Capítulo 7

Passei no vestibular em várias universidades.

E para dar um pouco de alegria e orgulho à minha mãe, eu fui a primeira colocada da universidade estadual mais importante do país no curso de Direito. Tirei nota 1000 na redação. Mérito esse que no meu trabalho ninguém soube, mesmo com foto minha no jornal e em outdoor pela cidade. Confesso que tive vontade de contar quando eu os vi um dia, festejar a aprovação da secretária numa faculdade particular.

Como sempre, eu enrolei um pouco para conversar com a senhora Nancy, vergonha e constrangimento de pedir para trocar o turno de trabalho. Agora estudaria um período, faria o curso noturno.

— Parabéns, Diana, não sabia que iria fazer faculdade. — Foi decepcionante escutar essas palavras dela, porque mais de uma vez mencionei que fazia cursinho, além do colégio.

— É, graças a Deus passei, vou estudar na estadual. Se eu pudesse passar para o turno da manhã seria bem melhor.

— Vou conversar com o doutor Mendes, mas acredito que não terá problema.

No dia seguinte, ela veio me perguntar se podia ser três dias no período da manhã e dois à tarde, claro que concordei. Assim acertamos, terça e quinta-feira, seriam a tarde e, os outros dias pela manhã, isso por causa das reuniões.

Teria sido melhor trabalhar apenas num período, mas desta forma eu não arriscaria perder meu emprego. Apesar de que, minha mãe insistiu que eu parasse de trabalhar e dedicasse aos estudos. Não aceitei. Precisaria pelo menos tentar fazer os dois antes dessa opção.

Contava os dias para o início das aulas. Estava ansiosa com todas as mudanças que aconteciam na minha vida e de mamãe. A começar comigo, completaria dezoito anos, ela passaria de auxiliar de costura para overloquista, o que significava trabalhar fazendo acabamento nas roupas e um salário melhor.

Ficaria tudo mais leve, pois era um turno apenas de estudos.

Primeiro dia de aula, eu não me aguentava de felicidade, me encontrava pronta para aprender muitas coisas novas, porém para minha total decepção a semana não passou de apresentações dos alunos e dos professores. Estes gostavam de detalhar seus currículos e descrever o conteúdo da matéria que iriam lecionar. Uma chatice.

Segunda semana melhorou, entramos em assuntos que me interessavam e estava familiarizada, pela experiência de ser ouvinte no escritório, como alguns nomes técnicos.

No começo, até estranhei o tempo livre e o dinheiro que agora sobrava por não ter o cursinho para pagar, poderia ser ainda melhor se não tivesse as prestações da futura casa.

Um dia, eu tomava café na cozinha, uma voz veio direcionada a mim.

— Bom dia! — Certifiquei se era comigo antes de responder. — Com esse tempo chuvoso um café é a melhor pedida.

— Oi, bom dia. — Terminei o café e lavei minha xícara. – Sim, muito bom.

Saía da cozinha e ele me perguntou:

— Você começou a trabalhar aqui essa semana?

Olhei em sua direção, além de puxar conversa comigo, minha indignação é ele nem saber que eu era funcionária antiga, então respondi:

— Não! Neste horário, desde janeiro e na empresa faz um pouco mais de um ano e meio.

Ele olhou-me com uma ruga na testa, parecia forçar a memória a pegar no tranco. E eu não poderia ficar ali à espera que ele se lembrasse de mim, fui saindo para fazer meu trabalho. Ao abaixar a cabeça, alguns cachos caíram no meu rosto, foi aí que percebi estar sem minha habitual touca. Coloquei a mão no bolso do jaleco a procura dela, como não encontrei, peguei um elástico e o prendi. Voltei ao meu trabalho sem me despedir do rapaz. Entretanto, não pude deixar de notar seu olhar em mim durante o dia e aquilo me incomodou um pouco.

Ele era um rapaz jovem, menos de trinta anos, talvez vinte cinco ou seis, com poucos anos de formado e trabalhava direto com um dos advogados associados. Moreno de cabelos escuros e sempre bem penteados, tinha uma barba rala, porém agora, e mais de perto, percebi que se encontrava volumosa e mais preenchida. Já o tinha observado outras vezes, seu nome era Mateus. Era mais focado que os demais e não ficava de conversinha na sala coletiva.

Os meses passaram muito rápido, depois daquela conversa na cozinha, se é que posso contar aquilo como um diálogo. Só sei que nem percebi os dias passarem, talvez a correria entre trabalho e estudo tenha contribuído bastante. Quando me dei conta, o semestre havia acabado e eu concluído as matérias, sem falsa modéstia, com notas excelentes, acredito que as maiores da turma. Tanto que me chamaram para ser monitora da matéria de antropologia e direito. Isso significou chegar uma hora mais cedo das aulas dois dias na semana para atendimento, em contrapartida metade de um salário mínimo.

Iniciei o segundo período com uma matéria a mais que a grade curricular oferecia, iria fazer psicologia aplicada, que encaixava nos meus dias de tardes livres e que iria mais cedo por causa da monitoria.

Neste mesmo período, a senhora Nancy precisou tirar duas semanas de licença por causa de uma dor no ombro, deixou-me a responsabilidade de olhar as agendas e algumas tarefas extras. Tudo ficou mais corrido. Quando ela retornou veio agradecer e ainda me informou que eu teria um abono no meu salário. Com este dinheiro, mais o da universidade, abri minha primeira conta poupança no banco para começar a guardar algumas economias.

