CAPÍTULO VIII: "M. L. F. M".
Devia ser umas cinco e meia da madrugada quando acordei. Sob a luz dos últimos vestígios das velas do candelabro, vi Kelly Pricel terminando de vestir suas roupas. Ela estava na parte da jaqueta agora. Notando que eu havia acordado, ela sorriu pra mim. E, sem nem mesmo eu perguntar, ela me deu satisfação.
— A chuva parou, preciso ir agora ou não chegarei a tempo pra aula. Foi muito bom rever você… Jayme.
Ela foi em direção à porta, não a impedi, não falei nada, apenas observei ela abrir a porta e sair.
Confesso que, naquele momento, não sabia mais o que pensava dela, se era uma vilã, ou uma vítima da sociedade como eu; havia também a possibilidade de que ela estivesse mentindo a respeito de tudo aquilo, claro que várias coisas refutavam essa possibilidade, mas mesmo assim eu precisava considerar todas as hipóteses.
Mais tarde, quando levava o colchão de volta a cama, encontrei uma coisa largada sobre ele, era o anel prateado que Kelly me atirou quando conversávamos na chuva. Reparando no anel, notei que havia letras gravatas em seu interior: "Kelly Pricel: M. L. F. M".
— O que é isso? — perguntou Marco quando tomávamos café da manhã e notou que eu estava olhando o anel na palma da minha mão.
— Ela esqueceu isso quando saiu hoje de madrugada — respondi.
— Que horas da madrugada?
— Umas cinco e meia.
— Você deixou ela ficar até às cinco?! Jayme!
— Eu peguei no sono, cara, nem vi que horas a chuva parou. Conversamos por um bom tempo, você não vai acreditar, mas ela me pediu desculpas.
— Hein?!
— E Marco… ela me contou muita coisa… coisas que preciso debater com você e os Untochers pra tentar entender.
— Tô vendo que você não vai me adiantar nada. Reunião no clube hoje? — perguntou ele.
— É muita coisa, não vai dar tempo. Talvez aqui hoje à noite, o que me diz?
— Su casa és mi casa.
*******
Como já não tinha mais que treinar todos os dias depois da aula, consegui voltar pra casa cedo naquele dia. Por volta das sete e meia, Tomas e Marco chegaram e a reunião começou.
Contei a eles detalhadamente o que havia acontecido no dia anterior, pude ver a confusão de emoções gritando em seus olhos, deve ter sido assim que minha expressão ficou quando Kelly Pricel me contou sua história.
— Não, sei nem o que dizer — comentou Tomas.
— Pra mim é caô — disse Chris coçando a sobrancelha. — Ela pode perfeitamente estar aprontando alguma pra te ferrar de novo.
— Também pensei nisso — respondi. — Mas você não viu as expressões no rosto dela quando me contou essa história. Ela pode sim estar mentindo, mas se estiver… ela com certeza tem um puta talento pra atuação — notei então que Marco ficou calado. — Uh… e você, Marco, o que acha?
— Não sei… preciso de mais evidências e elementos pra formar minha opinião.
— Agora é a minha vez de perguntar — disse Chris. — O que exatamente você pretende fazer com essa informação?
— Ela disse que só queria o meu perdão — comentei. — Desde criança fui ensinado que as pessoas merecem uma segunda chance… O problema é que eu não sei qual é a dela, não sei se está realmente arrependida, ou se… se tá apenas tentando me ferrar de novo. Acho que também preciso de mais evidências pra formar minha opinião.
— E como você pretende conseguir essas tais evidências? — questionou-me Tomas.
Lembrei do anel que ela havia esquecido, estava no bolso da minha calça agora.
— Com isso — respondi mostrando o anel na palma da mão. — Esse anel pertence à Kelly Pricel, ela esqueceu ele aqui.
— Tá, mas, como isso vai te dar as tais evidências?
— Tecnicamente, isso é apenas uma chave pra consegui-las, isso… e isso aqui também — então tirei o celular do bolso.
Entrei no histórico de chamadas e disquei o último número colocando no viva-voz pros rapazes ouvirem também.
— Alô?
— Alô, é da casa da Kelly? — perguntei.
— Sim, aqui é a vó dela falando.
— Uh, eu sou o amigo que ela mencionou domingo passado.
— Ah, muito obrigada por cuidar da minha neta.
— Não há de quê. Ehh… liguei pra avisar que ela esqueceu uma coisa aqui em casa, um anel prateado, será que a senhora poderia me dar o endereço pra que eu possa levar até aí?
