Capítulo 1
Eu corria livre e me escondia entre as árvores de frutas da fazenda Jequiri, morava com minha mãe, meu tio, duas tias e meus avôs. Gostava de brincar na terra vermelha com outras crianças: primos e vizinhos. Minha única preocupação naquela época, aos cinco anos de idade, era ser pega e acabarem por descobrir o meu esconderijo secreto.
No entanto, os anos passaram... comecei a sonhar e desejar outras coisas e ter outras preocupações. Aos seis anos veio a vontade de estudar e ter um caderno para desenhar as letras, igual ao de minha prima Rosinha, que já estudava na cidade.
— Mãe, eu quero um caderno, um lápis e uma borracha — soltei as palavras um dia após o jantar.
— Prá quê minina? — perguntou minha avó, sem virar a cabeça para o meu lado — Deixa de 'inventá' moda!
Minha mãe me olhava com o pensamento longe.
— Eu quero vó Nega! A Rosinha, de tia Nadica, tem caderno, lápis e folhas brancas, mas eu quero aprender a escrever meu nome na linha de um caderno só meu.
— Deixa de bobagem que essas coisas não são para "nois"! Está na hora de "ocê" aprender a roçar e ajudar sua mãe na lavoura.
— Mas eu já sei desenhar meu nome — falei, cheia de orgulho.
Neste momento, todas as cabeças da mesa de jantar se voltaram para mim e, nos olhos de cada um tinha uma pergunta explícita: como isto seria possível?
Não facilitei. Esperei que as palavras fossem ecoadas pela cozinha de chão cimentado e colorido de vermelho, que era aquecida pelo fogão a lenha. O único som que se ouviu por um tempo foi o estalar do fogo que queimava os galhos secos.
Até que meu avô surgiu da despensa, um pequeno cômodo separado da cozinha onde se guardavam os mantimentos, com o seu tradicional cigarro de palha entre os dedos, perguntou:
— Que novidade é essa? Como 'ocê' poder 'iscrivinhar' sem um 'fessor' pra te 'insinar'?
— Dora, irmã de Rosinha, vem toda tarde depois da escola e dá aula para nós — expliquei.
— Prove! — mandou.
Levantei do banco de madeira, peguei um pedaço de carvão que se encontrava separado num canto da cozinha e escrevi no chão vermelho com letras redondas e bem desenhadas: Diana Maria da Silva.
Levantei-me, cheia de mim do meu feito, meus olhos se encontraram com os da minha mãe que brilhavam. Ela esticou os braços e me acolheu com beijos e disse baixinho no meu ouvido:
— Estou muito orgulhosa de você. Amanhã eu te compro um caderno e lápis.
Foi assim que ganhei meu primeiro passo para sonhos maiores.
Um dia, ajudava minha mãe na colheita do café e matutava como entrar no assunto que tanto martelava minha mente: estudar. Não podia concordar que por ser negra, pobre e filha de mãe solteira, seria um impedimento para alguém adquirir conhecimento.
— Mãe, quando vou para escola? — perguntei.
— Não sei, filha — respondeu, continuou seu trabalho e depois de um tempo olhou para mim, completou: — se depender de seus avôs, eu acho que nunca.
— E se depender de você?
Ela parou tudo e abaixou do meu lado. Fez um carinho no meu rosto e com lágrimas nos olhos respondeu:
— Se dependesse apenas de mim, você já estudava desde quando completou seis anos. Mas quando falei com seus avôs, — Ela abaixou a cabeça triste. — eles pediram para eu não colocar bobagem na sua cabeça.
— Por quê?
Ela me puxou para sentar no chão batido de terra mais a sombra e disse que me contaria uma pequena história.
Começou assim:
— Quando eu tinha um pouco mais de sua idade fui para a cidade estudar. Morei por um tempo na casa do seu tio Pedro, irmão de seu avô e voltava para roça apenas no final de semana. Concluí o primário. Depois já mais mocinha, fiquei ajudando nos afazeres da casa para continuar os estudos. Seu avô mandava farinha, rapadura, queijo, leite e mais algumas coisas para ajudar nas minhas despesas. Conheci seu pai e ele me prometeu o mundo — Ela parou por um instante —, mas não foi o que aconteceu.
Sabia que meu pai era um rapaz branco, de uma família importante da cidade e que ele se encantou pela garota linda, inocente, mas negra e pobre. O que fez toda diferença para não assumir um compromisso.
— Depois que engravidei ele virou as costas para mim, deixou-me sozinha para enfrentar seus avôs e sua criação. O restante da história você já conhece. Voltei para a roça sem completar os estudos e não saí mais daqui.
— Sim, eu conheço. A vovó já contou um milhão de vezes, mas eu quero estudar e um dia ser médica.
Ela me abraçou. Chorou em silêncio por um tempo e de repente, falou firme:
— Você tem razão, não pode pagar pelo meu erro.
— Eu sou um erro, mãe?
— Claro que não! Você é o meu maior acerto na vida. Olhe para você! Linda, inteligente e ainda sabe bem o que deseja na vida.
— Eu, linda? Não exagere. Inteligente e cheia de vontade acertou.
— Sim! É linda! — Fez-me levantar. — Quem tem essa cor de jambo por aqui? E este cabelo caindo em cachos? Sabia que as madames vão ao instituto de beleza para deixa-lo assim?
— Pare com isso — falei envergonhada —, a senhora fala assim porque é minha mãe. Eu sou magrela e tenho pernas grossas e bunda grande. As meninas gostam de me chamar de bunda de tanajura.
— Sempre me chamaram assim também. Nisto você me puxou. — Em seguida, segurou meu rosto com as duas mãos e me prometeu: — Não sei como, mas vamos para cidade e você será a médica que sonha ser.
— E se vovô não permitir? Eu desconfio que ele não vai aceitar. Tentei falar algumas vezes com a vovó e ela me disse brava que eu não deixasse ele escutar, porque seria capaz de rasgar meus cadernos.
— Ele não faria isso.
— Tenho minhas dúvidas. Ele vira o nariz toda vez que me vê com caderno ou livro de história nas mãos.
— Você confia em mim?
Balancei a cabeça que sim. Ela me abraçou e beijou minha testa. Ficou pensativa pelo resto da tarde.
Olá queridos (as) leitores, aqui estou eu te novo e trazendo algo novo para vocês.
Essa história falará sobre racismo e a mistura de raças, que cada dia é mais frequente, mas ainda geram muitos preconceitos.
Este preconceito vem de todos os lados, infelizmente, porém a mulher tem alcançado cada vez mais sua autonomia e mostrado que a cor de pele e nascer em berço de ouro não é garantia de competência.
Essa história vem mostrar tudo isso.
Conto com vocês, como sempre.
Beijos e até mais.
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