5 - O SANGUE, A UNIÃO E A CHEGADA

— Miguel, o que faremos? — Pergunta Thell, passando a palma da mão por cima das planícies altas, verdes... quase amarelas. Eles estão bem perto da cidade  de Sodoma. Talvez, não tenha um quilômetro da entrada principal.

— O que nos foi dito para fazer. — A resposta dada pelo líder dos arcanjos é direta. Sem arrodeio. Thell não sente secura na resposta de Miguel, e sim apreensão.

— Mas, e as pessoas inocentes? Vamos deixá-las morrer? — A pergunta de Thell, volta a apreensão para seu lado, como se esse sentimento fosse igual uma bola de pingue-pongue.

— Você entende que Ele nos ouve, não é mesmo? — Miguel pergunta com um pequeno sorriso nos lábios. Agora, sendo a vez dele de admirar a relva verde. — A criação é linda.

— Eu sei que o Eterno nos ouve, mas não posso deixar de expressar o que penso e o que sinto.

— Thell, somente enxergamos o agora e não o todo.

— Sim! E o agora me diz que podemos salvar essas duas cidades. — Miguel para ao ser tocado no ombro esquerdo pelo general, e olha no semblante apreensivo do irmão de armas.

— O que você está pensando? — Pergunta Miguel calmamente.

— Para que formos criados? — Miguel sabe que uma das respostas é cuidar dos humanos.

— Thell, você sabe muito bem qual é a resposta, como também sabe que não podemos interferir no dia que chega a hora da morte deles.

— Mas, e se não for o dia das pessoas dessas cidades morrerem? — Miguel volta a caminhar. — Se não for o dia delas morrerem?

— Então, não morrerão! Mas, você sabe que deliberadamente, estamos indo contra uma ordem direta do Altíssimo?

— Preciso de dois dias! No máximo! — Pede Thell.

— Impossível! Não temos esse tempo. O Anjo da Morte chegará de hoje para amanhã. — Fala Miguel franzindo o cenho.

— E se eu conseguir provar que tem mais de dez inocentes nas cidades? — Insiste o general.

— Você mesmo ouviu! O Eterno prometeu para Abraão, que não iria destruí-las. Mas, lembre-se que a nossa missão é tirarmos Ló e sua família de Sodoma, antes que o arauto da destruição chegue com seu exército.

— E como ele é? O Anjo da Morte?

— Eu nunca os vi em ação.

— Então, o Anjo da Morte é um exército?

— Sim. Sobre o comando de Abaddon. Esse eu conheço muito bem. Ele é sedento pela mortandade dos humanos.

— Abaddon? O destruidor? Ele é mais poderoso que você? — Miguel para de caminhar, arqueia as sobrancelhas e sorri, com a pergunta de Thell.

— Irmão, não trata-se de quem seja mais poderoso ou não, mas, quem está obedecendo o Eterno. — Os dois voltam a andar. — O Altíssimo sempre é justo Thell. Ele mesmo está aqui. Nesse plano. Olhando tudo.

— Por que o Eterno não desceu conosco, até as cidades?

— Porque confia em nós. E espero que depois de hoje, continue confiando. — Thell suspira. Entendera o recado dado pelo líder dos arcanjos. Miguel, também não está de acordo com a sentença das cidades. Porém, conhece bem de perto a benevolência do Altíssimo e misericórdia. Ele sempre irá escolher a vida.

— Façamos assim, a noite já está chegando. Quando entrarmos na cidade, seguiremos para a casa de Ló. — Ordena Miguel. — E no trajeto observaremos o quanto a cidade merece ou não o perdão.

Os arcanjos entram na cidade, a noite. O movimento aumentou muito nas últimas horas. Principalmente de pessoas vindas de todas as partes circunvizinhas. Desejando um lugar para dormir e seguir pela manhã.

Thell, com um capuz de pano, lembra um leproso encurvado, e Miguel, um pária qualquer... eles começam a circular pela cidade. Observando tudo. Porém, sentem o peso no ar que respiram.

Mais adiante, o que eles veem, o deixam repugnados. Há casas, dentro da cidade de Sodoma, criadas para escravidão sexual infantil... na verdade, todo tipo de escravidão sexual.

— Eu sei que você está aí na escuridão, estranho. — Alerta Miguel. Duas brasas vermelhas iguais ao fogo do inferno se acendem. Um homem nu, branco como a lua, mas com o corpo lavado em sangue, aparece vindo da escuridão na direção dos dois celestiais. Os seus cabelos negros são iguais a noite mais escura. E na sua mão direita uma espada feita de purílio, o metal de grandeza celestial.

— Bel-Sar-Uxur. — Fala Thell sem expressão alguma na sua voz.

— Vocês são amigos? — Ironiza Miguel, o líder dos Arcanjos.

— Não general. Estamos em lados totalmente diferentes. — O meio humano, que tem correndo em suas veias o sangue da Princesa Ishita, aponta sua espada para o general, de onde caem filetes de sangue, que se desprendem pela extensão da navalha, caindo no chão.

