Cap. 2

  Alerta de gatilho: medo/pânico/pesadelo  

◈ ♚ ◈

A casa estava acordada
Com sombras e monstros
Os corredores ecoavam e murmuravam
E eu estava sentada sozinha, na cama até a manhã
Estou chorando, eles estão vindo até mim
E eu tentei segurar estes segredos dentro de mim
Minha mente é como uma doença mortal

Halsey – Control

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O restante do dia se passou de forma longa e arrastada, com Alice se mantendo ocupada apenas em pentear os cabelos embaraçados de suas dezenas de bonecas que por vezes acabavam por ficar esquecidas nas prateleiras empoeiradas de seu quarto.

Na hora do jantar apenas a menina e sua mãe se sentaram à mesa, seu pai estava, como sempre, trancado no escritório, ocupado com o monte de trabalho que parecia nunca ter fim. E, se Elizabeth ousou trocar uma ou duas palavras com a filha nos poucos minutos que passaram juntas durante o dia foi muito, fazendo Alice se sentir aliviada assim que terminou sua refeição e Elinor apareceu para colocá-la na cama.

Alice sentia que era errado pensar de tal maneira, mas se sentia infinitamente mais confortável ao lado de Elinor do que de sua própria mãe – não que não a amasse, muito pelo contrário, Alice amava a mãe mais do que a qualquer outra pessoa no mundo, mas já não sentia mais que recebia esse mesmo amor de volta como antes, e cada segundo que precisava passar em silêncio ao lado de Elizabeth, quase como se não estivesse ali, fazia seu peito doer. E Alice às vezes até preferia que sua mãe fosse mais como o seu pai, que gritasse com ela ou lhe desse uma bronca a cada coisa errada feita, porque ela sabia que acesso de raiva algum machucaria mais do que a dor interna e incômoda de ser ignorada.

E, diante de tais pensamentos, Alice precisou engolir o bolo que se formava em sua garganta antes que começasse a chorar ali mesmo – e ela andava chorando muito ultimamente, se não se cuidasse era capaz de acabar se afogando numa lagoa formada pelas próprias lágrimas, assim como a Alice dos livros.

– Gostaria de uma história? – Elinor perguntou enquanto aconchegava a menina sob as cobertas e a mesma negou.

– Obrigada Elinor, mas já estou sonolenta o bastante – respondeu e a moça deu uma risadinha antes de se abaixar para dar um beijo carinhoso na testa de Alice.

– Tudo bem então senhorita, durma bem e tenha bons sonhos – disse e se levantou para sair do quarto, parando quando ouviu Alice chamá-la mais uma vez.

– Elinor, você me ama?

A pergunta inesperada foi um choque para a moça que travou na porta por alguns segundos, sem entender o questionamento repentino, mas, assim que entendeu, apenas sorriu suavemente para a menina.

– Sim, meu bem.

– Eu também amo você – Alice respondeu e Elinor quase não pôde segurar a lágrima solitária que se formou no canto de seu olho. – Boa noite.

E assim que a porta se fechou, a menina virou para o lado e fechou os olhos, se encolhendo na cama enquanto abraçava fortemente sua boneca de pano que já a acompanhava em suas noites de sono desde que era somente um bebê.

Pensou um pouco antes de dormir, voltando aos assuntos que a inquietavam mais cedo, desejando mais do que qualquer coisa que seus pais se aproximassem do novo casal que em breve se mudaria para a vizinhança, porque sabia que assim poderia se aproximar do filho deles e, quem sabe, fazer seu primeiro amigo – porque caso seus pais não se aproximassem dos novos moradores, seria ainda mais difícil para ela se tornar amiga do menino visto que eles jamais a deixariam sair de casa para conhecê-lo ou qualquer coisa do tipo.

E foi ainda pensando nestas coisas que Alice adormeceu, e sonhou com uma outra realidade onde podia sair de casa e ir à escola, e tinha uma vida normal como qualquer outra criança da sua idade, porém o sonho se quebrou assim que um baque alto soou pelo quarto e a menina acordou assustada, o coração acelerado martelando em seu peito.

Ainda deitada, correu os olhos inchados de sono pelo quarto, a procura do que poderia ter causado tamanho barulho àquela hora da madrugada, mas nada de estranho lhe chamou a atenção, tudo parecia normal, calmo e quieto como em qualquer outra noite.

