Capítulo 10



        Aquele sorriso teria perdurado em meu rosto se eu não tivesse lembrado do livro embaixo de minha cama. Ainda não havia tocado nele desde que o deixara lá, me causava arrepios só de lembrar das imagens que vi quando o folheei. No entanto, ele poderia me trazer algumas das respostas que comecei a buscar desde que cheguei no reformatório, como por exemplo, a misteriosa morte de Martha Reynolds.

       Demorei alguns minutos para finalmente levantar da cama e então perceber que meu guarda não estava no local em que sempre ficava me observando. Olhei ao meu redor a procura dele, encontrei-o sentado na cadeira da escrivaninha. Seus olhos estavam fechados e a cabeça levemente inclinada para frente deixando alguns fios de cabelo lhe cobrirem a testa e parte das pálpebras. Era a primeira vez que via Kalamari dormindo e ainda por cima em meu quarto, uma surpresa e tanto.

       Tentei levantar da cama sem fazer barulho, o que por sorte deu certo. O guarda permaneceu com os olhos fechados durante todo meu trajeto até o banheiro, me permitindo assim poder tomar um banho tranquilo, precisava esfriar a cabeça para quando fosse finalmente ler aquele livro.

       O título ainda era algo que me deixava atordoada, "Seitas e Sacrifícios". Por qual motivo o reformatório possuía um livro daqueles em sua coleção? E se ele tivesse alguma relação com a morte de Martha? Eu poderia finalmente desvendar aquele mistério, ou então descobrir que não havia nada demais e ela realmente havia tirado a própria vida no banheiro.

       A questão era, eu não possuía motivos para querer entender o que aconteceu, mas tudo aquilo me angustiava. Antes de eu chegar em San Rafael, não havia registros de alunos encontrados sem vida. Se isso tinha uma relação ou não com minha chegada eu iria descobrir, e logo.

       Rapidamente me livrei de minhas roupas e entrei embaixo do chuveiro. Água gelada escorria por todo meu corpo, já havia aprendido a me acostumar com ela. A potência do chuveiro não era muito boa, mas o suficiente para me tirar de meu torpor matinal. Lavei meus curtos cabelos com o shampoo que me foi entregue no primeiro dia, precisava economizá-lo para durar até o final do mês, então me obrigava a não usá-lo muito, o que deixava minhas madeixas platinadas um tanto ressecadas.

       Tirei um momento para pensar em tudo que vinha acontecendo em minha vida. A pouco tempo precisei me despedir de William e não muito depois fui mandada para cá por ter matado meu padrasto. Era uma reviravolta e tanto para quem só tinha que se preocupar em não chegar no colégio atrasada.

       Me perguntava se meus antigos colegas de classe ficaram sabendo do que aconteceu, provavelmente sim. A cidade inteira soube do ocorrido, era capaz até que dissessem que fui eu quem matou meu irmão. Se fosse ver, era até bom terem me trazido para os Estados Unidos, pelo menos aqui eu era uma completa desconhecida.

       Desliguei o chuveiro após terminar meu banho e me sequei com minha única toalha logo a enrolando em volta do corpo. Foi então que percebi, havia esquecido de pegar as roupas que iria vestir, estava tão concentrada em não acordar Esdras que deixei esse detalhe escapar.

       Abri a porta do banheiro com cuidado e coloquei apenas a cabeça para fora no intuito de me certificar da condição do guarda, ele continuava dormindo. Era a minha chance. Caminhei nas pontas dos pés até o guarda roupa e tentei selecionar de forma breve o que vestiria naquele dia.

       — Eu não peguei no sono.

       Com o susto, acabei deixando minha toalha cair no chão e me virei a tempo de ver Kalamari esfregar os olhos antes de me encarar surpreso. As bochechas dele adquiriram um tom avermelhado. Nunca pensei que o veria constrangido por ter uma mulher nua na sua frente.

       — Pare de me encarar seu pervertido! — falei pegando a toalha do chão e enrolando ao redor de meu corpo com força.

