(01) transformação: Yeji está diferente
Yeji deslizava pelas ruas de Nova York, o som das rodas de seu skate ecoando nas calçadas. O vento gelado do início da tarde fazia seus cabelos pretos balançarem atrás, enquanto ela olhava para o horizonte, perdida em pensamentos. Sua mente estava longe, revivendo os momentos que havia compartilhado com Lia.
As risadas, os olhares discretos, os segredos trocados. Lia... sua antiga melhor amiga, a garota com quem tudo parecia tão fácil e leve. Mas agora, tudo estava confuso e distante. A saudade de Lia fazia o peito de Yeji apertar, e ela não sabia mais como lidar com isso. No fundo, ela sabia que algo havia mudado entre elas, mas não conseguia entender o quê.
Ao chegar em frente ao prédio onde morava, Yeji desceu do skate e o segurou pela lateral. O prédio, antigo, de tijolos vermelhos, tinha um ar meio desgastado, mas ainda se mantinha firme no meio do caos urbano. Ela subiu as escadas correndo, as solas de seus tênis de skate raspando nas escadas de metal.
Chegando ao apartamento, ela entrou apressada, deixando a porta bater levemente atrás de si. A mochila, com as alças caídas, foi jogada com um gesto rápido no canto do quarto, antes que ela se dirigisse ao espelho para olhar a si mesma por um momento.
Aquela tarde parecia querer arrastar-se com um peso imenso. Com um suspiro profundo, Yeji pegou novamente seu skate e, antes de sair, ouviu a voz suave da sua mãe do outro lado da casa.
— Já chegou, filha? — perguntou a mãe, saindo da cozinha com um avental ainda amarrado. Yeji olhou para a mãe, que estava com um sorriso gentil no rosto. A mulher era de cabelos castanhos escuros e olhar atento. Ela parecia não perceber a tristeza disfarçada na filha, que por um momento tentou esconder o cansaço emocional.
— Sim — Yeji respondeu, jogando o skate debaixo do braço. Ela sentiu o peso da mentira, mas sabia que não valia a pena falar da saudade ou das emoções que estavam a dominando. A mãe a observou com um olhar que misturava preocupação e curiosidade.
— Vai sair de novo? — perguntou, inclinando a cabeça. O tom de voz era tranquilo, mas com uma leve tensão no ar, como se ela soubesse que algo estava acontecendo, mas não soubesse exatamente o quê. Yeji assentiu, com a voz firme.
— Vou andar de skate. Volto antes do anoitecer. — Ela tentava passar a impressão de que estava tudo bem, mas, na verdade, sabia que o que precisava era de uma pausa, de um lugar vazio onde pudesse pensar. Sua mãe deu um sorriso discreto e fez um gesto com a mão, como se quisesse permitir a liberdade da filha.
— Então, tome cuidado. Não fique muito tempo lá fora.
Yeji fez uma careta imperceptível, mas se limitou a um aceno de cabeça antes de sair apressada. Ela sentia o frio do ar da tarde, uma mistura de nostalgia e solidão. As ruas estavam mais vazias do que o normal, talvez por causa da semana de outono que se aproximava. As luzes dos prédios ao longe piscavam, mas não pareciam oferecer conforto.
Ela desceu até o metrô, onde sabia que havia um lugar tranquilo para andar de skate. O espaço vazio sob os trilhos, escondido e seguro, era seu lugar de refúgio. Ela já estava acostumada a praticar ali, onde ninguém a incomodava e o som do metal nos trilhos ecoava, criando uma espécie de música só dela. Esse era o lugar de conforto para a Hwang, juntamente com o abraço de sua mãe e de Lia.
No entanto, ao tentar uma manobra mais difícil, o equilíbrio de Yeji vacilou.
Ela perdeu o controle do skate e, num movimento rápido demais, caiu de lado. Sua cabeça bateu levemente contra um saco de lixo amontoado e uma tábua de madeira que estava caída ali. O impacto não foi forte, mas o suficiente para deixá-la tonta e com pequenas gotas de sangue caindo.
Ela se sentou no chão, passando a mão na cabeça, sentindo uma leve dor. Mas o pior ainda estava por vir. Ao tentar se levantar, Yeji sentiu uma picada forte, uma sensação de algo rastejando sobre sua pele. Ela olhou para baixo, e, para seu horror, viu uma aranha subindo por seu braço.
O pânico tomou conta dela por um momento, mas ela agiu rápido, sacudindo os braços e conseguindo se livrar da criatura. A picada foi dolorosa, mas não parecia grave.