Nas paredes, as sombras das árvores do jardim dançavam em contraste com a luz da lua cheia, e a escuridão começou a lhe parecer um pouco mais assustadora e sufocante que o de costume – afinal, Alice não era do tipo medrosa, crescera com seus pais lhe explicando que fantasmas não eram reais e o único e verdadeiro mal no mundo eram os próprios vivos, e estes sim ela deveria temer e ter cuidado, mas agora alguma coisa lhe parecia diferente, quase como se algo estivesse fora do lugar mas ela não conseguisse dizer ao certo o quê.

Apertou sua coberta entre os dedos conforme sua respiração se tornava cada vez mais forte e acelerada. Sentia-se sufocada e como se um peso enorme tivesse sido posto sobre seu peito, mal conseguia se mover e a junção de todas essas estranhezas incomuns fez o medo crescer em seus ossos, congelando-os e fazendo com que um arrepio gélido percorresse sua espinha, eriçando todos os pelos de seu corpo.

Ela engoliu em seco e, instintivamente, fechou os olhos quando mais um baque ecoou pelo cômodo silencioso, mas não tão alto quanto o anterior, e então outro, e mais um, arrastados e lentos. Eram passos? Não sabia dizer e não tinha coragem o suficiente nem para o olhar, quem dirá para levantar da cama – e, se fosse um pouco menos corajosa do que tinha sido criada para ser, a essa hora já estaria encharcada e afundada em uma poça de xixi.

Os sons se tornaram mais próximos e ela não teve dúvida, eram passos. Quase se tranquilizou, pensando que pudesse ser uma das criadas, mas um bafo quente foi jogado contra seu pescoço e seu nariz ardeu com o cheiro de enxofre que a circundou. Num impulso, Alice abriu os olhos e instantaneamente um grito de horror rasgou o silêncio que ainda se fazia presente.

Havia uma coisa parada ao lado de sua cama, com o rosto de uma raposa coberto por pelos alaranjados, os olhos amarelos daquilo brilhavam feito fogo para Alice em meio ao escuro do quarto, encarando-a fixamente com o focinho a milímetros do rosto da menina e, assim que a ouviu gritar, sua boca cheia de dentes pontiagudos se distorceu em algo como um sorriso satisfeito.

A menina viu a raposa levantar a mão – uma mão humana apesar das garras escuras e dos pelos ruivos no dorso – e a descer com uma lentidão ameaçadora em sua direção e seu grito se intensificou, quando enfim a porta se abriu num estrondo, revelando duas mulheres quase mais assustadas do que a própria Alice.

Ambas correram até Alice que estava encolhida no canto da cama, agarrada ao edredom como se aquela fosse sua única proteção, o rosto pálido brilhava com o suor que escorria de sua testa enquanto seus olhos arregalados insistiam em encarar um ponto vazio à sua frente.

– Senhorita – Elinor chamou envolvendo as bochechas de Alice com as mãos e se espantando com o quão fria a menina estava. – Céus, está congelando!

– A pressão deve ter baixado, traga-a até a sala – Mallorie, a empregada mais velha da mansão, instruiu e a moça assentiu, precisando pegar Alice no colo para tirá-la dali pois a menina não respondia ou reagia a qualquer coisa que dissessem.

Elinor podia senti-la tremendo em seus braços, a respiração forte e rápida batendo contra seu pescoço. Era como se tivesse entrado em estado de choque depois de ver a mais horrível das criaturas, mas não havia nada no quarto quando ela e Mallorie abriram a porta depois de terem sido acordadas aos berros de Alice e correrem para verificar a garota.

Na sala, se sentou no sofá com Alice ainda em seu colo, acariciando os fios escuros de seu cabelo em uma tentativa de acalmá-la, e não demorou muito até que Mallorie voltasse com um copo d'água em uma mão e uma pequena colher de sal na outra.

– Aqui, beba – disse entregando o copo para Alice que ainda demorou até pegá-lo com as mãos trêmulas e levá-lo aos lábios brancos feito papel, tomando goles lentos e pausados. – Precisa colocar o sal debaixo da língua ou irá desmaiar.

A menina o fez imediatamente, parecendo voltar a si aos poucos. A forma como Mallorie falava também ajudava muito, ela era a mais velha das criadas e com certeza a mais firme e experiente dentre todas, a única a quem Alice obedecia como obedecia ao próprio pai – não que Mallorie fosse cabeça quente ou uma pessoa ruim como o homem, mas se Elinor era como uma mãe gentil e doce que mimava demais os filhos, Mallorie com certeza era o total oposto.

Pouco tempo depois, Elizabeth chegou à sala acompanhada de uma terceira moça recém-contratada que fora instruída por Mallorie a chamá-la e contar o ocorrido.

