Capítulo 9



       Para a minha sorte, Esdras havia me deixado em paz aquele dia. Quando cheguei em meu quarto não havia nem sinal dele. Escondi o livro embaixo da cama, era meio clichê e óbvio demais, mas eu duvidava que alguém fosse entrar lá além do meu guarda. Afinal, ninguém do reformatório me conhecia além de Nike e Logan, e eles não sabiam o que eu havia feito para estar lá.

       Já estava escurecendo do lado de fora, o que indicava que logo começaria a festa de Nike. Eu certamente iria, precisava me desestressar de todos os acontecimentos recentes, e nada melhor do que um pouco de álcool para ajudar no processo.

       Como meu armário era limitado, acabei vestindo as roupas de sempre, uma calça larga preta e uma regata cinza claro. Eu havia ficado feliz no início quando soube que as roupas não eram tão feias assim, mas agora já estava começando a enjoar delas.

       Abri a porta do quarto e coloquei a cabeça para fora, nem sinal de guardas para me deter. Ótimo, uma preocupação a menos. O quarto de Nike não era muito longe, eu apenas precisava sair da ala feminina e, por sorte, meu quarto era logo na entrada dela.

       Cheguei em frente a porta dele sem grandes problemas. Bati na mesma e esperei que me fosse aberta, era melhor que abrissem logo antes que algum guarda me visse. Uma garota de cabelos vermelhos surgiu por detrás da porta e sorriu logo envolvendo meu pulso com as mãos e me puxando para dentro.

       — É melhor evitarmos um confronto com aqueles brutamontes — falou se referindo aos guardas, o que me fez soltar uma fraca risada.

       — É melhor mesmo.

       A garota continuava a me encarar como se esperando que eu falasse algo mais.

       — Me chamo Aalis — disse um tanto incerta.

       — Laysa.

       Arregalei os olhos ao ouvi-la pronunciar seu nome. Era a namorada de Logan e, se ela estava aqui, então... Olhei para todos os lados daquele pequeno quarto e acabei me deparando com um garoto de cabelos raspados conversando com um pequeno grupo de pessoas. Era ele, Logan não estava mais desaparecido, nem sua namorada.

       — Procurando por alguém?

       Me virei ao ouvir uma voz atrás de mim e sorri.

       — Você é a única pessoa que eu conheço aqui, dava para ter uma ideia de quem eu estava procurando — menti.

       Nike pareceu não perceber minha mentira, pois sorriu de volta e pegou minha mão me guiando para outra parte do quarto e, consequentemente, para longe de Laysa, que já havia se afastado quando viu o garoto se aproximar de mim.

       O som de conversas era a única coisa que se ouvia, afinal, tocar música significava admitir que possuía um aparelho eletrônico, o que nos fora apreendido logo no nosso primeiro dia no reformatório. Porém, isso em nada interferia na festa já que todos pareciam estar se divertindo, ou pelo menos felizes por poderem beber mesmo que só por uma noite.

       Havia algumas garrafas de bebida espalhadas pela escrivaninha do quarto juntamente com copos de plástico vermelhos. Me perguntava onde conseguiram tudo aquilo. Era melhor nem saber.

       — Cerveja?

       Concordei com a cabeça e peguei a latinha que Nike havia me estendido. Precisaria de algo mais forte, mas estava bom para começar. Minha principal preocupação naquele momento era tirar Esdras da cabeça e eu pretendia resolver logo isso.

       Nike também segurava uma latinha em sua mão e a levantou para o alto.

       — O que iremos brindar essa noite?

       — Minha fuga, estava difícil me livrar de Esdras — mais uma mentira, aquilo estava começando a se tornar um hábito.

       Brindamos com nossas cervejas e logo Nike franziu as sobrancelhas, o que me fez repetir seu ato. Qual era o problema?

       — Você descobriu o nome dele? — perguntou curioso, mas parecia haver algo a mais por trás dessa pergunta. Não identifiquei o que era.

       "Droga", pensei. Eu não havia percebido que falara o nome dele.

       — Ah sim, ouvi um dos guardas falar.

       Era melhor eu começar a parar de mentir tanto.

       O garoto apenas me encarou por breve segundos e sorriu, aquele sorriso que fazia qualquer um derreter, inclusive eu.

       Eu estaria mentindo se dissesse que não achava Nike bonito, ele era, até demais para minha sanidade mental. Além disso, desde que cheguei no reformatório ele foi o único que realmente quis conversar comigo, eu o devia muito. O problema era que uma hora ou outra ele iria descobrir o meu segredo e eu não sabia ao certo se continuaríamos amigos daquele momento em diante. Esperava que nada disso acontecesse.

