Capítulo 1

No início do mês de janeiro, como de costume, Mateus era forçado por Paola a tirar uma semana de férias, aproveitando a queda do movimento da Pizzaria Três Fatias após as festividades de ano novo.

Contudo, pela primeira vez ele voluntariamente afastou-se das atividades que o prendiam, a fim de aproximar-se da família da noiva, da qual em questão de meses ele também seria membro, se tudo ocorresse conforme o planejado.

Durante o almoço de domingo, o empresário teve a oportunidade de experimentar a comida feita por Débora, que aguardou apreensiva pela reação dele ao provar a galinha caipira servida à mesa. Mateus, porém, comia em silêncio, atento aos assuntos compartilhados entre o senhor Geraldo e Almir, o vaqueiro. Os homens faziam comentários sobre o estudo bíblico do qual todo o grupo em redor daquela mesa participou mais cedo, na igreja, e o empresário queria analisar a percepção do futuro sogro em relação às questões espirituais, mas evitava falar sem ser solicitado.

— Mateus! — Débora chamou a sua atenção. — Está gostando do almoço?

Ele engoliu a porção que ingeria e sorriu para a amada.

— Está muito bom — elogiou, notando a expectativa nas feições dela. — Você cozinha bem!

Débora correspondeu ao sorriso e suspirou em alívio. Esperava uma reação mais expressiva por parte do noivo, porém era nítido que ele não tinha um paladar exigente, apesar de seletivo por restrições alimentares. Embora o relacionamento fosse recente, jantaram muitas vezes juntos no refeitório da pizzaria e ela jamais o viu reclamar de coisa alguma nos alimentos. Isso de fato a tranquilizava, visto que seu pai e irmão faziam questão de anunciar qualquer exagero no tempero, no estado de cozimento ou qualquer outro detalhe que não os agradasse, coisa que a aborrecia.

Almir passou a fazer perguntas a Mateus, e logo os três homens entreteram-se numa conversa animada sobre a economia daquela região. Enquanto isso Débora compartilhava com a mãe suas expectativas quanto à abertura da Brilho & Modéstia Moda Evangélica, que aconteceria nas semanas seguintes.

O mês de dezembro foi extremamente desgastante para Débora devido à sua admissão e ao período de treinamento para o novo emprego, que tinha muitas demandas com a inauguração tão próxima. Além disso, ela ainda se dividia entre as tarefas da igreja e dar, ou pelo menos tentar dar atenção ao noivo, que também se via imerso num redemoinho de afazeres do trabalho e da igreja por aquele fim de ano.

Por isso, aquele final de semana que estavam passando juntos na fazenda dos seus pais era um bálsamo para seus corações cansados e apaixonados, ansiosos por pequenos vislumbres da vida a dois com a qual sonhavam em meio às turbulências cotidianas.

Após o almoço, Almir se despediu e foi para a casa de vaqueiro, onde morava sozinho. O chefe da família retirou-se para repousar em uma rede, e dona Amélia aceitou de bom grado quando Mateus se ofereceu para lavar a louça suja, ajudado por Débora. A senhora, contudo, decidiu ficar por perto, pois notava nos olhares trocados pelo casal uma intensa necessidade de estar junto — o que julgava ser natural, mas perigoso.

Ao tempo em que Mateus levava uma bacia com restos de comida para jogar aos porcos, Débora organizava a louça na pia e começava a lavá-las, sem deixar de achar graça da fiscalização de sua mãe. Dona Amélia costumava tirar um cochilo após o almoço, mas justo naquele dia resolveu dar continuidade a suas costuras na sala, que era separada da cozinha apenas por um balcão de mármore.

— Deixa que eu lavo — ofereceu-se Mateus, depositando a bacia vazia sobre a pia.

— Não, você seca. — Débora tirou o pano de cima do próprio ombro e colocou sobre o dele.

— Mas não vou saber onde guardar.