– Oh querida, o que houve? – Elizabeth se apressou em perguntar à filha que mal se moveu, o olhar baixo fixo em suas mãos frias que ainda tremiam.

– Ela não fala – Elinor respondeu. – A encontramos em estado de choque, gritando no quarto como se algo terrível tivesse acontecido.

– Não viram nada estranho? – A mulher perguntou roendo a unha de seu indicador, os olhos inchados e os cabelos claros bagunçados demonstravam claramente que estava tendo uma ótima noite de sono antes de ser acordada às pressas por conta de um surto da filha.

– Não, mas já pedi à Phillip e James para que fizessem uma ronda na mansão – Mallorie contou e Elizabeth assentiu, pegando as mãos de Alice e as acariciando na intenção de confortá-la e acalmá-la.

Longos minutos se estenderam em silêncio até Alice resolver falar, a voz rouca e baixa entregava que ela preferia não dizer nada, pois já sabia onde isso levaria, mas queria sair logo daquela situação onde todos permaneciam a encarando com expectativa, só esperando que ela dissesse algo para que pudessem voltar a dormir em paz.

– Eu... Eu vi uma coisa.

– O que você viu, meu amor? – Elizabeth perguntou e Alice retorceu os dedos das mãos, um gesto quase que automático para dispersar o nervosismo que a corroía por dentro.

– Alguém – ela completou e os olhos de sua mãe se arregalaram em preocupação. – Tinha alguém no meu quarto.

– Era um homem? – A mulher questionou e Alice apenas negou silenciosamente, sentindo o medo voltar a invadi-la de maneira insistente ao se lembrar, por um breve segundo, da criatura que a observava tão próximo que já parecia preparada para devorá-la com suas presas afiadas e seu bafo quente que cheirava ao mais puro enxofre, como o fogo do próprio inferno.

– Era uma coisa – Alice insistiu, sentindo sua bochecha arder com uma única lágrima quente que escorreu lentamente por sua pele e pingou no dorso de sua mão inquieta. – Tinha o corpo de uma pessoa, mas... O rosto era de uma raposa.

Sua mãe assentiu e, gesticulando, chamou Marie que ainda estava parada de pé ao lado do sofá, apenas aguardando suas próximas ordens e, assim que a moça se aproximou, Elizabeth pediu:

– Avise Phillip e James para ficarem de olho e procurarem uma pessoa usando uma máscara de raposa – disse e quase se assustou quando Alice a interrompeu de repente.

– Não era uma máscara! – Corrigiu sentindo seu medo se tornar raiva porque desde o início soube que aquilo aconteceria, que tentariam de qualquer forma invalidar qualquer coisa que ela dissesse, desacreditando dela e tentando plantar explicações simples demais em sua cabeça, mas ela sabia o que tinha visto. – Eu vi quando aquilo olhou para mim e sorriu com... com aqueles dentes enormes...

Ficaram em silêncio por mais alguns segundos enquanto a irritação de Alice só crescia por receber todos aqueles olhares descrentes que, mesmo que indiretamente, a chamavam de mentirosa – mesmo Elinor, que costumava ser sua melhor amiga e a pessoa em quem Alice mais confiava, agora a encarava como se ela fosse uma louca qualquer dizendo bobagens.

– Ah querida, isto é impossível, decerto foi apenas um pesadelo, não há nada com o que se preocupar – Elizabeth explicou na tentativa de tranquilizá-la, no entanto o efeito foi justamente o contrário, pois Alice se levantou bruscamente do sofá, estreitando os olhos escuros furiosos enquanto seu rosto ganhava um tom cada vez mais forte de vermelho, suas bochechas queimando de raiva.

Eu sei o que eu vi! Estava lá, na minha cara, não foi pesadelo algum!

– Senhorita Alice, por favor se acalme ou pode acabar desmaiando visto que ainda não se recuperou totalmente do choque – Elinor pediu e Alice olhou em volta antes de se sentar.

Ninguém ali acreditava nela, e sua verdadeira vontade era de gritar, bater o pé até que acreditassem, porque ela sabia que não estava mentindo, nenhum pesadelo era capaz de ser real àquele ponto, muito menos uma simples máscara, mas surtar de nada adiantaria, era capaz de ainda piorar coisas e começassem a achar que ela estava mesmo pirando. Então respirou fundo e meneou a cabeça, vestindo sua melhor expressão de tranquilidade.

– Desculpe, tem razão – disse forçando um sorriso torto. – Pensando melhor creio ter sido mesmo somente um pesadelo, desculpe, fiquei tão assustada que não pude pensar direito, mas estou melhor agora.

