2 - MONTE SEIR
O general Arcanjo Thell está em pé no cume do Monte Seir, observando toda a planície da cidade de Canaã. Suas imensas asas revestidas de Purílio, descansam fechadas, atrás do guerreiro.
Em sua mente, as lembranças da última batalha, ainda ecoam de forma assertiva em seu ser. O mundo mudou muito nesses últimos anos. Transformou-se em algo pior e mais perigoso. O homem criado pelo Eterno, continua em sua evolução intelectual, porém a evolução humana mais vista e realizada é a da maldade.
Desde a queda da Torre de Babel e do palácio do rei Nimrod, um rastro de sangue vem sendo deixado pelo caminho. Não é qualquer rastro, mas um bem específico. Thell sabe que alguém escapou naquele dia.
Um guerreiro da Ordem Drackul fugiu, alimentando-se do sangue dos seus iguais, e de dois homens, que estavam procurando espólios no meio das ruínas do palácio. Depois uma família de nômades foi toda dizimada. Todos eles foram encontrados sem sangue dentro ou fora dos corpos. Enfim... o rastro da fera, parece que está cada dia mais perto. O que deixa Thell mais impressionado, é a habilidade que o mesmo tem de conseguir esconder-se e fugir dele.
— Thell. — O Arcanjo vira-se. Allende encontra-se ao seu lado e pergunta. — Consegui chegar de surpresa?
— Você nem imagina o quanto. – Allende percebe uma certa ironia na resposta do General. — Irmão, você estava voando a favor do vento. — Quando Thell estava preparando-se para abrir as asas e voar até depois do sétimo céu, Allende diz:
— O Eterno não está lá. — Thell recolhe as asas.
— Como assim? — Pergunta surpreso.
— Ele desceu. Está aqui na Terra. O Eterno o aguarda no pé do monte, juntamente com Miguel. — Allende percebe um movimento diferente na cabeça do General, juntamente com o franzido dos olhos que ainda estão em fogo brando. A preocupação no rosto do general é notória. Com sua velocidade angelical, o general desce o Monte Seir, chegando exatamente onde o Eterno encontra-se.
Thell, acha mais estranho o Eterno ter assumido uma forma humana. Ele não sabia que isso acontecia. O Arcanjo Miguel está parado ao lado direito dEle. O general aproxima-se e ajoelha-se perante o Pai de toda criação.
— Meu Pai. — O Eterno, levanta-o e abraça o general que olha para Miguel sem entender nada. A serenidade do General de todos os Arcanjos é absurda e silenciosa. Embora haja um fio de riso na boca dele.
— Meu filho, preciso que venha conosco, estou indo visitar um amigo. Ele já está bem velho. Mas, não seria somente por isso. Eu irei visitar Sodoma e Gomorra, e preciso que venha conosco.
Miguel continua em silencio.
— Vamos caminhando até à casa dele. – Fala o Eterno. — Não fica muito longe, além de poder aproveitar da companhia de vocês.
Abraão está sentado fora da tenda. Escutando Sara, falando lá de dentro, alguma coisa com sua serva. O patriarca abana-se com folhas de carrapateiras... o calor está ficando insuportável.
Sentado e pensativo, suas lembranças vão variando, entre um passado distante, e outro mais recente... Ló, seu sobrinho que mora em Sodoma.
As memórias mais distantes, remetem para aquela noite, que o Eterno o chamou fora da tenda e o pediu para olhar para o céu escuro. Não havia uma nuvem se quer, no céu. Foi a primeira vez que o Eterno apareceu a ele. No início pensou até que fosse coisa da mente. Uma loucura. Devaneio. Mas, foi real.
Os seus familiares o chamaram de louco, quando ele saiu com toda sua família e servos, de Ur dos Caldeus, para uma terra que seria dada pelo seu novo Deus.
Ur dos Caldeus, era uma das maiores cidades da sua época, os deuses pediam tudo. E os sacerdotes cobravam caro, para realizar os desejos dos deuses.
Porém, com esse foi diferente. Ele não usava sacerdotes para falar diretamente com Abraão. "O amigo", como o patriarca começou-o a chamar, quase sempre chegava durante a noite para conversarem.