       Novamente senti Nike segurar minha mão e me levar para outra parte do quarto, sua cama. Algumas pessoas estavam sentadas nela, mas quando viram seu dono rapidamente levantaram para sair de lá.

       — Que abuso de poder — falei me sentando no colchão nada macio.

       Ele apenas riu e sentou ao meu lado, perto demais para o meu gosto, mas não reclamei.

       — Sabe Aalis, tem uma coisa que eu venho querendo te dizer... — antes que Nike pudesse concluir sua frase, alguém gritou chamando a atenção de todos da festa.

       — Os guardas estão indo para os quartos!

       As pessoas saíram praticamente correndo, tive tempo apenas de dizer um tchau para Nike e logo saí de lá. Precisava chegar em meu quarto antes que Kalamari, ou estava ferrada.

       Estava me aproximando da ala feminina quando ao longe vi meu guarda. Ele estava distraído olhando para o chão até encontrar meu olhar, o que fez com que sua expressão antes tranquila endurecesse. Aquilo não era nada bom.

       Apressei o passo em vão, pois antes que eu chegasse a tocar a maçaneta da porta de meu quarto, a mão de Esdras envolveu meu pulso com força me fazendo ranger os dentes por conta da dor.

       — Onde diabos você estava? — ele perguntou em tom irritado e me puxou para dentro do quarto.

       Eu estava completamente ferrada.

       — Fui... caminhar — respondi tentando me soltar, o que não deu muito certo, pois ele segurou ainda mais forte meu pulso.

       — Caminhar de madrugada?

       Seu tom irônico não passou despercebido por meus ouvidos.

       Era claro que Kalamari não cairia naquela história furada de caminhada, mas eu não poderia de forma alguma entregar Nike. Ele era a única pessoa que vinha me fazendo sorrir nos últimos dias, não iria estragar isso.

       — Sim, qual o problema?

       Estávamos parados como dois idiotas no meio do quarto, um encarando o outro de forma séria. Quem visse de fora, acharia a cena hilária. No entanto, eu estava com medo do que Esdras poderia fazer quanto a minha fuga. Sabia que era proibido sair do quarto depois da meia noite e descumprir essa regra poderia me trazer severas consequências.

       — Aalis, você sabe que não pode andar pelo reformatório sozinha quando bem entender — me repreendeu.

       — Por quê? Por que eu não sou "normal"?

       Finalmente consegui me desprender de sua mão e aproveitei a deixa para me afastar. Eu não havia esquecido das palavras dele a poucas horas atrás.

       — São normas do reformatório, aprenda a respeitar pelo menos essa.

       Ele voltou a ser o mesmo Kalamari chato e rabugento de antes. Por algum motivo, pensar nisso fez meu peito doer. Todo meu esforço em me aproximar dele havia sido em vão, tudo por que tive a estúpida ideia de revelar para ele meu segredo.

       — Se não se importa, prefiro ir dormir do que continuar a falar com você sobre isso.

       E eu realmente preferia.

       Caminhei até minha cama e puxei o cobertor para o lado. Naquele momento o que menos me importava era com que roupa eu dormiria, então deitei na cama e me cobri até os ombros. Kalamari não me questionou ou sequer impediu qualquer ação minha, apenas continuou parado próximo a porta me observando, afinal, era esse o seu trabalho.

       Era melhor que eu pegasse no sono logo e esquecesse daquele infortúnio dia.



       Não sabia que horas eram e nem se eu estava realmente acordada ou era apenas um sonho muito estranho, mas senti meu corpo ser coberto pelo lençol que eu provavelmente havia chutado para longe enquanto dormia.

       Antes que eu pudesse raciocinar sobre o que aconteceu, minha mente se recusou a desenvolver qualquer pensamento lógico e me obrigou a voltar a dormir.

       Pela primeira vez desde que cheguei no reformatório, eu não tive pesadelos. Foi um sono tão tranquilo que até chegou a me fazer lembrar de quando morava em Sainte-Marie com William e meu padrasto. Nossa vida lá era tão sem graça que muitas vezes pedi para Will fugir comigo, obviamente ele sempre se recusava a fazer isso. Queria poder voltar para aquela época, eu não percebia, mas era feliz.

       Acordei no outro dia com um sorriso no rosto.






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É isso ai. Mais um capítulo fresquinho pra vocês, seus lindos.

Obrigado a todos que vem acompanhando essa história muito louca da Aalis.

Não esqueçam de votar e deixar o feedback de vocês ali embaixo.

Quero saber a opinião de vocês sobre o nosso guardinha e sobre o Nike que aparentemente tinha algo muito importante para contar pra Aalis.

Love you, guys <3 





Vi Mello

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