Nos meados de outubro soube que teríamos mudanças no escritório. Um novo advogado se associaria, porque o juiz, um dos sócios, mudou de cidade e vendeu sua parte na sociedade. A senhora Nancy me pediu para fazer uma faxina geral na antiga sala, a fim de receber o novo sócio. Neste dia, antes de terminar meu trabalho, escutei vozes se aproximarem.

— Esta será sua sala, doutor Bueno, desculpe não estar devidamente organizada... — A porta se abriu e os dois, dono das vozes, pararam e me olharam. – Oi, bom dia, pelo visto já está quase em ordem — falou, Mateus com um meio sorriso e acabou de entrar acompanhado de um senhor alto vestido alinhadamente de terno e gravata que olhei de soslaio.

— Bom dia! — Ele veio até mim com a mão estendida. — Sou Álvaro e você?

Paralisada, eu não sabia como agir, pois, se não apertasse sua mão eu poderia passar a impressão de esquisita ou esnobe, porém estava com luvas e as mãos sujas de produtos de limpezas. Olhei para ele e, neste instante, o reconheci. Era meu professor de direito civil e fundamentos do direito penal. Voltei a olhar minha mão, recém-saída da luva de borracha. Alisei-a na roupa para limpar e poder cumprimentá-lo.

— Desculpe-me, não estou com a mão apropriada para apertar a do senhor...

— Que bobagem! — Ele aproximou mais um pouco e pegou minha mão, uma Diana tímida e retraída.

— Espera! Eu te conheço?! — Eu não sabia se ele me perguntava ou fazia uma afirmação.

— Eh... sim... pode ser... — Acabei me enrolando ao responder, tamanho era meu embaraço.

— Você é minha aluna!

Meu colega de trabalho, quer dizer, o advogado Mateus, olhou-me confuso e não sabia o que responder, porque acredito que ele nem sabia meu nome.

— Sim. Direito civil no primeiro semestre e fundamentos do direito penal neste agora.

— Caramba! Você faz direito? — Mateus, perguntou assustado. — Por que nunca me disse?

Olhei para ele e nem tive vontade de responder, mas o professor merecia saber.

— Nunca aqui dentro do escritório ninguém perguntou meu nome — Dei um sorriso sem graça. — Agora se estudo ou não, muito menos.

— Verdade? — Meu professor olhou para o Mateus intrigado e o questionou: — Sério isso?

— Não... Claro que sei... É...

— Qual o nome dela? — insistiu ele.

Ele se desesperou, notei pelo seu olhar de mim ao "doutor", seu futuro patrão, a sua frente.

— Então eu te apresento uma das mais brilhantes alunas que tenho neste ano. Diana Maria da Silva.

Mateus estendeu a mão e, sem graça, apertou a minha.

— Parabéns, Diana.

Não sei o porquê resolvi limpar sua barra.

— O Mateus não tem culpa de não saber meu nome. Até pouco tempo eu fazia outro turno por aqui e pouco nos cruzávamos. – Sorri para ele e concluí –Bem... agora preciso terminar meu trabalho. Aceitam um café?

— Por favor, traga também uma água, Diana. — pediu Mateus, que fez questão de frisar o meu nome.

Deixei a sala, após pedir licença e, ainda escutei o professor começar a contar a ele que eu tinha passado na primeira colocação no vestibular e era muito esforçada e inteligente, entre outras coisas que não fiquei para escutar.

Voltei um tempo depois com a bandeja, água para umedecer a garganta do assustado advogado e café fresquinho com alguns biscoitos para o meu professor. Eles se encontravam sentados no sofá e discutiam o funcionamento do escritório.

— Obrigado pela gentileza, Diana. — Apenas sorri de volta.

Eu me sentia nas nuvens. Dois eram os motivos: primeiro, ter meu professor como patrão. Segundo, ser enxergada e chamada pelo nome. Por que, além da Senhora Nancy, ninguém havia sido tão gentil comigo naquele lugar.

Dentro da universidade diziam que éramos todos iguais. Mas eu sabia que não passava de uma frase pronta e bonita. Onde estava a igualdade? Imagine uma sala com cinquenta alunos, quarenta e nove brancos e uma negra. E se reparasse um pouco, alguns um pouco mais morenos. Será que os negros não queriam estudar? Ter ensino superior? Não tinham vontade ou era falta de oportunidade?

E foi por presenciar tanta discriminação que eu decidi sempre ser a melhor naquilo que me propunha a fazer. Ser a aluna exemplar não foi por acaso, mas sim uma decisão, uma necessidade. Igual minha cor era diferente de todos, eu precisava manter essa diferença.

No final do meu expediente diurno, geralmente o escritório se encontrava praticamente vazio, mas não neste dia. Após ter trocado de roupa encontrei um rapaz muito sem graça me esperando na porta.

— Oi, senhor Mateus, precisa de alguma coisa?

— Conversar com você.

****

Oi, gente, saudade das postagens? Espero que sim.

O que acharam do Mateus? Parece que quer limpar a sua barra com a melhor aluna do novo chefe. 

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Desde já, muito obrigada.

Beijos Lena.

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