— Eu matei Nimrod. O mestre dele, quando destruímos A Torre de Babel. — Fala o general Arcanjo, sem tirar os olhos de Bel-Sar-Uxur. — E, devo dizer que poucos conseguem esconder-se tão bem quanto você... assassino de inocentes.

— Sou um assassino, não nego. O pior deles? Sim. Porém, não tive escolha. Eu estou preso entre dois mundos Arcanjo... a morte é minha esposa? Sim. Estou casado com ela não por opção? Não.

Thell aproxima-se de Bel-sar-Uxur.

— As suas palavras, embora estejam cheias de ódio e vingança, não nos mostram o seu real motivo em arriscar sua vida. — Thell olha fixamente para Bel-Sar-Uxur. — O que você sabe que não sabemos? — Miguel, não sai da posição de ataque, mesmo que pareça apenas observar o desenrolar da conversa.

— Eu sei que vocês perceberam a ausência de guardas.

— Sim. De fato percebemos.

— Ali não são crianças. Já foram um dia...

— Fale mais. — Pede Thell.

— Quando cheguei hoje pela manhã, sentir odores familiares. — O metade humano, recolhe a espada. — O sangue puro, tem um cheiro peculiar... porém, para minha surpresa, não há sangue puro correndo nas veias das pessoas dessa cidade.

Thell franze o cenho e diz:

— Sodoma e Gomorra são armadilhas para humanos. Ovelhas atraídas para o matadouro.

— Exatamente arcanjo. E antes que me pergunte como sei disso, no hotel onde estou hospedado, há três corpos... você me entende... a sede, a fome... mas, a mulher tentou prender-me sobre um encanto que a muito tempo deixou de existir. Porém, para azar da bela mulher, não funcionou comigo e vocês também já sabem o destino que a dei.

Miguel junta-se a dupla. Bel-Sar-Uxur continua:

— Eu só escutei esses cânticos nas alcovas do meu mestre Nimrod. Logo, vocês entenderam o quão é antiga essa magia.

— Sim. Entendemos. — Responde Thell preocupado. — A mulher aprendeu com os anjos da segunda queda.

— Como pode ser isso? — Pergunta Miguel desconfiado. — Todos os duzentos rebelados estão presos, acorrentados e untados a montanha.

— Então, os humanos que estão aqui dentro, servem de alimento.

— Exatamente isso. E todos os outros estão ligados a um mestre.

— E quem seria esse mestre? — Pergunta Thell.

— Alguém que igual a mim, sobreviveu à sua destruição general... Caim.

— O filho de Lilith com Lúcifer. — Miguel fala pesarosamente.

— E os sangues de quem você bebeu, lhes mostraram tudo isso?

— Exatamente general. Esse é um dos meus dons, se isso pode ser chamado assim. Porém, como há dois arcanjos de guerra, sendo um deles — Bel-Sar-Uxur olha diretamente para Miguel. —, o braço direito do Altíssimo, as cidades estão condenadas. Estou errado?

— Não. Porém, suas informações nos deram bem mais do que precisávamos. — Thell olha para Miguel e diz: — Temos bem mais que dez inocentes aqui.

— Verdade. — Bel-Sar-Uxur, entende a conversa dos arcanjos e pergunta:

— Se existirem dez pessoas inocentes, vocês não destruirão as cidades?

— Sim. — Responde Thell, olhando para Bel-Sar-Uxur e depois para Miguel.

— Eu posso ajudar a acabar com isso.— Porém, depois que o meio humano termina de falar, algo estranho acontece.

Primeiro vários silvos longos.

Depois sete muralhas de fogo começam a envolver as duas cidades, como se fossem as serpentes dos desertos, sufocando suas presas antes de devora-las.

— Eles chegaram. — Sentencia Miguel. — Não temos mais como ajudar. Vamos seguir com o que nos foi pedido e tirar Ló e sua família dessa cidade.

— Eles chegaram? Quem são eles? — Pergunta Bel-Sar-Uxur.

— O Anjo da Morte. — Responde Thell e continua: — Vejo que ficou confuso com a resposta. O Anjo da Morte é um exército celestial liderado por Abaddon. Essas muralhas de fogo, a cada minuto que passa, diminuirá de tamanho até passar pelas muralhas de pedra, queimando a tudo e a todos.

— Quem está dentro não pode sair, e quem está fora não pode entrar. — Miguel sentencia o destino de Sodoma mais uma vez.

Bel-Sar-Uxur xinga em sumério.

— Eu vou até Caim, ganhar tempo para vocês.

— Por que você está fazendo isso? Por que se importa com essa cidade? — Pergunta Miguel.

— Porque um dia fui inocente, arcanjo... igual a essas pessoas que estão hoje nessa cidade. Pessoas que acreditam que encontraram descanso e comida... mas, ao que tudo indica... de um jeito ou de outro, encontrarão a morte. Porém, eu não vou abandoná-las como eu fui.

— Nem eu. — Afirma Thell, acendendo seus olhos iguais as chamas vivas.

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