.
E isso o fez esboçar um pequeno sorriso, antes de a olhar friamente. Se perguntou a quantos minutos ela estava ali, cinco, talvez mais.
Mais isso não tinha importância tinha? Não iria assustar a pobre mulher, sempre gostara de uma boa conversa, e era raro um ser do submundo, ou até mesmo um humano o abordar.
_Não. Não sou daqui. _Disse por fim antes de tomar outra dose de uísque. _ Venho de muito longe. E você?
Ela sorriu em meio a uma tragada, e olhou a sua volta.
_ Bem, sou de muito longe também, nasce e renasce em Londres. _Disse a garota, e se serviu de uma dose de uísque antes de si dirigir a ele sombriamente. _ A 50 anos atrás, e bem desde então tenho vagado por aí.
_Um brinde a isso então. _ Disse ele e ergueu seu copo de bebida. _ A nós, seres que vagam sem destino.
_ A nós. _ Disse ela e sorriu.
_ Mas não foi uma simples conversa que a trouxe até aqui não é mesmo? _ Continuou ele friamente. _ Afinal todos aqui me olham como uma super ameaça.
Ele olhou a sua volta e percebeu que o alfa, líder do bando de lobisomens o encarava friamente, assim como o líder dos leviatãs, os filhos nascidos da união de um vampiro e um lobisomem, ele não os notara antes, mas agora os encaravam tão frios quanto os lobos, e isso o fez sorrir e rosnar ameaçador em suas direções que revidaram instintivamente.
_ Não, não foi por isso, foi apenas o fato de que sou a dona deste local a mais de cinquenta anos, e ninguém nem mesmo o último dos Hartford despertou minha curiosidade.
Ela fez uma longa pausa e apagou o cigarro sobre a mesa.
_ E por que pensa que sou tão interessante? Não sou Samuel Hartford. _ Disse ele e sorriu, estava sendo sarcástico de propósito, ainda mais por ela pensar que sabia algo sobre Samuel Hartford, um amigo do passado. _ Afinal, embora sejamos iguais, minha reputação não é tão inocente assim.
_ Vou lhe dizer uma coisa, não temo Samuel Hartford, ele é o meu mestre. _ Disse ela friamente, e ele sorriu. _ E também não temo desconhecidos como você.
Sorrindo ele soprou a fumaça do cigarro e a olhou fixamente.
_ Você cheira a morte vampiro, tem cheiro de coisas ruins, e isso está assustando meus clientes. _Continuou ela e ele olhou rapidamente a sua volta, ainda era encarado pelas outras criaturas ao redor. _ Por tanto, quero apenas avisar, que se quiser fazer algo, como um banho de sangue, é melhor ir embora. Está estragando a noite de todos aqui.
_ Estou? Eu não havia notado. _ Disse ele sarcástico
Uma ameaça. Louca. Aquela garota era louca, pensou enquanto digeria suas palavras rudes e controladas, ninguém que o conhecesse falaria daquela forma, principalmente se soubesse que ele era um vampiro tão antigo e sanguinário quanto Samuel Hartford, ou que seu nome era tão reconhecido quanto um Lawrence, ou um líder da antiga sociedade de vampiros, ao qual seu pai fora integrante, antes de perecer diante de um caçador sombrio.
Há tempos ninguém o afrontava daquela forma, e isso o deixara animado.
_ Seu senso de humor me faz rir garotinha, alguém em sã consciência não enfrentaria a mim sem um motivo. _Disse e piscou o olho. _ Tem o meu respeito por sua audácia, e quero que saiba que não irei fazer nada com seus clientes, estou de bom humor está noite.
_ Não sei se acredito em alguém como você, nunca o vir por essas bandas, e sinceramente, de todos aqui presentes, você é o único a cheirar mal.
_ Seu faro está enferrujado, olhe só, está confundindo meu cheiro com o dos cachorros. _ Disse ele e sorriu quando ouviu os rosnados ofendidos dos lobos e leviatãs. _ Não quero confusão, estava apenas entediado e resolvi sair, beber e me divertir um pouco.
Cruzando os braços ela continuou a encará-lo, ele realmente cheirava a sangue, e algo ruim e mortal para qualquer um que o confrontasse, seria tola se continuasse ali a abordá-lo com frágeis ameaças, tinha sentindo a força brutal e sombria dele no instante em que ele entrou naquele bar.
Todos tinham sentido, até mesmo Leonard, o líder da alcatéia que frequentavam aquele local a anos parecia incomodado, e somente por isso se vira forçada a abordar o vampiro e pedir que ele deixasse a bathhouse. Não queria confusão naquela noite.
