Sin
— Não, você vai mesmo continuar com isso?
— Vamos esclarecer, Jackson, quando eu te contei isso, não foi para você ficar passando na minha cara o quanto eu pareço um idiota. — JaeBeom bufou, frustrado.
— Não, na verdade, eu tenho certeza absoluta que foi para isso, é pra isso que os melhores amigos servem. — Riu o outro rapaz, jogando-se no sofá da casa do amigo, puxando uma almofada para colocar embaixo da cabeça enquanto se deitava no estofado.
— Tira as patas do meu sofá e, outra coisa, quem te iludiu dizendo que é o meu melhor amigo? — Fez uma careta, batendo uma segunda almofada nos pés do visitante, indicando que tirasse do assento.
— Não vejo nenhuma outra pessoa aqui ouvindo o bebê chorão — debochou, fazendo pouco caso da ordem, aconchegando-se melhor no sofá. — Mas agora, falando sério, eu sei que você é besta, mas esse papel aí extrapola todos os limites, amigo.
— Só por que você não faz questão de conhecer sua alma gêmea, ou sei lá, não quer dizer que eu tenha que ser igual.
— Claro que não, eu sou diferente nessa equação, você faz parte do clichê da maior parte do mundo.
— Na verdade, acho que você se encaixa no clichê, Jack, é você que fica dizendo que não quer se apaixonar, que não se importa em ter uma ligação com alguém, mas mais cedo ou mais tarde vocês certamente vão se encontrar e eu tenho certeza que você vai entrar nas estatísticas, só é dramático demais e quer sua própria comédia romântica.
— O que tem de errado em querer minha própria comédia romântica? Além disso, tenho que partir do pressuposto que: na opção um, minha alma gêmea é mais nova que eu, já que nunca escutei nenhuma canção, ou a segunda opção, onde essa pessoa é mais velha e também não se importa com ligação de almas.
— E você não vai mesmo querer fazer o teste? Já faz uma semana do seu aniversário.
— Na melhor das duas hipóteses, que é a primeira, quem sabe quantos anos essa pessoa tem? Tudo isso é tão incerto... Sabemos de casos de pessoas com diferença de idade bem grande. Na pior das duas hipóteses, eu vou estar cantando para alguém mais velho que pode ter toda uma vida planejada que não me inclui... Aliás, já pensou que essa pode ser a situação da sua alma gêmea? — O mais novo sentou-se, com as sobrancelhas erguidas, olhando diretamente para o amigo, um desafio implícito em sua sugestão.
— Não acho que esse seja o caso... Se for, essa pessoa não tem o mínimo de sensibilidade e consideração. — Mordeu o lábio inferior, sem muita segurança em suas palavras.
— Acho que você não deveria esperar muita consideração dessa pessoa — falou sincero. — Olha, já fazem dois meses que canta pra ele, não é? Me disse que passou o seu número e que a pessoa nunca entrou em contato... Consideração não parece o forte da sua alma gêmea.
— Você não sabe... Nem eu... Mas existem dezenas de possibilidades para isso. — JaeBeom levantou do sofá e foi até a cozinha, abrindo a geladeira e retirou uma garrafa de vidro com água. — Não dá pra sabermos até que ele responda. — Foi até o armário para pegar um copo, ainda que sequer estivesse com sede, só queria inconscientemente se distrair.
— Se ele responder um dia — murmurou Jackson.
— Para com isso, Jack. — Serviu a água, deixando o copo na bancada.
— Desculpa.
— Não finja arrependimento, eu sei que você realmente me acha um trouxa por continuar esperando que ele me responda. Mas eu prometi que continuaria cantando todos os dias.
— Cara... Você canta todos os dias? — Jackson riu. — Dá um descanso, vai ver a pessoa já se cansou dessa sua voz de taquara rachada.
A vontade de Lim era mesmo de pegar o copo e despejar a água na cara do seu melhor amigo. Não era a primeira vez que o mais novo tentava colocar abobrinhas em sua cabeça, mas dessa vez ele parecia bem mais obstinado a lhe fazer repensar sobre continuar cantando para sua alma gêmea. JaeBeom estava sempre se perguntando porque não recebia nenhuma resposta, será que a pessoa já tinha uma vida planejada? Estava com outra pessoa? Será que não tinha como mandar ao menos uma mensagem de texto?
