Capítulo 3


— Ai, meu Deus! O que foi isso?! — Débora se ergueu de um salto, e Mateus imitou seu gesto, dando alguns passos para trás. — Sai daqui, Mateus!

A mente dela não conseguia processar direito os últimos segundos, mas sabia que aconteceu uma repentina tentativa de beijo. O homem estava paralisado diante dela, o rosto corado e o olhar perdido em algum canto da parede, incrédulo.

— Me desculpa, Débora — ele sussurrou, aturdido. — Eu não sei o que deu em mim.

A mulher virou as costas para ele, e cruzou os braços para tentar conter a ira efervescente, bem como o coração acelerado pelo susto. Queria expulsá-lo aos gritos, mas temia despertar o sono dos pais. A possibilidade de ter sido beijada pelo noivo lhe era apavorante.

Mateus deu um passo na direção dela, mas parou em seguida. Proximidade física certamente não a acalmaria naquele contexto.

— Eu não queria te beijar — murmurou Mateus.

Débora se voltou para o noivo, seu olhar fuzilante cobrando explicações.

— Quer dizer, eu queria — corrigiu-se ele, e passou a mão pelo cabelo, sem encará-la. — Queria e quero.

Se a intenção dele era piorar mais ainda a situação, estava conseguindo.

— Sai, Mateus! — insistiu a moça com a voz abafada para não fazer alarde, apontando para a porta aberta.

— Me desculpe, eu fui movido por impulso. — Ele soltou um suspiro desolado. — Eu garanto que não costumo agir assim.

— Vá embora, por favor!

Débora estava irredutível. Mandar o noivo embora era a forma mais suave encontrada por ela para acalmar os próprios ânimos. Não era fácil lidar com o misto de sensações provocadas por aquele fatídico momento, e todos os minutos que o antecederam. Ela tinha medo de agir de forma injusta, mas precisava parar e pensar no assunto antes de deixá-lo expressar qualquer outra coisa. De repente o viu como um risco à sua santidade, e isso a surpreendeu e chocou muito.

— Olha, você precisa me ouvir — persistiu Mateus, os olhos fixos no chão. — Eu lamento, não era minha intenção tentar beijar você. Devo ser mais vigilante, sei que isso é algo sério e peço o seu perdão.

O empresário ergueu o olhar na esperança de encontrar misericórdia nela, mas só visualizava uma mistura indissolúvel de raiva, decepção e surpresa na moça.

— Você me perdoa? — indagou, esperançoso.

— Você garante que não vai mais fazer isso? — Ela inquiriu, embora mesmo indisposta a ceder ao apelo.

— Eu só posso garantir que tentarei não fazer mais. — Mateus foi sincero.

Os ombros da moça caíram, não era a resposta que esperava ouvir. Queria que o noivo expressasse firmeza.

— Então é melhor você ir embora daqui, Mateus.

Débora se virou e sem pedir licença foi para o seu quarto e bateu com a porta ao entrar.

***

De volta ao Pantaleão Palace Hotel, na cidade de Belos Campos, Mateus passou o resto da tarde trancado no quarto, tentando concentrar-se numa leitura, sem sucesso.

Os seus pensamentos o prendiam na cena de horas atrás, a frustração tomando conta de sua alma pelo deslize cometido. Desde muito cedo ele foi convencido de que o beijo romântico era um ato íntimo, reservado a pessoas casadas, o que ainda não era o caso dele e da noiva. Havia um punhado de coisas próprias do matrimônio que eles eram proibidos de fazer, ele sabia. Débora era sua irmã em Cristo e, conforme a Palavra de Deus em 1 Timóteo, devia tratá-la com tal, "às moças solteiras como irmãs, com toda a pureza".

Mateus jogou o livro na lateral da cama e soltou uma lufada de ar, mirando a parede branca diante de si. Não entendia como foi dominado tão rápido pelos impulsos, mesmo após anos e mais anos exercitando a arte de dominá-los, para não pecar. Como os versículos ouvidos e lidos milhares de vezes não o impediram em tempo? Eram tantos! Os argumentos dos pastores não estavam lá no momento da tentação. Como pôde esquecer de tudo em um instante e ceder?

Amuado com aquelas indagações internas, apanhou o celular para ver se havia alguma resposta de Débora aos seus extensos textos pedindo perdão. Havia.

"Podemos conversar após o culto. Não quero conversar agora. Por favor, entenda".

Sim, ele entendia.

"Tudo bem", respondeu.

***

Débora leu a mensagem e jogou o celular no criado-mudo.

Seu estômago roncou em protesto por aquelas horas de isolamento no quarto, sem comida. Entretanto, ela apenas o ignorou e, para aproveitar mais ainda o friozinho daquela tarde, enfiou-se debaixo do edredom, aquecendo tanto o corpo quanto a alma pelos pensamentos de alívio em relação ao acontecido.

O fato era que para Débora a questão do beijo guardado para o marido no altar ia além de uma prescrição bíblica, era um sonho a realizar. Um sonho de infância que correu sério risco de se perder na adolescência pelas más influências das amizades seculares que fez e da própria cultura que gritava aos quatro ventos que não tinha nada demais em desfrutar daquelas intimidades apenas pelo prazer do momento. Contudo, como foi bom ter aquele sonho resgatado enquanto sua fé amadurecia pelo conhecimento bíblico, e sua convicção se solidificava com o tempo, tornando-a capaz de proteger-se ao máximo que podia para não ceder às tentações.

Apesar disso, ela devia reconhecer que parte de si desejou ser beijada por Mateus. Como era estranho lidar com duas sensações tão contraditórias, o alívio e a frustração, uma tomando o espaço maior que a outra a cada cinco minutos. Sim, ela queria ter sido beijada. Era impossível não querer, tratando-se do homem que detinha o seu amor, por quem sua admiração só crescia cada dia mais. Quer dizer, até aquele dia.

— Você quase estragou tudo, Mateus — sussurrou sem conseguir mais conter as palavras. — Não acredito que você fez isso. Foi por pouco!

Débora tocou os próprios lábios e recordou do gesto impulsivo do noivo. Ao sentir a respiração dele tão próxima, um reflexo a fez colocar o livro entre os dois, bloqueando a passagem dele. Aquela foi a segunda vez que chegou tão perto de um beijo, sendo a primeira desagradável de rememorar, pois tinha sido quase forçada por Robson, na ocasião.

Todavia, com Mateus era diferente. Por ele ela queria ser beijada. Será que isso o tornava ainda mais perigoso?

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