Ela respirou fundo, tentando se acalmar, mas algo dentro de si se sentia ainda mais fora de controle. Suas veias estavam saltadas, Yeji sentia seu coração palpitar e algo fluindo dentro de si graças ao veneno da aranha. O lugar onde estava, a solidão das ruas de Nova York, e os pensamentos em Lia não faziam mais sentido. Ela estava cercada por um vazio que parecia consumir cada parte de seu ser.
Yeji pegou o skate novamente, sacudiu a poeira de suas roupas, e decidiu voltar para casa, o peso de tudo o que não conseguia dizer lhe deixando ainda mais cansada.
Após alguns minutos andando com o seu skate pelas ruas, voltou ao apartamento onde morava com sua mãe, e a ruiva estava exausta.
O dia tinha sido longo, cheio de eventos e situações que ainda passavam pela sua cabeça. O sol já estava se pondo quando ela entrou, e, com passos cansados, se dirigiu direto ao banheiro. Sabia que precisava de um banho, algo para lavar a sensação de desgaste da tarde inteira. A água quente começou a aliviar seus músculos, e, enquanto se esfregava com o sabonete, sua mente ainda vagava sobre tudo o que tinha acontecido nos últimos meses.
Já mais relaxada, Yeji terminou a higiene e saiu do chuveiro. Envolta pela toalha, ela olhou para o espelho e viu a picada de aranha no braço, agora levemente vermelha e com um inchaço pequeno. Olhou por um momento, preocupada, mas logo descartou a ideia de que fosse algo grave. Pensou que seria só uma reação normal à picada e passou uma pomada anestésica que sua mãe havia guardado dentro do espelho do banheiro.
Depois de dar um leve suspiro, voltou ao próprio quarto e se jogou na cama, ainda sentindo o peso da tarde sobre seus ombros. Não tinha muito mais energia para fazer algo, então simplesmente se acomodou sob as cobertas, fechando os olhos. O ambiente tranquilo e a sensação da pele ainda úmida do banho a convidavam ao descanso. Mas, mesmo assim, um pensamento insistente a incomodava. Por um momento, ficou ali, sem fazer nada, apenas ouvindo os próprios pensamentos, até que o cansaço venceu e ela acabou adormecendo, sem se dar conta do quanto precisava descansar de verdade.
[...]
O sol estava começando a se pôr lentamente sobre o horizonte, tingindo o céu com tons dourados e rosados. O calor do dia estava se dissipando, deixando uma brisa suave que fazia as folhas das árvores balançarem levemente, acompanhada de um leve perfume de grama bem cuidada. Yeji e Lia estavam sentadas sobre uma toalha xadrez. Era um dia perfeito para um piquenique às margens do rio Han, longe da agitação do centro da cidade, rodeadas apenas pelo som do vento e poucas pessoas espalhadas pelo grande parque.
Belle, a cachorrinha do casal, estava ao lado delas, rolando feliz pela grama, com sua pelagem branca brilhando ao sol. Yeji, com uma camiseta cinza e jeans rasgados, sorria suavemente enquanto acariciava a cabeça de Belle. Lia, por outro lado, estava mais relaxada, usando um vestido florido, com os cabelos presos em um coque frouxo, deixando alguns fios escaparem ao redor do rosto.
— Você já parou para pensar como estamos bem aqui? - Lia perguntou, olhando para o céu com um sorriso tranquilo, como se realmente estivesse absorvendo cada segundo do cenário.
Yeji sorriu, desviando o olhar da cachorrinha que agora tentava pegar a bola de tênis que estava longe demais para ela alcançar.
— Eu nunca imaginei que um dia eu conseguiria passar uma tarde assim. Só a gente, o vento e esse céu lindo. Às vezes me pergunto o que fiz de tão certo na vida passada para merecer isso.
Lia riu baixinho da resposta de Hwang, mexendo nas mangas do vestido com as mãos, e então olhou para Yeji.
— Eu acho que você merece. Você sempre foi tão boa para mim. - Lia disse, sua voz carregada de carinho. Ela então se deitou de lado sobre a toalha, apoiando a cabeça no braço de Yeji. — Eu sou a sortuda aqui.
Yeji riu, com um sorriso genuíno. Ela inclinou a cabeça e deu um beijo suave no topo da cabeça de Lia.
— Ah, não. Eu sou a sortuda. — Yeji olhou para Belle, que agora estava latindo para a bola, mas logo desviou sua atenção para uma folha que flutuava lentamente ao vento. — E acho que Belle também tem sorte de ter você.
Lia riu, observando a cachorrinha, que imediatamente se levantou e começou a correr atrás da folha que dançava no ar.