— Eu não quebro minhas promessas — respondeu, em um tom mais baixo.
— Nada que eu te diga vai mudar a sua cabeça, você vai continuar com isso, é um romântico incorrigível. — Jackson voltou a deitar no sofá. — Mas toma cuidado, você não pode depositar toda confiança em um relacionamento que nem existe. Você nem sabe para quem fez essa promessa.
JaeBeom finalmente segurou o copo e tomou da água, sentindo ela descer junto de toda a sua frustração. Sempre imaginou diversas hipóteses do que poderia acontecer depois que cantasse para sua alma gêmea, nem todas eram boas, mas nunca achou que ficaria simplesmente sem resposta alguma.
— Hyungie — a voz manhosa soou pela biblioteca e JinYoung revirou os olhos, sabendo que a insistência nunca teria fim se dependesse do seu dongsaeng. — Quantas vezes temos que te dizer pra pelo menos tentar? Não te custa nadinha.
"Vocês não cansam?" escreveu no caderninho, virando para YuGyeom, que ao ler negou com a cabeça. "Aliás, você não tinha vindo para estudar?" mostrou novamente a folha, fazendo o mais novo rir contido, por não poder fazer muito barulho ali.
— Você sabe que foi só uma desculpa para vir te encher o saco e ver o Markie-hyung.
Mais uma vez Park revirou os olhos e deu as costas para o amigo, voltando ao seu trabalho. Havia uma pilha de livros em um carrinho de empurrar, estava colocando todos os livros em seus devidos lugares nas estantes. O rapaz mais novo logo tratou de segui-lo em seu encalço.
— Hyung, qual o problema? Assim, quando Markie cantou pra mim a primeira vez eu achei tão empolgante! Falei logo com os meus pais e é claro que por causa da minha idade eles conversaram comigo e fizemos tudo com bastante cuidado, mas foi tão bom conhecê-lo. — YuGyeom passou a ajudar o amigo, pegando um livro ou outro e passando para a mão de Park, já que não sabia tão bem como arrumar os livros, ainda que tivessem etiquetas. — E você sabe melhor do que ninguém o quanto damos super certo — completou.
JinYoung vinha escutando a mesma ladainha já fazia algum tempo, tanto seu melhor amigo quanto o quase namorado dele, viviam insistindo para que ele ao menos respondesse ao rapaz que cantava para si. Já estava saturado, mas ao mesmo tempo sabia que os dois estavam certos. Afinal, estava se apaixonando por uma voz sem rosto.
Claro, não era apenas uma voz, cada vez que o ouvia cantar, Park descobria novos sentimentos nascendo em si. Talvez fosse o fato do outro sempre cantar músicas inéditas, as quais sabia que estavam sendo escritas diretamente para si, ou poderia ser apenas o destino agindo. Mas sabia que a cada música conhecia um pouco mais de Lim e que quanto mais o conhecia mais queria conhecer.
JinYoung virou na direção do adolescente, passou o indicador direito embaixo do próprio olho direito, bem onde, no rosto do amigo, ficava um sinal de nascença, uma característica marcante do Kim, era dessa forma que ele indicava a quem estava se referindo quando falava por sinais. YuGyeom o olhou atentamente, não era muito bom com sinais, mas estava se acostumando. O próximo movimento de JinYoung foi colocar a mão, na direção vertical, bem à frente de seus lábios, um simplório: calado.
— Tsc... — YuGyeom estalou a língua no céu da boca, uma forma de reclamação, impaciente. — Você é muito difícil, hyung. — Escorou-se no carrinho de empurrar. — Uma mensagem, só uma mensagem! Não vai te fazer mal nenhum.
JinYoung levou o indicador até a cabeça, dizendo que iria pensar a respeito, mas ambos sabiam que isso não significaria muita coisa, pois estava pensando já há dois meses e sua decisão era sempre a mesma, não se comunicar com Lim.
— Do que tem medo, hyung? — perguntou, pela primeira vez tentando se colocar no lugar de Jin.
Park mordeu o lábio, pensativo, então pegou o lápis e escreveu:
"Eu não sei" mostrou o caderno, observando o cenho do outro franzir é um pequeno bico se formar nos lábios rosados.