— Ah, claro! Eu ficaria muito agradecida se fizesse esse favor. Anote aí.
Ela então me passou o endereço e eu o anotei numa caderneta.
— Muito obrigado — e desliguei.
— Então é isso que você pretende? — Chris sorria. — Ir até à casa dela tirar a situação a limpo com a vó dela?
— Exatamente — respondi. — A vó dela deve me odiar também, mas acho que ela não seria conivente com um possível plano de vingança após tanto tempo, ainda mais sabendo que já paguei pelo meu "erro", pessoas nascidas em outros tempos tendem a perdoar mais que as pessoas de hoje em dia.
No sábado, assim que deixei a Diamante Negro, eu me preparei pra obter as respostas que precisava. Estava com fome, mas não jantei devido à ansiedade, queria chegar o mais rápido possível até à fonte das respostas.
— Tem certeza que não vai comer nada antes de ir? — perguntou Marco quando cheguei à porta.
— Acho que não consigo manter nada dentro do estômago agora — respondi.
— Tenha cuidado lá, você vai estar pisando em terras desconhecidas. Se acontecer alguma coisa, qualquer coisa, é só dar um toque pro meu celular e, imediatamente, eu convoco polícia, guarda nacional, exército e até a puta que pariu pra salvar você.
Sorri pra ele.
— Tá, pode deixar.
*******
O endereço que a vó da Kelly me deu ficava a quinze quilômetros de distância da casa do Marco, isso era muito mais longe do que a minha bicicleta poderia me levar em uma noite de sábado, então optei por ir de metrô.
Só que tinha um detalhe, eu odiava o metrô e procurava usá-lo o mínimo possível na minha vida. Isso não era por causa de ratos, sujeira nas estações, medo de assaltantes ou qualquer outra coisa do tipo. Meu desprezo pelo metrô tinha uma causa diferente, uma causa chamada segregação de gênero.
Dois dos seis vagões dos metrôs da minha cidade eram reservados exclusivamente pra mulheres, o que obrigava todos os homens, e mulheres que não queriam ou não podiam usar esses vagões exclusivos, a se espremerem nos quatro vagões restantes. Então se você era mulher e queria ir pra algum lugar acompanhada de seu irmão ou pai ou namorado, você tinha que usar os vagões normais, o que resultava em mais pessoas espremidas.
Pra mim que era MGTOW, assim como pra qualquer homem, o medo de ser acusado de assédio por uma mulher no meio de toda aquela multidão de pessoas coladas umas nas outras era enorme. Por isso tínhamos um macete pra evitar isso.
Basicamente, o homem entrava no vagão, procurava um lugar onde pudesse se encostar caso não tivesse assentos vagos, e colocava os dois braços atrás do corpo, mostrando assim que estava incapaz de usar suas mãos pra apalpar alguém. Mas esse era apenas um dos macetes, existiam outros: colocar as mãos na nuca, virar-se pra parede do vagão e colar o rosto nela, etc, etc..
Mas pra mim, esses outros eram muito humilhantes, faziam com que eu me sentisse como um criminoso sendo abordado pela polícia. Tudo bem que pra todos os sentidos, eu era realmente um ex-criminoso, mas eu estava fazendo uso da minha segunda chance; por isso, preferia o primeiro macete.
Quando cheguei à estação de metrô, quase que por um milagre, não havia praticamente ninguém ali, apenas um pequeno grupo de pessoas.
Três minutos depois, o metrô chegou. As portas se abriram, e várias pessoas começaram a sair enquanto poucas entravam. Foi aí que vi um homem de bengala e óculos escuros entrar no vagão exclusivo pra mulheres. Como esses vagões também eram destinados, pelo menos em tese, a deficientes, não achei nada estranho.
Como tinha um fluxo ainda considerável de pessoas saindo dos vagões não exclusivos, fiquei um pouco afastado esperando a movimentação diminuir. Foi aí que ouvi uma confusão começar no vagão onde o homem cego tinha entrado. Palavrões, xingamentos envolvendo mães de pessoas, e então, segundos depois, o homem cego foi arremessado pra fora do vagão por uma mulher corpulenta de casaco preto.
O fluxo de pessoas começou a diminuir e eu fui na direção do vagão que pretendia entrar, enquanto observava pelo canto do olho o pobre do homem procurando seus óculos escuros e sua bengala, ao mesmo tempo que as mulheres dentro do vagão aplaudiam a "heroína" que havia atirado um macho opressor pra fora.