— Deixa em qualquer lugar aí que eu guardo quando terminarmos.

— Tudo bem, então. — Mateus assentiu com um sorriso amistoso.

Os noivos tinham estabelecido a meta de não conversar sobre trabalho naquele final de semana, já que o assunto preenchia quase cem por cento de suas conversas on-line no último mês. Portanto, escolheram um outro assunto em comum, a saber, livros.

Débora descobriu que Mateus poderia ser tagarela em alguns momentos, empolgado em descrever seu fascínio por romances policiais. Ele organizava as louças enxutas, empilhando-as com cuidado sobre a bancada enquanto defendia com prazer o seu gênero literário favorito, que tanto lhe atiçava os sentidos investigativos na medida em que lia cada caso misterioso.

A ouvinte apreciou o discurso em silêncio e meditou consigo mesma se era possível apaixonar-se mais ainda por ele. Sabia agora que o jeito calado do noivo não era por falta de ter o que falar, mas o contrário — Mateus parecia estar sempre analisando uma infinidade de possibilidades diante das circunstâncias, como os detetives das histórias que lia. Para ela, que costumava agir sem nenhuma análise prévia, aquilo pareceu mais atraente do que nunca.

— Acho que falei demais. — Mateus suspirou e estendeu o pano de prato sobre a pilha de louça enxuta, organizada sobre o balcão.

— Isso foi incrível!

Débora se aproximou com um sorriso e o abraçou de lado.

— O que foi incrível? — ele indagou confuso.

— Você falando mais do que eu! Nunca vi você tão empolgado assim, Mateus!

— Culpa sua. Você me deixou assim.

O empresário deu um beijo na testa dela, que enrubesceu com o toque repentino dos lábios dele em sua pele. Porém, o contato logo foi desfeito por ele, que se desligou do abraço, deixando-a confusa por um instante. Mateus consultou o relógio de pulso a fim de desfazer o constrangimento e questionou:

— O que você costuma fazer nesse horário?

Débora foi até a geladeira para pegar água para os dois. Ela não era uma pessoa que planejava bem o tempo livre, pois sentia que não era realmente "livre" se já tivesse presa a alguma atividade programada, ainda que uma atividade voltada para o lazer.

— Não tenho exatamente um costume. — Ela ofereceu um copo de líquido a ele. — Eu faço o que der vontade de fazer.

O noivo sorveu a água com olhos brincalhões fincados na amada à sua frente, pois não deixava de considerar engraçada a situação de estar comprometido com alguém tão diferente de si. Mateus era muito apegado ao planejamento, achava a vida mais fácil de vivenciar quando existia uma rota pré-estabelecida.

— E o que você quer fazer nesse momento, então? — indagou curioso após esvaziar o copo e devolver a ela.

Débora comprimiu os lábios, pensativa. Contudo, uma ideia logo acendeu em sua mente.

— Já sei! — Ela estalou os dedos e explicitou a empolgação num sorriso. — Vou te mostrar os meus romances de cortejo!

Mateus franziu o cenho, numa oposição fingida à ideia.

— Não tem nada mais interessante para fazermos hoje? — questionou em tom de escárnio.

— Se você não deu uma ideia primeiro, terá que aceitar a minha. — Ela deu de ombros. — Acabei de ouvir você falar um monte sobre seus romances policiais, Mateus. É minha vez!

O empresário deixou escapar um riso, o que desmanchou sua atuação.

— Então tudo bem, moça.

— Você pode me dar alguns minutos? — Débora segurou a mão dele e o encaminhou rumo ao sofá. — Fique aqui, eu preciso de um banho primeiro. Eu me sinto imunda depois que lavo louça. Não vou demorar, prometo.

— Ah, tudo bem. — Ele assentiu, repousando sobre o estofado. — Eu realmente não tenho pressa nenhuma para conhecer seus livros de cortejo.

— Chato!

Débora saiu da vista dele. 

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