— Não entendo... Achei que tivesse medo dele ser um louco, assassino, sei lá, mas nem você sabe o que te impede de falar com ele... você é daqueles que tem medo de se apaixonar?
JinYoung riu nasalado e negou com a cabeça. Ele tinha medo de se apaixonar? Imaginava que não. Na sua cabeça, não conseguia ser sincero consigo e ter uma resposta satisfatória para se negar a conhecer JaeBeom, apenas... tinha receio. Voltou a escrever:
"Eu gostaria, Gyeom... Mas eu sou tão cheio de problemas, por que eu o colocaria nisso? Nem todas as almas gêmeas foram feitas para ficarem juntas e se eu puder evitar que ele entre nisso, eu não deveria?"
Kim pegou o caderno com ambas as mãos, leu atenciosamente, sentindo que o seu hyung estava mesmo sendo sincero. Podia ser muito jovem e impulsivo, mas não eram esses os motivos que o faziam não compreender aquela visão tão estranha do seu amigo. Ele o olhou com o cenho franzido, como se tentasse ler através da alma de Park, mas não podia.
— E quem não tem problemas, hyung? Isso não faz nenhum sentido. Você está criando desculpas e mais desculpas, como se qualquer coisa bastasse para ser suficiente pra te parar. Mas a verdade é que com certeza ele também tem problemas, Mark-hyung tem problemas, eu tenho, todos temos, mas isso não é motivo para afastar amigos ou o amor. — JinYoung tentou pegar o caderno, mas o adolescente afastou, levantando o braço e mesmo sendo mais novo, era mais alto, o que impediu que Park o pegasse. — Deixa eu terminar, hyung. Vou te dizer uma coisa: até mesmo pessoas ruins tem alguém que ama ou que o ame. Eu não sei o que te faz pensar que é indigno de ser amado, mas está errado.
Young estava paralizado com o que ouvia. Era isso então? Sentia-se indigno de ser amado? YuGyeom havia acertado em cheio. Sim, Park não sentia que era merecedor de amor, não depois de ter estragado a vida da pessoa que mais amava e que certamente também era a pessoa que mais o amava. Como podia buscar ser feliz quando havia roubado a felicidade de alguém?
Lentamente, virou-se, colocando mais um livro em seu devido lugar. O que não queria era encarar a realidade ali na sua frente, nos olhos do adolescente. JinYoung sentiu sua garganta fechar-se ainda mais, lembrando de todos os motivos que lhe fizera perder a voz.
— Desculpa o atraso. — Ouviram a voz de Mark, alegre e descontraído, diferente da aura que pairava sobre os dois outros.
Kim logo virou-se para ver o quase namorado, sorrindo pequeno, porque Mark sempre trazia o melhor de si, mas o momento ainda era muito pesado. JinYoung nem mesmo moveu-se do lugar e Tuan não precisou que ninguém falasse nada para perceber que algo estava errado. Abraçou a cintura do adolescente, dando um beijinho em sua bochecha e aproveitou para murmurar em seu ouvido:
— O que houve? — questionou. O casal trocou um olhar e o mais novo mostrou o caderno, com as últimas palavras que Park havia escrito ali. — Não deveria... Acho que ele tem o direito de escolher se quer ou não enfrentar esses problemas com você — Mark respondeu, olhando para as costas do melhor amigo.
JinYoung suspirou, encostando a cabeça na prateleira. Estava tão cansado de ouvir isso. Ele também não tinha o direito de escolher? Já havia escolhido, não queria conhecer Lim, mesmo que ele parecesse ser alguém fascinante, mesmo que já estivesse se apaixonando. Não podiam respeitar sua decisão? Virou-se para os dois amigos e estendeu a mão, pedindo de volta o caderno, para que pudesse respondê-los.
"Estou cansado de me dizerem o que eu deveria ou não fazer. Sim, ele tem o direito de decidir e ele decidiu que queria me conhecer. Mas eu também tenho direito de não querer o mesmo. Não quero mais falar sobre isso, acabou!" deu o seu ultimato e os outros dois se olharam.
Não restava o que fazer, se JinYoung tinha tomado a sua decisão, de nada adiantaria continuarem insistindo, ele não mudaria de ideia, não havia mudado durante os dois meses que se passaram.