— Continue andando — sussurrei pra mim mesmo. — Não é da sua conta, Jayme, não é da sua conta, Jayme, não é da sua conta… Porra, Jayme! — disse quando comecei a andar na direção do homem cego.
Quando cheguei próximo ao vagão, olhei dentro dos olhos da mulher de casaco preto e cuspi no chão. Todas as outras se calaram imediatamente. Quando toquei no homem cego, no mesmo instante, ele se encolheu.
— Tudo bem, tudo bem. Vim ajudar o senhor — disse pegando-o pelo braço e ajudando ele a se levantar. — Deus te pague, filho — disse ele quase chorando.
— Não acho que ele esteja olhando por mim — respondi batendo a poeira da roupa dele.
Então abaixei, peguei os óculos escuros, a bengala e entreguei pra ele.
— Entendo, você é ateu — disse ele.
— Não exatamente. Vem, vou te ajudar a entrar em outro vagão, UM QUE NÃO ESTEJA TOTALMENTE ENVENENADO — ergui a voz pra que elas me escutassem bem.
Assim eu conduzi o pobre deficiente até o vagão que eu pretendia entrar antes de parar pra ajudá-lo. Novamente, quase como em um milagre, o vagão estava com muito espaço sobrando. Alguma coisa parecia estar facilitando meu caminho até à casa da Kelly Pricel. Encontrei um assento pro homem e me encostei na parede ao seu lado.
— Achei que os vagões fossem pra deficientes também — disse colocando os braços pra trás, só pra garantir, pois havia algumas mulheres ali.
— Legalmente é, mas na prática, depende da boa vontade delas em nos aceitar — respondeu ele arrumando os óculos no rosto.
— O senhor vai denunciar?
— Pela sua voz, deduzo que seja jovem, estou certo?
— Uhm hum — confirmei.
— Você acha mesmo que a denúncia resultaria em algo, meu jovem?
— Na verdade não. Provavelmente o senhor só perderia seu tempo e seu dinheiro, caso contratasse um advogado. Perguntei porque queria te avisar a respeito disso, avisar que sua indignação só irá aumentar caso faça a denúncia.
Ele sorriu.
— Você me parece bem inteligente pra sua idade. Pra alguém que a vida ainda não bateu tanto.
— Hunf — ri pelo nariz. — É que eu leio bastante.
*******
Depois que cheguei ao meu ponto de parada, saí do metrô e caminhei por mais alguns minutos até finalmente chegar ao meu verdadeiro destino.
Então me vi parado frente à porta de madeira marrom da casa, o punho fechado e erguido, pronto pra bater. Mas havia congelado no último instante, precisava preparar meu psicológico antes; ergui um pouco a cabeça, fechei os olhos e respirei fundo.
"TOC TOC" bati na porta.
— Só um segundo! — exclamou a voz de uma senhora, a mesma voz no telefone.
A porta se abriu e uma senhora muito enxutona de cabelos grisalhos surgiu diante de mim. Lembrei-me de tê-la visto no tribunal. Mas, aparentemente, ela não se lembrava de mim, talvez fosse a mudança de corte de cabelo, ou até mesmo a massa muscular que eu ganhara nos últimos anos.
— Sim? — perguntou ela.
— Ehh… sou o amigo da Kelly… Aquele que ficou de trazer o anel que ela esqueceu — respondi.
— Ahh! — ela sorriu. — Muito prazer em conhecê-lo, meu nome é Samantha, sou a avó da Kelly.
— O prazer é todo meu — respondi fazendo um gesto com a cabeça. — Uh, a Kelly está?
— Uh, desculpe, na verdade ela não está, saiu de tarde dizendo que só voltaria tarde da noite. Mas por favor, entre, deixe eu lhe servir algo pra beber.
O destino estava do meu lado, eu esperava pegar um peixe grande, mas peguei o cardume inteiro. Sem a presença da Kelly ali, eu poderia fazer quantas perguntas eu quisesse pra vó dela.
— Eu aceitaria um chá, se não for muito incômodo — respondi.
— Ah, não é incômodo algum, por favor — ela fez um gesto pra que eu entrasse.
Um trovão ribumbou longe nesse momento, olhei pra cima, mas o céu estava totalmente negro, sem nem sinal de lua ou estrelas.
Ela me conduziu até à cozinha, indicou pra mim uma cadeira e pegou a chaleira pra fazer o tal chá.
— Você é amigo da Kelly há muito tempo? — perguntou pondo água na chaleira.