— Ela vai acabar se cansando antes de pegar essa folha, pode ter certeza disso.
Mas, como se desafiar o destino, Belle correu ainda mais rápido, suas patas ágeis tocando o chão com uma energia surpreendente para um cachorro de seu tamanho. Lia se levantou para acompanhá-la, com uma expressão de diversão no rosto.
— Vai lá, Belle! Pega! — Lia gritou, incentivando a cachorrinha a continuar a perseguição.
Yeji assistia tudo com um sorriso tranquilo, seus olhos fixos na cena. O olhar que ela lançou em Lia foi apaixonado, como se nada mais importasse naquele momento. Ver a namorada correndo atrás de Belle, com aquele sorriso encantador, fazia seu coração bater mais rápido. Ela se sentia em casa ali, como se tivesse encontrado o lugar e a pessoa certos.
Lia conseguiu pegar Belle no momento exato em que a cachorrinha se distraiu e quase tropeçou na grama. Ela a ergueu no colo, rindo enquanto a cachorrinha parecia toda empolgada e satisfeita com a aventura.
Yeji observou a cena com um olhar terno, sentindo uma felicidade imensa ao ver a leveza e a alegria de Lia. Ela podia passar a vida inteira ali, olhando para ela, amando-a sem reservas. Lia, com a luz do entardecer iluminando seu rosto, parecia perfeita. Yeji então fechou os olhos por um momento, absorvendo a sensação de estar completamente apaixonada.
Foi então que, sem mais nem menos, uma sensação estranha a fez abrir os olhos. Algo estava em seu ombro, algo que não deveria estar ali. Definitivamente não deveria.
Ela olhou para o lado e viu uma aranha caminhando lentamente sobre sua pele. O que normalmente poderia causar pânico em qualquer pessoa não parecia assustá-la, de fato, Yeji observava a aranha com uma calma quase hipnótica.
A aranha parou por um momento, e, surpreendentemente, abriu a boca.
A voz que veio dela foi grave, mas com uma suavidade que Yeji não conseguia explicar o que sentia. Era como se aquelas palavras tivessem vindo de um lugar profundo, de uma mente muito antiga.
— Você gosta realmente dela, não é? Eu vejo isso no fundo da sua mente. — a aranha disse, sua voz baixa, mas nítida. — Bem, você logo irá acordar desse sonho, então, saiba que você não pode rejeitar o meu poder. Além disso, cuidado com suas ações, jovem Yeji… ações têm consequências no futuro.
Yeji sentiu um arrepio, mas, ao invés de se afastar, ela ficou ali, olhando para a aranha com uma expressão que poderia ser descrita como curiosa.
— O que você está dizendo? — Yeji perguntou.
A aranha, como se não se importasse com a pergunta, deu um pequeno salto e desceu de seu ombro, caindo suavemente na grama ao lado de Yeji. Ela olhou por um momento para onde a aranha havia caído, mas antes que pudesse raciocinar sobre o que acabara de acontecer, sentiu uma onda de dor de cabeça intensa. Era como se algo estivesse tentando arrancar-lhe a consciência, uma pressão forte que a fez perder o equilíbrio e cair deitada sobre a toalha, aos poucos, Yeji viu o céu derreter aos seus olhos.
Em um estalo, Yeji acordou, com os olhos arregalados.
Com o corpo suando e com a respiração ofegante, Yeji se levantou da cama em um pulo. Em passos apressados, segurou na maçaneta da porta e a abaixou para abri-la, porém, nesse movimento, ela acabou quebrando a maçaneta.
Ainda assustada, dirigiu-se até a porta do meio do corredor. Abriu a porta do banheiro, agora com calma, e abriu a torneira no máximo que ela podia. Jogou água no seu rosto, respirando fundo para tentar regular a sua respiração. Respirou fundo novamente e se virou, dando um leve pulo de susto ao ver sua mãe encostada na porta do banheiro com uma cara amassada.
— Que susto, mãe!
— Yeji. - Cruzou os braços.
— Hm?
— Sonhou com Choi de novo, não é? - A senhora mais velha se aproximou da ruiva, abraçando-a calmamente enquanto fazia um leve carinho nas costas dela.
— C-como você sabe?
— Bem, a sua reação ao acordar é desesperadora. Sempre ofegante, suando, tentando checar se ainda estava no sonho que parecia durar horas… Esse é um ciclo vicioso que você vive, querida, você tem esses sonhos estranhos pelo menos três vezes durante a semana. - ela se afastou, andando lado a lado com a filha até chegar no balcão da cozinha.
Hwang sentou na cadeira perto do balcão, abaixando a cabeça na pedra de mármore.