— Fala pra a pessoa, Jae, diz que pode parar se é o que ela quer — aconselhou Jackson.
— E se... for o que ela quiser? — hesitou.
— Aí, nesse caso, você segue com a sua vida. Infelizmente, para a pessoa, vai continuar te ouvindo cantar, porque é o seu trabalho, mas não vai mais ser para ela e isso, meu amigo, é algo que essa pessoa vai ter que lidar.
JaeBeom não queria ter que aceitar que o amigo poderia estar certo, fosse quem fosse a pessoa que estava lhe ouvindo cantar, talvez estivesse sendo um incomodo todo esse tempo. Podia suportar a ideia de nunca ter ouvido qualquer música vinda da sua alma gêmea, mas nenhuma mensagem, nada, isso era um pouco duro demais.
— Está bem, eu farei isso, mas só se você cantar agora para sua alma gêmea — desafiou.
O sorriso vencedor sumiu tão rápido quanto havia surgido nos lábios de Wang. O jogo havia virado e agora era ele posto contra a parede. Lim sorriu vitorioso, duvidando muito que o amigo chinês fosse fazer isso. No entanto, o visitante voltou a sentar-se no sofá e cruzou os braços.
— O que quer que eu cante?
— Isso é com você, tem que ser algo sincero, não é?
— É só uma música, JaeBeom. — Revirou os olhos.
— Não, essa é uma forma de fazer sua alma gêmea saber seus pensamentos sobre ela.
— Isso é tão... — calou-se, movendo a cabeça em negação.
— Tão o que? — Cruzou os braços, franzindo o cenho.
— Idiota — completou.
— Idiota é você querer esconder os seus sentimentos.
— Ser sincero com os seus te proporcionou quais benefícios mesmo? — O olhou com deboche.
— Continua com isso e meu próximo ato sincero vai ser socar a sua cara. — Jackson riu e abaixou a cabeça.
— Certo, eu vou cantar algo sincero... Mas não quero fazer isso aqui e agora. — JaeBeom sorriu, entendendo que o amigo precisava de seu espaço e tempo, afinal, o que quer que ele contasse para sua alma gêmea através da música que cantasse, era algo íntimo e pessoal demais para ser ouvido por terceiros. — Mas então eu tenho outra cláusula no nosso contrato verbal.
— Só porque você estuda direito, não tem que ficar se exibindo.
— Não, eu tenho sim, faz parte do curso, tem até matéria pra isso — debochou.
— Fala logo o que você quer. — Revirou os olhos.
— Se vai seguir sua vida, tem que começar a dar chance para outras pessoas, entã...
— Nem precisa terminar, a resposta é: não!
— JaeBeom... — Suspirou. — Pensa direito, se vai parar de buscar sua alma gêmea pelas próprias escolhas dele, tem que seguir em frente.
— Não vou sair com ninguém, Jackson — declarou, dessa vez irritado.
— Vai morrer sozinho? — Ergueu as sobrancelhas em desafio.
— Talvez eu prefira — rebateu.
— Besteira, você é um molenga apaixonado, precisa viver seu romance.
— O que eu preciso é te dar um soco.
— Isso não é o que precisa, é o que você quer.
— O que eu quero e o que eu preciso estão intimamente interligados e eu vou realizar se não calar a boca.
— Um único encontro, Jae, eu já até tenho um amigo perfeito para a situação.
— Jackson, chega.
— Você não disse outro dia que confia na sua alma gêmea? Pois bem, aceitar essa proposta não deveria te preocupar, é só confiar. — Lim permaneceu calado, pesando aquelas palavras e o significado, pois de alguma forma sentia que o chinês estava certo.
— Tudo bem. — Deu de ombros, fingindo não se importar. — Agora você deveria ir embora, eu tenho trabalho.
— Tá me expulsando?
— Achei que estava bem evidente. — Riu da careta indignada do chinês. — Aproveita e já vai pensando no que vai cantar durante o caminho para o quarto andar.
— Você é um saco. To indo, mas vou levar um pouco do doce que sua mãe trouxe ontem.
— Eu sabia! — Apontou acusatório. — Eu tinha certeza que essa era uma visita pelo doce e você estava enchendo meu saco como bônus.
— É claro que sim. Eu já disse, é pra isso que melhores amigos servem.