— Ah sim, faz um bom tempo — respondi, e de certa forma, não era mentira.
— Uh… desculpe, qual é o seu nome mesmo?
— Meus amigos me chamam de Jay — não quis dizer o meu nome pra que ela não acabasse descobrindo minha identidade antes da hora.
A Sra. Pricel pôs a chaleira no fogo, puxou uma cadeira e se sentou à mesa de frente pra mim.
— Ah sim! — tirei o anel do bolso e o pus sobre a mesa. — Antes que eu me esqueça.
A Sra. Pricel pegou o anel e o examinou com um olhar sonhador.
Eu tinha tantas perguntas pra fazer a ela, tantas coisas que eu queria saber, que não fazia ideia por onde começar. Então, após algum tempo encarando-a, fiz a primeira pergunta que me veio à cabeça.
— Uhh, pra onde exatamente a Kelly foi?
— Uhm? Ahh! — ela pareceu acordar do transe. — Ela costuma sair bastante nos sábados e domingos pra se reunir com um grupo do qual faz parte. No verão, ela costuma sair quase todos os dias. Tem sido assim desde… Bem, desde que ela descobriu.
— "Descobriu?" Uh, descobriu o quê?
A Sra. Pricel pareceu ao mesmo tempo surpresa e triste.
— Ela… ela não contou a você? — Sacudi a cabeça. — Ehh, bem, uns anos atrás eu tropecei na rua e quebrei alguns dedos da mão, um rapaz muito gentil me ajudou e me levou pro hospital. Quando pensei que tudo ficaria bem, muito de repente, a minha neta, a Kelly, ela… desmaiou no corredor do hospital. De início, nós duas pensamos que havia sido apenas o susto pelo que havia me acontecido. Mas, quando os médicos a examinaram, veio o diagnóstico… Kelly estava com um tumor no cérebro.
Senti meu coração despencando pro estômago, enquanto outro trovão ribombava lá fora.
— Como é?! — perguntei involuntariamente.
— Tem sido muito difícil pra ela nesses últimos anos, ela dedicou todas as forças em… uh, encontrar uma pessoa, mas ela não vem ao caso agora; e a lutar pra se redimir por algo que ela fez de errado. É isso que ela foi fazer hoje. Eu me preocupo muito com ela. No começo, eu tentei convencê-la a ficar em casa repousando, mas ela estava determinada, tão determinada quanto eu nunca antes vi.
— Espera um pouco, deixa eu ver se entendi direito. A senhora está dizendo que a Kelly tem… um tumor no cérebro?
Ela abanou a cabeça, os olhos cheios de tristeza.
— É muito difícil de aceitar, não é? Eu mesma ainda não aceitei até hoje. Ela não gosta de falar do assunto, mas sendo você um amigo de longa data, achei que ela já tivesse te contado. Bem, de um jeito ou de outro, você sabe agora.
As perguntas que eu queria fazer haviam desaparecido ali... aquela revelação tornava impossível não acreditar em seu arrependimento. "Humanos sempre se arrependem de seus piores erros quando enfrentam a figura da morte". Não me lembro exatamente quem disse isso, mas acho que foi o Walter de Psychic-Braker. Eu não estava com pena dela, eu apenas acreditava em seu arrependimento agora.
Tomei o chá que a Sra. Pricel preparou ainda tentando digerir a notícia.
— Kelly tem tentado levar uma vida normal apesar de tudo — continuou ela, os dedos movimentando o anel. — Mas não é fácil fingir que nada está acontecendo quando se pode morrer a qualquer momento.
De repente, a porta da cozinha se abriu.
— Voltei, vó! A reunião acabou bem mais cedo do que imaginei — disse Kelly fechando a porta de costas pra nós, ela se virou e então me viu. — Ja… Jayme?!
Eu a encarei, mas não falei nada, não falaria nem se quisesse com a lagarta peluda que minha língua havia se tornado.
— Ah... eu esqueci de te avisar — disse a Sra. Pricel. — Seu amigo ligou há alguns dias avisando que você tinha esquecido esse anel na casa dele, e hoje ele veio trazê-lo. Não é um rapaz gentil?
Kelly continuou a me encarar com um olhar surpreso por um instante.
— É sim — disse ela ao sorrir, inclinando a cabeça um pouco pra direita e fechando os olhos.
— Uhh… — minha língua ficou menos lagartosa e eu finalmente consegui dizer alguma coisa. — Tenho… tenho que ir agora.