Abraão fez o que foi lhe pedido. Ele deixou tudo pra trás e seguiu para um lugar, que seria dado a ele e toda sua descendência.
O Eterno disse que a descendência dele, seria igual as estrelas no céu e as areias da terra. Mas como? Se Sara não pode ter filhos e a idade avançada já alcançou os dois?
Abraão suspira.
A idade realmente havia começado a pesar nas suas costas a muito tempo. Cem anos não são cinquenta anos. Isso é lógico. O patriarca pega o cantil feito de barro vermelho, vira-o, colocando água no seu copo feito de cerâmica Cananéia.
Quando ele termina de se esbaldar com água. Ele percebe três homens parados perto dos carvalhos de Manre. O coração do patriarca acelera de felicidade. O seu Deus está ali. O Patriarca corre ao encontro do seu amigo.
O Eterno vendo o amigo, correndo em sua direção, alertou a Thell e Miguel:
— Ele não sabe para onde vamos, e nem o que acontecerá. Não comentem nada. O sobrinho dele mora em uma das cidades que visitaremos. — Abraão cai diante do Eterno. Curvando-se até o chão quente, e diz:
— Meu Senhor, o que vou pedir não é muito, mas, suplico que se mereço sua amizade, não passe pela minha casa, sem que coma alguma coisa.
Thell olha para Miguel. Eles não precisam de comida. Nem descansar. Quanto mais o Eterno... Miguel entende o que Thell está pensando, porém, volta sua atenção para Abraão, que segue falando:
— Meu Senhor, mandarei buscar água para vocês! Sentem ali na sombra daquela árvore. A comida não vai demorar muito, e trago até vocês para que recobrem as forças e sigam sua jornada.
O Eterno sorri para o amigo e coloca suas duas mãos sobre os ombros de Abraão, e fala:
— Está bem então. Faça do jeito que você quiser. Vamos esperar ali na sombra, como você está pedindo. — Depois que Abraão retira-se, os três fazem conforme o pedido do patriarca e seguem até a sombra da árvore.
— Sei que você está pensando do porquê de tudo isso. — Thell arqueia as sobrancelhas, ao ouvir o Eterno falar com ele. — Nesses últimos cinquenta anos, tenho visitado Abraão, quase todas as noites. — O Eterno olha para o Arcanjo Thell. — Ele sempre me oferece mais do que peço. Na verdade, a única coisa que o pedi, foi que acreditasse que o que tenho é o melhor para ele, e saísse do meio da sua família, para um lugar que o mostraria. E sabe o que ele me disse?
— Não meu Senhor.
— Nada. Abraão no outro dia já estava pelas estradas dos desertos. Thell, eu não preciso de comida. Não tenho sede. Eu sou o que sou. Mas, eu paro para ouvir um coração humilde e agradecido. Abraão ele crê no que não vê. Consegue imaginar isso?
— Não tenho condições meu Senhor.
— Vocês me conhecem. Estão sempre comigo. Abraão poderia ter escolhido ficar com sua família em Ur dos Caldeus... continuar onde sempre viveu, mas, ele me escolheu. Abraão creu na esperança. A fé no invisível. Entende isso General?
— Não, mas sei o quanto isso significa para o Senhor.
Miguel já estava acostumado com essas caminhadas do Eterno. E por isso mesmo, permanecia calado. Porém, não conseguiu segurar o sorriso.
— E o que significa para mim Thell?
— Amor meu Senhor. Ele o ama pelo que és, independe aonde ou como seja essa terra prometida. Abraão sabe que, o que o Senhor tem pra ele, é o melhor. Não tenho dúvidas que a descendência dele será numerosa!
— Ele não tem filhos Thell. — Fala Miguel pela primeira vez. — Abraão acredita no impossível. Quando eles se casaram, Sara já não podia ter filhos, imagine agora com noventa anos.
Thell suspira. Embora eles não sejam atingidos pelo tempo, sabem o que é morrer.
— Um amigo acredita no outro, mesmo quando tudo em sua volta diz o contrário. — Fala o Eterno. — Abraão é meu amigo, e Eu sou dele. Logo, eu vou honrá-lo e vamos comer com meu amigo Abraão.
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