Jackson levantou, espreguiçando-se, depois andou até a cozinha para pegar o doce na geladeira.
— O que vai cantar? — perguntou como quem não queria nada.
— Eu... estive escrevendo algo... — murmurou.
— Então você já estava pensando no que eu disse.
— Não quer dizer que eu planejava cantar pra ele.
— Planejava sim, você não consegue ficar de bico calado, Beom.
— Jackson, vai logo pro seu apartamento — resmungou.
O chinês riu, e saiu do apartamento do amigo com uma vasilha em mãos, com metade do doce que a mãe de JaeBeom havia feito especialmente para o filho. Jae suspirou, e encostou a cabeça no descanso do sofá, olhando para o teto, totalmente sem coragem para levantar e buscar seu caderno de músicas. Desde que começou a cantar para sua alma gêmea, vinha compondo mais do que normalmente fazia, é claro que nem todos os dias tinha uma música nova, escrita por si, mas cada música que cantava tinha um significado, porém não queria que significasse apenas para si. Seu coração queria que significasse para a pessoa também.
"Eu preciso ir para casa mais cedo, não vou poder acompanhar no café" escreveu para os amigos.
— Certo... Você vai ficar bem? — Mark indagou, recebendo uma confirmação de cabeça do amigo.
"Meu padrasto disse que precisa sair hoje, alguém tem que estar em casa, só isso" explicou.
— Ah, você quer que eu vá contigo? — ofereceu-se o melhor amigo.
Na verdade, JinYoung queria sim, a última coisa que desejava era ficar em casa sozinho com sua mãe, no entanto, sabia que o casal queria um tempo juntos e não pretendia atrapalhá-los. Moveu a cabeça em negação, com um sorriso que não chegava aos olhos, mas que não era completamente mentiroso.
"Vou ficar bem, até amanhã" deixou que lessem enquanto arrumava a mochila nas costas e depois pegou o caderno novamente, indo abraçar ambos.
JinYoung afastou-se suficiente para que os dois rapazes pudessem ver seus sinais, então juntou o indicador e o polegar na frente dos lábios e depois separou os dedos ao mesmo tempo que abria um sorriso, esse era o sinal que simbolizava Mark para si, pois a característica mais marcante do seu amigo para si era o sorriso. Com Tuan atento aos seus movimentos, continuou: as duas mãos abertas na frente do corpo, movimentando suavemente para frente e para trás uma em sequência da outra, depois levou o indicador da destra até o sinal simbólico abaixo de seu olho direito. Em palavras, diria: Mark, cuide de YuGyeom.
— Pode deixar, não precisava nem pedir — Mark o respondeu sorrindo e YuGyeom apenas sorriu timidamente.
Jin guardou o caderno no bolso da jaqueta e retirou o celular com os fones, enquanto saía da calçada da biblioteca, fazendo o caminho para casa. Procurou no aplicativo uma playlist instrumental e escolheu ouvir um recital de piano, instrumento que tinha total preferência, mas que nem de longe saberia tocar. Por um instante, perguntou-se se Lim sabia e deveria saber, já que era um compositor. Desejou intimamente que pudesse um dia ouvi-lo tocando para si, acompanhado de sua voz doce e melodiosa.
Não tinha argumentos nem mesmo para se auto convencer do que estava fazendo, deveria deixar sua punição de lado e tentar ser feliz. Eram praticamente cinco anos de pura tortura, como se auto sabotagem fosse curar as feridas do passado ou lhe trazer redenção. A verdade, é que a única pessoa que poderia redimi-lo era ele mesmo, uma vez que quem ele imaginava dever suas desculpas jamais o responderia.
Tardou sua chegada o máximo possível, mas enfim estava em casa. Ao abrir a porta já estava sendo recebido por Choi que ajustava o relógio no pulso, estava muito bem vestido e parecia apressado, ou ansioso. Olhando-o da cabeça aos pés, JinYoung perguntou-se que tipo de compromisso ele teria com a noite recém iniciada, mas não via-se no direito de questionar, nunca o questionava.