       Não sabia dizer quem estava mais constrangido com a situação, provavelmente eu por estar sem roupas.

       — Eu não...

       Ele expeliu o ar de seus pulmões com força e se levantou da cadeira saindo do quarto sem olhar para trás. Ótimo jeito de começar a manhã.

       Parei em frente ao espelho torto pendurado na parede e me encarei por alguns segundos. Minhas bochechas pareciam pegar fogo de tão vermelhas que se encontravam e a respiração estava mais acelerada do que o normal. Aquilo havia sido péssimo, em todos os sentidos. Não foi bem daquele jeito que eu imaginei estar sem roupas na frente de um homem pela primeira vez.

       Deixando a toalha de lado, me vesti com as primeiras peças de roupa que encontrei dentro do armário e saí do quarto para procurar meu guarda, querendo ou não ele precisava me acompanhar até a cantina.

       Encontrei-o escorado na parede ao lado da porta com braços cruzados e o olhar voltado para o chão. Quando passei por ele, o mesmo apenas levantou a cabeça e me encarou de um jeito estranho, olhar o qual retribui da mesma forma.

       Nenhum dos dois quis comentar sobre o ocorrido, então apenas caminhamos em silêncio até a cantina. Agradeci mentalmente quando finalmente passei por aquelas portas e vi o local repleto de pessoas e conversas por todos os cantos, seria o suficiente para me distrair um pouco.

       A comida era sempre a mesma, algumas frutas maduras demais e salgados duvidosos quanto ao conteúdo. A primeira coisa que eu faria quando fosse solta, o que demoraria muito tempo para acontecer, seria comer um hambúrguer do meu tamanho e uma mega porção de batata frita, sentia saudades das comidas gordurosas. O que me preocupava era quando fizesse dezoito anos e fosse transferida, muitos guardas comentaram que a comida do reformatório é considerada luxo perto da que é servida nas penitenciárias.

       Sentei em uma mesa vazia depois que peguei algo para comer, porém, não fiquei só por muito tempo. A mesma garota da festa sentou em minha frente, Laysa.

       — Ei, Aalis. Estou certa?

       Concordei com a cabeça e voltei a prestar atenção em meu prato, aquela comida tinha uma cara nada boa.

       — Nós vamos dar uma festa sábado que vem.

       Ela continuava a tentar conversar comigo.

       — Se você quiser aparecer... vai ser no meu quarto.

       Voltei meus olhos em direção a Laysa e sorri, mesmo que não tivesse sido um dos meus melhores sorrisos. Por incrível que pareça, ela sorriu de volta, era simpática pelo visto.

       Antes de sair, me disse o número de seu quarto e o horário da festa. Eu não tinha certeza se conseguiria fugir de Esdras novamente, mas poderia inventar alguma desculpa até lá.

       — Amiga nova?

       Voltei meu olhar em direção ao guarda que se aproximava.

       — Mais ou menos isso — respondi levantando os ombros.

       Não considerava Laysa uma amiga, longe disso, nós mal conhecíamos uma a outra. Além disso, não era como se eu pretendesse fazer muitos amigos naquele lugar, o próprio Esdras falou que era melhor eu evitar isso.

       Kalamari arqueou as sobrancelhas com a minha resposta, mas nada disse, apenas se afastou e voltou ao seu posto próximo de uma janela.

       Seria difícil fazer com que voltássemos a nos entender, ou pelo menos o mais próximo que chegamos disso.




  ▬▬▬▬▬♛♛▬▬▬▬▬ 

Esse saiu pequeno mas eu prometo que os próximos vão ser maiores.

Obrigado pra quem chegou até aqui, vocês me motivam muito a continuar escrevendo.

Não esqueçam de votar se curtiram o capítulo e comentar o que estão achando de Tentar até agora.  

Adoro vocês <3

Beijos de luz,




Vi Mello

P.S.: Laysa ainda não tem um avatar definido, se quiserem ajudar a escolher eu seria muito grata.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top