Capítulo 5
Quase não dormi a noite. Pensei em várias maneiras de resolver a situação, mas nada parecia apropriado, principalmente porque eu não tinha experiência.
Na escola, além do sono, pela noite mal dormida, fiquei um pouco aérea com os pensamentos flutuando na enrascada que mamãe tinha nos envolvidos. Tanto que a professora percebeu minha distração e no final da aula veio me perguntar se eu estava tudo bem.
— Diana, aconteceu alguma coisa? Você não está bem hoje, muito desatenta.
— Desculpe-me, professora. Estou apenas preocupada com uma situação que não sei como resolver.
— Posso te ajudar?
— Acho que não... mas talvez me aconselhar — fiz-lhe um resumo da história para ela.
— Você terá que contratar um advogado neste caso, eles saberão te orientar e falar com essa empresa, já que não aceitam a rescisão do contrato pedido pela sua mãe.
— Com que dinheiro, dona Carmem? — perguntei. Ela ficou pensativa e alguns segundos depois propôs:
— Procure o PROCON, eles podem te orientar e se precisar deve ter advogado do município.
— Verdade. — Sorri agradecida. — Muito obrigada, foi bom conversar e desabafar.
Iria fazer o que ela sugeriu, mas somente no dia seguinte, porque segunda-feira era dia de trabalho no escritório. E com o horário apertado, eu não tinha tempo nem de almoçar. Fazia um lanche reforçado e tomava um café mais tarde no trabalho.
Arrumava os materiais de limpeza quando a senhora Nancy veio falar comigo. Por um instante, achei que seria da proposta feita, mas não, ela apenas deu-me algumas orientações e elogiou minha dedicação em vir fazer o café nos dias não contratados. Acrescentou que teria um aumento no salário por isso. Pensei em perguntar a ela qual o valor de uma consulta jurídica. Porém faltou-me coragem. E era melhor não envolver as pessoas do trabalho, mesmo porque, ela não era advogada, mas sim uma secretária executiva, que fiquei sabendo entre uma conversa e outra.
Os estagiários, e os advogados contratados nem olhavam em minha direção, por isso não tive oportunidade de ter qualquer informação.
No dia seguinte, fui à prefeitura onde funcionava o PROCON e fiquei horas sentada em um sofá desconfortável à espera de ser atendida. Expliquei tudo e mostrei o papel assinado por mamãe e os carnês. Contei que no local não tinha nada além de terra e máquinas. Eles fizeram cópias de tudo e protocolaram o meu pedido.
O que me restava agora era esperar.
Mesmo assim resolvi ir à construtora conversar pessoalmente. Quem sabe poderia convencê-los que não tínhamos condições de arcar com tal dívida.
Depois de mais horas sentada em uma cadeira horrível, pior que o sofá da prefeitura, fui chamada. Uma assistente muito mal-humorada, perguntou o assunto, assim que mencionei, ela já me interrompeu e disse que os contratos de forma alguma poderiam ser rompidos.
— Mas moça, minha mãe não pensou direito, não fez as contas... — fui interrompida.
— E o que eu tenho a ver com isto! — respondeu ríspida.
— Você nada! Por isso estou aqui, pois vai afetar diretamente a minha vida, eu estudo e trabalho muito para ajudar pagar as contas lá de casa.
— Então faça faxina ou roda bolsinha para completar sua renda e pagar o que está assinado aqui no contrato.
Levantei daquela cadeira indignada com as palavras dela. Não era certo alguém que nem me conhecesse falar tal coisa. Minha garganta deu um nó que mal conseguia engolir. Aquilo era errado — gritava uma voz na minha cabeça. Eu vim aqui com educação pedir ajuda para resolver uma situação. Falar não, tudo bem, pois estava no direito dela, agora ser ofendida era outra história. Respirei fundo e pensei em minha mãe e minha avó.
— Senhorita, estou aqui na maior educação e você me trata mal. Posso fazer o porquê?
— Porque vocês podres não pensam antes de fazer as burradas e agora vem me perturbar e não me deixam trabalhar.
— Então moça, por favor, cancele este contrato e não falamos mais sobre este assunto.
— Se eu cancelar menina, todos os contratos que as pessoas veem aqui arrependidos, perco meu emprego e de vários que aqui trabalham.
— Quer dizer que não é somente minha mãe que se arrependeu?
— Você acha que tem apenas sua mãe sonhando com a casa própria? Muita ingênua. — Levantou e foi num armário guardar uma pasta.