— Eu vou preparar um chá pra você se acalmar.
A ruiva apenas assentiu, ainda com a cabeça baixa, respirando fundo enquanto apertava os dedos contra a própria palma da mão. Uma dor forte invadiu seu corpo depois desse gesto. Ela murmurou um xingamento ao ver a palma sangrando, onde suas unhas haviam pressionado com força.
— Porra! — mordeu os lábios e ergueu a cabeça, levantando-se para ir até a pia, passando pelo balcão da cozinha.
— O que foi, Ji!? — sua mãe encarou o machucado, franzindo as sobrancelhas. — Espera aí, vai lavar o machucado que eu vou pegar um curativo.
A senhora saiu apressada da cozinha, indo em direção ao banheiro onde mantinha o kit de primeiros socorros — afinal, sempre que a jovem Hwang se machucava enquanto andava de skate, sua mãe fazia questão de cuidar dos ferimentos com aquele kit. Yeji sorriu ao lembrar das boas e más memórias que envolviam a pequena caixa.
Como uma simples unha poderia fazer tanto estrago? Pensou enquanto lavava o corte, que ainda sangrava.
Logo sua mãe retornou com a caixa de curativos. As duas se sentaram no sofá da sala de estar e começaram a higienizar o machucado antes de aplicar o curativo.
— Você deveria cortar suas unhas.
— Mas eu corto, mãe.
— Deveria cortar mais! — disse, aplicando o curativo com certa firmeza.
— Quer que eu fique com uma unha cotoco?
— Sim, oras. Você não é lésbica? — a mãe segurou o riso, sabendo do constrangimento da filha e decidindo brincar com ela para descontrair.
— Você é ridícula! — Yeji gargalhou, escondendo o rosto com a mão livre. — Assim eu fico com vergonha, poxa.
— É, Yeji, deixa a unha bem curta quando você namorar e lembra sempre de...
— Mãe! — Yeji a interrompeu, sentindo o rosto esquentar.
Yeji sempre evitava conversar sobre relacionamentos e questões sexuais com a mãe. Preferia aprender sobre esses assuntos nas rodinhas de conversa com seus amigos do que na presença de alguém mais velho.
Após terminarem de falar sobre coisas banais enquanto terminavam o curativo, as duas se acomodaram no sofá para assistir à televisão juntas.
— A população de Nova York está preocupada com o aumento dos furtos e roubos na cidade nos últimos 60 dias. Pesquisas apontam que cerca de 66% dos moradores já perderam ou têm perdido seus pertences constantemente devido à ação dos ladrões — o jornalista falava diante da câmera. — De acordo com um levantamento do histórico de assassinatos na cidade, a polícia afirma que 40% dos homicídios são cometidos por vilões que atacam a população.
Hwang sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao ouvir os relatos. Algo dentro de si dizia que ela deveria fazer algo para ajudar a diminuir essas porcentagens de assassinatos e roubos, mas não sabia por onde começar.
— Mamãe, vou para o meu quarto — anunciou, levantando-se do sofá, sentindo o suor escorrer por sua testa.
Caminhou até o corredor e, com calma, abriu a porta do seu quarto, fechando-a atrás de si. Foi até a escrivaninha e pegou o primeiro caderno e lápis que encontrou, segurando-os na mão. Em seguida, abriu a janela e pulou para fora, alcançando a escada que descia para o beco nos fundos do prédio. Sentou-se no primeiro degrau, permitindo-se respirar o ar fresco até que sua calma fosse restaurada.
Olhou para o céu, seus olhos automaticamente se voltando para o sol. Estranhou não sentir a ardência nos olhos, como costumava acontecer, já que eles eram muito sensíveis à luz.
Sol...
Foi então que ela se lembrou de Choi Jisu, o amor da sua vida. Até mesmo olhar para o sol a fazia pensar nela. Seu sorriso iluminava tudo ao redor, assim como o sol iluminava o céu. No entanto, Lia não estava mais presente na vida de Yeji para iluminar seu caminho.
As lembranças de Lia invadiram sua mente, e logo seus dedos começaram a desenhar o rosto da garota que ela tanto amava no papel. Como em todas as outras páginas do caderno, havia rabiscos que representavam a loira.
Yeji respirou fundo, deixando a mente descansar por alguns segundos enquanto apoiava a cabeça na quente grade de ferro. Estranhamente, não sentiu o calor em sua pele. Levantou-se e entrou de volta para seu quarto, jogando o caderno em qualquer canto do cômodo antes de se jogar na cama, permitindo-se dormir mais uma vez.
Ela desejava, mais do que tudo, sonhar com Lia novamente.
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