— Ah, você chegou, ainda bem, ainda tenho alguns minutos de sobra, mas já estava ficando preocupado. — Ao terminar de colocar o relógio, ele caminhou para perto da entrada, ali ficava o closet de sapatos, onde Jin estava deixando seu par de tênis para pegar chinelos. — Eu já deixei a comida da sua mãe pronta, você sabe o que fazer, certo? Obrigado por ter voltado mais cedo. — Choi tinha um ritmo apressado em suas palavras, como se precisasse tapar o silêncio que sempre existia naquela casa.
Park apenas assentiu, pegou o calçado e se afastou. Choi estava usando perfume, algo que não era costumeiro. JinYoung não era bobo e sua teoria era bastante assertiva e mesmo que de alguma forma isso o machucasse, não o julgava, nem o culpava.
Ele não viu quando o padrasto saiu, estava tomando um banho antes de enfrentar uma sessão de tortura que viria logo a seguir. Estar em casa não era confortável, não era nem mesmo seguro psicologicamente, estar em casa era seu principal motivo para todas as travas e traumas que carregava. Mas a vida continuava seguindo o seu percurso e ele precisava viver nos conformes.
JinYoung carregava um prato frio de alguma coisa batida no liquidificador, ele não tinha certeza do que era, mas imaginava que o gosto não deveria ser agradável. Parou na entrada do quarto de sua mãe, a porta estava aberta e dali ele podia ver perfeitamente a mulher deitada sob lençóis azul e cinza. Respirando profundamente, buscando coragem no fundo da alma, ele entrou, deixou o prato na cômoda, ao lado da cama, então ergueu o corpo paralisado e inerte de sua mãe, pondo-a sentada com as costas apoiada na cabeceira.
Abrir e fechar os olhos, era tudo que ainda restava para demonstrar alguma vida naquele corpo, era mais do que isso, é claro, mas era tudo que JinYoung conseguia ver. O silêncio era sufocante para ambos, mas nenhum dos dois era capaz de pronunciar qualquer coisa. Park pegou o prato e com toda a paciência exigida para o caso, passou a alimentá-la.
Todo mundo me diz
Fique esperto, sou como um idiota (por que?)
Que eu estou sendo enganado (porque)
Eu também sei que estou cheio de cicatrizes honestamente
É estranho, mesmo que eu saiba, não posso te deixar ir baby
Quando a voz melodiosa passou a soar em sua cabeça, JinYoung agradeceu sinceramente, visto que cada vez que a colher batia no fundo do prato de metal, ele sentia que algo dentro de si estava sendo martelado. No entanto, conforme as frases iam se conectando e ganhando algum sentido, Park percebeu que aquela não era uma música para acalentar o seu coração como nas outras noites.
Se isso é um pecado, um pecado, um pecado, eu vou receber a punição
Por você, apesar disso eu perco tudo, tudo, tudo
Não, certamente Lim não fazia ideia do peso daquelas palavras. Estavam todos pagando pelos seus pecados? Ali, diante de quem mais amava, inexpressiva, o que sentia? O que lhe diria se pudesse dizer qualquer coisa? JinYoung sabia, ela lhe repreenderia, lhe diria que estava sendo tolo, que o amor valia a pena. Sim, ele sabia disso, mas não, não era justo.
Eu quero tudo de você, yeah
Não é absurdo
Se isso é um pecado, um pecado, é um pecado Oh tudo
Sentiu os olhos encherem-se de lágrimas, tristeza, dor e culpa, tudo junto descendo por sua garganta, sendo liberado por um soluço audível. Os olhos opacos da mulher deixaram de apreciar o bege da parede e buscaram a face de seu filho querido. Havia pena, pura e simplesmente. Park JinYoung era tão deplorável, que até mesmo a senhora no estado em que vivia, sentia pena de si.
Se você perguntar a razão pela qual eu te amo
Nós teremos que ficar acordados a noite toda
Eu sempre penso em você
Nós temos que nos aproximar mais e mais
Até sermos destruídos, baby
Vou ficar ao seu lado
Eu vou limpar tudo, exceto você
Eu pequei e pequei novamente até eu morrer
Por que dóia tanto ouvir tais palavras? Sentia, de repente, um desespero crescendo em seu peito, como se estivesse prestes a morrer, ou ter algo arrancado de si, era sufocante. Ele continuava, colherada após colherada, alimentando sua mãe, sem nem mesmo olhar decentemente em sua face, evitando olhares, evitando sentir o julgamento, a falta de amor, embora fosse tudo fruto de sua imaginação.