_ Veja bem, não tenho culpa se todos me acham uma ameaça. _Continuou ele friamente. _ Sou apenas um andarilho, não se preocupe, não quero confusão, não gosto de chamar atenção.
_ É bom que isso seja verdade.
Disse ela e se virou para sair, mais antes se virou e o olhou novamente.
Ele sorria de forma fria e ameaçadora, e olhando-o agora, percebeu que havia marcas de olheiras mais que o normal, a pele também estava mais pálida, como se não se alimentasse e descansasse a dias, sentia que ele não era como os outros, era antigo, e seu olhar cansado não demonstrava apenas cansaço, mais algo intrigante, um fardo premeditado pelo destino.
Erguendo-se como um gigante, ele se virou antes de sorrir amargamente, e parou sabendo que os olhos dela queimavam suas costas, com uma pergunta não feita.
_ Espera. _ Disse ela e ele sorriu.
_Sim.
_ Como você se chama?
Perguntou por fim e tremeu quando ele não virou para responder, apenas continuou imóvel.
_ Halford, Zacarias Halford.
Respondeu antes de sair caminhando lentamente, seus passos tão silenciosos quanto a brisa da noite, desapareceu na escuridão das sombras dançantes da pista de dança, enquanto era encarado pelas criaturas a sua volta.
🐺 🐺 🐺 🐺 🐺
Para os humanos que respiravam e sentiam a temperatura, a noite deveria está fria, mais para Zack, parecia normal, sua pele pálida e com veias visíveis nos pulsos e pescoço, os lábios secos e rachados clamavam por sentir o gosto metálico de sangue.
Seu corpo todo ansiava por poder e prazer, enquanto se esgueirava pelas ruas silenciosas da cidade, sentindo o cheiro do rio que cortava Portland ao meio, era como uma serpente, longa, larga e escura, tão escura quanto a noite.
Gostava daquela cidade, em especial por ninguém conhecê-lo, exceto pela garota da boate, que talvez, tenha ouvido seu nome em algum lugar.
Mais isso não o preocupava, nem mesmo a sede que sentia podia fazê-lo para, haviam mendigos, sem tetos, homens, mulheres e crianças dormindo naqueles becos, daquele bairro decadente da cidade, poderia escolher um deles e esvaziar suas veias até a morte, livrá-los de seus destinos cruéis, mais não, ele apenas continuou a caminhar.
E teria seguido sua rotina, se uma voz doce e melancólica, e ao mesmo tempo cheia de dor e sofrimento, não houvesse ecoando até ele, como folhas carregadas para longe pelo vento, a voz chamava por seu nome, como um clamor, como se quisesse pedir algo.
Tinha ouvido aquilo uma vez em Londres, quando uma garotinha fora mordida e deixada para morrer por um vampiro, ela tinha sussurrado seu nome até a morte, e quando a encontrou ateou fogo em seu corpo para que não renacesse.
Aqueles sussurros eram com um pedido de morte, sabia perfeitamente que quem quer que fosse a dona da voz, estava agonizando enquanto sucumbia na escuridão, e estava chamando-o, pedindo que a encontrasse e terminasse com seu sofrimento.
Sentiu uma fúria incontrolável trespassar todo seu corpo, e de repente, como se o cheiro do sangue da vítima o atraísse, sentiu suas pressas saírem e urrou.
Um berro feio e monstruoso que ecoou pela noite assustando moradores de rua que se esconderam como ratos assustados, sua visão e olfato estavam aguçados enquanto corria frenético, esgueirando-se pelos becos escuros sempre seguindo a voz que chamava por seu nome.
Uma explosão de euforia e adrenalina tomara conta de seu corpo, e quando a voz se tornou mais próxima, um raio rasgou o céu escuro, anunciando uma forte tempestade, ao mesmo tempo em que ele encontrava o que procurava.
Ela estava lá, largada com os olhos molhado por lágrimas, o corpo imóvel e sangrando em vários locais, alguém havia feito algo brutal e desumano com aquela garota.
Alguém mal e tão pervertido quanto ele. Um vampiro. E um que reconhecia perfeitamente pelo rastro de sangue que deixava para trás.
_ É sua noite de sorte.
Disse antes de sorrir em meio aos gemidos e súplicas. Finalmente havia encontrado o que procurava, o rastro de seu maior inimigo, e o motivo que o faria voltar a ser o monstro que um dia fora no passado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top