– Tem certeza, filha? Podemos conversar sobre isso mais um pouco se quiser – Elizabeth propôs mas a menina negou.

– Estou cansada agora, só quero voltar a dormir.

– Vamos, eu te coloco na cama – Elinor chamou, se levantando e estendendo a mão para Alice que recusou novamente.

– Estou bem, obrigada. Desculpem-me pelo susto, tenham uma boa noite – e, dito isso, Alice se retirou, desaparecendo pelo corredor escuro que a levaria de volta até o quarto.

Elizabeth permaneceu na sala junto de Elinor, Mallorie e Marie, nenhuma delas conseguia dizer o que havia acontecido ali e por que Alice resolvera mudar de ideia e se acalmar tão de repente – porém, o que mais incomodava Elizabeth de fato, não era a calma repentina da filha, mas sim a irritação extrema que tomara conta da menina mais cedo, a frieza que se fizera presente em seus olhos escuros completamente diferente da doçura e tranquilidade que normalmente eram seu ponto forte.

Não precisava muito para notar que a cada dia que passava Alice ficava cada vez mais parecida com o pai, e aquilo assustava a mulher, e principalmente porque ela estava ciente de que parte daquilo era culpa sua.

– Está tudo bem senhora Underwood? – Marie questionou e Elizabeth pareceu finalmente despertar de seu transe momentâneo, abrindo um sorriso torto para as criadas que a fitavam com certa preocupação.

Elizabeth não as culpava, aquela mansão agora era um lugar tranquilo, mas nem sempre havia sido assim, principalmente quando sua mãe, Lis Ann, estava viva – as coisas costumavam ir de pequenos e simples acontecimentos incomuns para eventos bizarros e sem explicação num piscar de olhos, e tanto Mallorie quanto Elinor já eram empregadas da família na época, era compreensível que estivessem assustadas e apreensivas para caso tudo voltasse a acontecer.

– Sim estou bem, só... Cansada. Acho que também irei voltar ao meu quarto agora, mas muito obrigada pela ajuda com Alice – a loira agradeceu com a voz suave e as moças retribuíram o sorriso.

– Não deseja mais nada? – Elinor insistiu mas Elizabeth negou.

– Não, muito obrigada meninas, vão descansar um pouco também – respondeu ainda ligeiramente desconcertada, passando as mãos pelos cabelos bagunçados e cruzando os braços sobre o peito conforme as três assentiram.

– Sendo assim, até amanhã senhora, tenha uma boa noite – Mallorie respondeu e se retirou junto de Elinor e Marie que a seguiram de volta para seus quartos.

No entanto, ninguém teve uma noite boa de fato, tanto as criadas quanto Elizabeth, e muito menos Alice que ainda se revirava em sua cama sem conseguir dormir.

Ela ainda podia sentir o cheiro daquela criatura, sentia aquilo a observar de algum lugar e o escuro da madrugada deixava tudo infinitamente pior, alimentando seu medo que só foi reduzido assim que a menina acendeu a luz, disposta a tentar dormir assim mesmo, com a claridade que agora ao invés de irritá-la e atrapalhar seu sono, era a única coisa que a fazia se sentir um pouco mais tranquila e segura.

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Oi gente, aqui é a Chess. Como estão? Espero que todes bem 

Bom, demorei um pouco pra postar porque meu notebook tá dando problema e tá me deixando maluca mas é a vida né, a gente tenta, enfim...

Aqui já mudei algumas coisinhas apesar de serem poucas então para quem não notou ou tá lendo pela primeira vez, vamos às curiosidades: 

➺ Na primeira versão a terceira criada se chamava Annie e não Marie, mas troquei por motivos que vão entender mais pra frente.

➺ Nada sobre Lis Ann, a avó da Alice, era falado tão cedo, - na verdade a primeira vez em que Alice citou algo sobre a mulher foi no Capítulo 7 - mas quis mudar porque achei que na primeira versão tudo sobre a família da Alice ficou meio jogado e oco, então pretendo explicar mais agora já desde o começo.

➺ Na versão antiga tinha muito mais coisa nesse capítulo, mas resolvi dividir em dois porque fica melhor assim e também pra não ficar muito grande, então boa parte dos acontecimentos ficou pro próximo que eu já tô super ansiosa pra postar porque dos primeiros capítulos o terceiro é um dos meus favoritos ♥

Acho que é só pessoal, espero de coração que tenham gostado do capítulo e estejam gostando da história em si. Muito muito muito obrigada pela leitura, vocês são demais! ♡

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