Meu coração já está rasgado
Tanto que eu não posso mais reconhecê-lo
Mas eu ainda olho para você
Mesmo se eu quiser parar, eu não posso me controlar
Eu estou condenado agora a viver sem você, baby
JinYoung odiava suas escolhas, parecia que tudo que fazia machucava alguém. Tinha decidido em seu coração que tudo o que queria era uma vida tranquila, em seu canto, aguentando o quanto pudesse todas as consequências do seu erro da adolescência, sem precisar fazer mais escolhas, sem precisar ter grandes responsabilidades, uma vida quieta, sem emoções, sem mais erros. Mas quanto mais fugia, era mais uma decisão errada para carregar. Agora estava ferindo Lim, sem ao menos conhecê-lo.
Se isso é um pecado, um pecado, um pecado, eu vou receber a punição
Por você, apesar disso eu perco tudo, tudo, tudo
Um segundo soluço escapou de sua garganta, não ouvia a tanto tempo qualquer som vindo de si, que até mesmo chegava a duvidar de que era ele quem estava fazendo aquele barulho. Apertava tão forte a colher que chegava a tremer quando erguia na altura da boca de sua mãe. JinYoung ousou então, pela primeira vez, olhar nos olhos da mulher. Havia tanto pesar.
Dóia como se estivesse lhe perfurando com uma faca, mas era apenas um olhar. Não sabia o que estava passando dentro da cabeça e do coração de sua mãe, mas JinYoung tinha certeza que havia raiva. Estava completamente errado. Passara os últimos cinco anos alimentando a ideia de que sua própria mãe o odiava. As lágrimas passaram a escorrer por suas bochechas, silenciosamente.
Eu quero tudo de você, yeah
Não é absurdo
Se isso é um pecado, um pecado, é um pecado
Oh, tudo
O que deveria fazer? Procurando as respostas, tudo era muito óbvio, deveria ao menos respondê-lo, dar uma chance para a sua felicidade. Ele era capaz de pôr uma pedra no passado? Era capaz de seguir em frente? A voz havia cessado e JinYoung sentiu como se fosse uma sentença, como se houvesse perdido tudo. Se sua mãe pudesse falar, lhe diria mesmo para perseguir sua felicidade? Queria acreditar que sim.
— Me desculpe por essas palavras... — voltou a ouvir a voz de Lim, mas sabia que agora era mais um de seus monólogos. — Eu disse que cantaria todos os dias para você e quero poder cumprir essa promessa, mas... — houve uma pausa, na qual Park sentiu seu próprio fôlego sendo roubado de si enquanto esperava. — Mas não entendo porquê você não me responde. Basta me dizer se não quer me conhecer, se eu devo parar, se te incomoda me ouvir... Eu só preciso de uma resposta e então isso pode ser decisivo. Acho que te darei um descanso, você deve estar cansado de mim.
Depositou o prato vazio na cômoda e passou a manga da camisa de frio em seu rosto, tentando apagar os resquícios da dor que transbordava em lágrimas. O rapaz levantou-se, buscando calma e clareza para deitar sua mãe novamente e deixá-la descansar, ainda que precisasse supervisioná-la enquanto o padrasto não voltava. Depois de deixá-la o mais confortável possível, voltou a sentar-se na cadeira ao lado da cama e fechou os olhos.
Não, ele não poderia deixar as coisas acabarem assim, sem ao menos dar uma única chance. Levado por um ímpeto de coragem e possível egoísmo, puxou o celular do bolso e abriu o aplicativo de mensagens, já havia salvado o contato de Lim, mas nunca havia encontrado coragem para respondê-lo, até o momento, onde seus dedos pareceram agir por conta própria.
Oi
Enviou, sem ter certeza de como iniciar uma conversa, sem saber o que estava fazendo, sentindo-se um idiota. Havia imaginado diversas possíveis conversas, fazia isso o tempo todo, mas agora, no seu momento menos covarde, simplesmente não sabia o que fazer.
Eu não sei o que te escrever, nem se deveria
Mas você disse que queria uma resposta, então eu vim responder
Não estou preparado para que me conheça, nem para fazer parte da sua vida
Mas se eu puder fazer esse pedido egoísta, queria pedir para que não pare de cantar para mim
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