— Vocês fazem isso com as pessoas simples por não ter instrução direito. Tenho certeza que Deus vai olhar por nós e, uma hora ou outra, vocês pagarão caro por usar-nos para crescer e enriquecer. Você tem noção de como trabalhamos para pagar nossas contas?
Ela não me respondeu e ainda me mandou sair, pois precisava atender outra pessoa.
Indignada e revoltada eu me retirei da sala e do prédio. Como ela podia ser tão insensível e mal-educada quando eu tentava ser o mais gentil possível, mesmo que no meu íntimo queria agarrar o pescoço dela e torcer, feito pano de chão molhado.
Fui para casa e não conseguia estudar, pensava o tempo inteiro como resolver aquela questão. Aceitar o trabalho fixo seria uma alternativa, porém compromete os meus estudos.
Dez dias se passaram e eu precisava dar uma posição no trabalho e não tinha resposta do PROCON sobre o meu processo.
Resolvi sair mais cedo da escola e ir até a prefeitura para saber alguma notícia do processo. Descobri que eles tinham mandado uma correspondência que não havia chegado. Isto porque, não tínhamos telefone.
O rapaz que me atendeu procurou pelo número do processo e deu-me outro papel com o resultado.
Foi negado a anulação, porém foi esclarecido que havia a alternativa de pagar uma multa para romper o contrato. Este estava em letras miúdas naquele papel, o que nos passou despercebida. Eram vinte por centos do valor total, pior, a ser pago em trinta dias. Muito dinheiro! Não tínhamos condições de pagar. O que fazer?
Chorei todo o caminho que me levava ao escritório. Deixei pelo caminho todos os meus sonhos de estudos. Ser médica. E ter a condições de proporcionar uma vida diferente à minha mãe.
Cheguei arrasada para trabalhar, mas cumpri minhas obrigações como de costume. No final do dia falei para a senhora Nancy que aceitava o trabalho integral. A partir do próximo mês meus horários serão alterados. Eu tinha duas opções: de sete da manhã às onze, com duas horas de almoço e, das trezes às dezessete horas. Ou das trezes horas às dezenove horas, fazer o horário corrido de seis horas.
Fiz uma contraproposta:
— Posso fazer do meio-dia e meia as dezoito e trinta? É o horário que estou acostumada a entrar mesmo, assim saio mais cedo.
— Claro que pode!
E foi essa a opção acertada, pois precisava conciliar os estudos. Este sonho eu não poderia desistir por causa de uma pedra. Mesmo que essa pedra fosse muito grande.
Sempre soube que nada vem fácil e que a luta é diária, principalmente para uma pessoa negra.
Contar para minha mãe a notícia cortou meu coração. Ela chorou muito e eu mais ainda, mas combinamos ser fortes. E o mais viável era pagar aquelas prestações, pois no final das contas era menor que o montante da multa.
Desta forma, todas as mudanças que aconteceram. Eu passei a me questionar sobre o vestibular. A cada dia, eu me envolvia no escritório, escutava as conversas e os assuntos sobre os processos. As questões eram interessantes e me dava até vontade de fazer algumas perguntas, mas fiquei quieta porque não tinha intimidade com ninguém. Apenas guardava no meu coração e esperava para saber o desenrolar dos acontecimentos e os resultados das causas. Os advogados eram bons, raramente escutava falar que perdiam causas. E mesmo quando acontecia eles entravam com novos recursos.
Por estes e outros motivos, decidi que iria prestar vestibular para direito. A concorrência era menor e naquele momento da nossa vida percebi que, pessoas simples como nós, tinham mais necessidade de um advogado que mais um médico.
No entanto, eu queria ser diferente daqueles com quem eu trabalhava, queria olhar para as pessoas e saber as necessidades delas, independentemente de sua cor e situação financeira. E outra, não tratar os funcionários simples como invisíveis. Cada pessoa tem o seu valor dentro daquilo que faz, igual foi o meu caso. Eles sentiam falta do meu trabalho quando eu não estava. Porém, para eles, pagar meu salário já era o suficiente. Não percebiam que algumas palavras de reconhecimento como um simples, muito obrigada, poderia fazer muita diferença. A única pessoa que sempre falava comigo e me elogiava era a senhora Nancy.
E dela eu nunca iria esquecer de retribuir seu carinho.
Todo sonho precisa ser ajustado quando um obstáculo entra no caminho. Isso não é desistir é mudar de rota.
Diana continua sonhar e correr atrás daquilo que sempre quis: conhecimento e formação.
Continue aqui dando sua opinião e sonhando junto.
Beijo
Lena
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