Caminhei em direção à porta da cozinha, passei por Kelly, que ficou parada como uma estátua me acompanhando apenas com os olhos, e pus a mão na maçaneta. Nesse momento, senti uma mão agarrar meu braço. Pensei que era Kelly, mas quando me virei, tratava-se da Sra. Pricel.
— Nada disso, você não vai agora — disse ela sacudindo a cabeça.
— Mas…
— Nada de "mas", você fica pra jantar conosco, é nossa forma de agradecer por você ter trazido o anel da Kelly.
— Desculpe, eu realmente agradeço a hospitalidade, mas tenho que ir — disse puxando o braço com delicadeza. — Deixei um amigo me esperando.
Quando pus a mão na maçaneta e abri a porta, de repente, e muito de repente, um forte trovão ribombou furiosamente e uma forte chuva despencou açoitando a rua e o telhado da casa. Aquilo foi a coisa mais surpreendente e assustadora que eu tinha visto até então.
— Está vendo? — disse a Sra. Pricel. — É melhor você aceitar logo esse jantar.
— Acho que não tenho escolha — resmunguei ainda impressionado com aquela chuva repentina.
Esperamos alguns minutos pra que Kelly pudesse se preparar pro jantar e então, a Sra. Pricel o serviu.
O risoto com salmão que a Sra. Pricel preparou estava de comer ajoelhado. Mas antes de levar a primeira garfada à boca, ouvi a voz de Chris em minha cabeça sussurrar: "Dá uma cafungada pra ver se não tem veneno".
— Eu não vou cheirar a comida da mulher, vai se foder Chris! — resmunguei.
— Uh, disse alguma coisa, querido? — perguntou a Sra. Pricel.
— Não… nada — respondi.
Geralmente, eu não aceitaria a comida de outra mulher que não fosse minha mãe, a não ser que pagasse por ela, é claro. Era um dos meus princípios como MGTOW, mas como ainda estava no primeiro estágio da coisa, e tendo em mente tudo que havia acontecido nos últimos dias, optei por abrir uma exceção naquele dia.
Quando terminamos o jantar, a Sra. Pricel foi pra sala dando a desculpa de que iria assistir uma novela, mas sou raposa velha, sei quando alguém tá dando uma desculpa.
Kelly estava lavando a louça, de jeito nenhum eu deixaria que uma garota lavasse meu prato, mas de jeito nenhum mesmo! Então peguei um avental e a ajudei.
Ela ficou calada quando pus o avental e também não disse nada quando comecei a lavar os pratos enquanto ela lustrava a panela do risoto. Quando nossos olhares se encontraram por um momento, ela sorriu, continuei sério e ela voltou a se concentrar na louça. Não entendi muito bem o porquê daquela atitude dela, não parecia nem de longe a mesma do domingo passado, estava mais pra velha Kelly, aquela com quem estudei no passado.
Terminamos de lavar a louça e eu pendurei novamente o meu avental.
— Ela te contou, não foi? — perguntou Kelly retirando o avental e pendurando-o também.
Não precisava perguntar do que ela estava falando, sabia muito bem do que se tratava.
— Falou — respondi balançando a cabeça.
Ela desviou o olhar, que havia se tornado melancólico, e tornou a olhar pra mim.
— Não é certeza que vou morrer, sabe? — disse ela sorrindo, mas era um sorriso forçado, eu percebi. — Ainda há uma cirurgia que posso fazer… ainda tenho um vestígio de esperança.
Eu estava sério, e talvez, por isso, ela parou de sorrir. Tirou do bolso o anel prateado que sua avó havia lhe devolvido durante o jantar e o pôs no dedo.
— Eu não esqueci o anel na casa do seu amigo — disse ela passando o polegar sobre o anel. — Deixei lá de propósito.
— Hein?!
— Esperava que assim tivesse uma desculpa pra ver você de novo, pretendia voltar lá amanhã. Não contei com a possibilidade de você vir aqui deixar o anel — ela fez uma pausa. — O tiro saiu pela culatra.
— Por que você não me contou? Sobre sua doença? — perguntei.
— Podemos ir pro meu quarto? — perguntou ela.
— Como é?
— Estou cansada, quero deitar na minha cama.
Eu a acompanhei até seu quarto, mas antes, passei na sala e pedi permissão à Sra. Pricel.
Tudo que ela fez foi sorrir e dizer um arrastado "okaaay".
Mais um capítulo para vocês gente.
Não esqueçam de votar e comentar essa bagaça.
Abraço!!!
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