6. VIDA

Não há uma raça mais desprezível do que a dos humanos. Sua convicção em serem os donos da verdade é o que os torna tão destrutíveis e manipuláveis. O que me deixa surpreso é que nunca nenhuma bruxa chegou até onde eu cheguei. Levanto-me de minha cama com a luz do sol em minha pele, sinto o calor agradável enquanto caminho em direção ao espelho quebrado. Com um único movimento os cacos se ligam novamente sem deixar um único rastro de que já esteve em pedaços.

Olho para o meu reflexo no espelho e verifico meu abdômen, já se passaram alguns dias desde o ritual, eu podia sentir algo se mexer dentro de mim, era uma sensação estranha mais ao mesmo tempo fantástica. Seria isso o que uma mãe senti ao ter um bebe em seu ventre, crescendo. Mas ao contrário de uma criança eu tinha um sacrifico a oferecer, a última parcela do preço a ser pago pelo meu poder.

Quando tomei a decisão anos atrás, eu perdi o direito aos sentimentos mais básicos a um ser humano. Eu não poderia sentir amor, compaixão ou qualquer outro sentimento que me tornasse fraco para a missão que me foi dada. E ter Jhon nesta cidade novamente e agora um bebe que seria humanamente impossível ter e que eu não poderia criar nenhum laço.

— Pensando em coisas desnecessárias novamente? – Tituba entra no quarto e se posta atrás de mim, suas mãos passando pelo meu ventre.

— Não seja tola.

— É o que espero. Parece que você anda um pouco distraído ultimamente. E você sabe que precisa ter toda a sua atenção a nossa causa.

— Eu sei perfeitamente disso. – disse caminhando em direção ao guarda roupa e me vestindo.

— Ótimo, mas nunca imaginei que teria coragem de matar o Currey. Ele não era uma espécie de pai para Jhon.

— Ele era apenas um obstáculo a mim e aos meus objetivos.

— Espero que pense da mesma forma caso ele se torne um estorvo a você.

— Não se preocupe com isso Tituba – disse irritado encerrando o assunto.

As labaredas de fogo dançavam na lareira, as noites em Salem costumam ser frias e não há muito o que se fazer numa cidade tão pequena. Meu corpo estava ereto na poltrona enquanto eu lia um de meus livros sentido o calor das chamas tocar-me a pele, mas eu estava ali não para ler como de costume, mas aguardava uma visita que foi anunciada pelo ranger da porta.

— Você teve um dia ocupado – digo mantendo meus olhos no livro – Quando estava planejando me contar que havia prendido Jhon Aurus? Antes ou depois de inforcalo?

— O homem é um canhão solto. Ameaçou os conselheiros na frente da metade da cidade. – cada palavra dita por Hale saia devagar e cadenciada, tranquila.

— Se ele é um problema... É meu problema – digo de maneira incisiva.

— Com todo respeito – sua voz ganha um tom de cautela – Ele poderia se tornar um problema para nós.

— Meu amado protetor e benfeitor controla Salem e eu controlo ele. Você não faz nada sem minha permissão – abaixo o meu livro e o olho nos olhos impondo meu poder a ele – Com todo o respeito.

— Sim senhor. – Hale se vira em direção a porta, seus pés ecoando a cada toque com o piso de madeira.

— Preocupe-se com uma coisa senhor Hale. – digo elevando minha voz um a oitava – Descubra quem quebrou o nosso círculo. – Arnald se vira e me olha novamente – Volte para a floresta, encontre o vidente. Os olhos dele estavam lá.

O som de suas botas volta a ecoar sob o assoalho enquanto coloco meu livro na pequena mesa ao meu lado, levanto-me e sigo em direção as escadas, Tituba me acompanha em silencio até meu quarto, após passar pela porta ela a fecha e me olha.

— O que vai fazer?

— Vou ver nosso prisioneiro.

— Jhon?

— Sim. – a olho vagamente enquanto pego um sobretudo negro e coloco sobre meus ombros e sigo novamente em direção a porta.

— Deixe-o lá.

— Mas preciso que ele saia para continuarmos.

— Então... – ela parece confusa.

— Confie em mim, Tituba.

Sigo pelo corredor em direção a escada, desço os degraus e caminho em direção a porta. Já fazia muito tempo desde que coloquei meus pés na rua de maneira tão visível. Eu tinha uma reputação a zelar e todos os cuidados eram tomados para que isso se mantivesse intacto. O som do cascalho e da areia abaixo de meus pés só indicavam até onde eu estava indo.

As tochas estavam acessas e não fazia muito tempo que o ultimo inquilino havia sido morto no centro da pequena Salem esmagado por pedras. Havia um grupo de guardas a postos, quando notaram minha aproximação se levantarão, dando uma leve curvatura em sua postura, seguido pela frase que comumente ouço pela posição que ocupo.

— Senhor Sibley. – a voz grave do chefe dos guardas toca meus ouvidos.

— Abra.

— Sim senhor.

Ele se vira rapidamente, suas mãos seguem em direção ao molho de chaves que está preso em sua cintura, ele procura pela chave certa e a encaixa na fechadura e sem seguida ouço a porta velha ranger em oposição a ação executada. Ele a segura enquanto adentro o pequeno ambiente. Olho para Jhon enquanto dou as ordens.

— Agora saia. – ele se curva novamente e se distancia. – Salem enforca homens pelo o que você fez. Ameaçando os conselheiros.

— Nada ira impedi-lo.

— Eu nunca deixaria isso acontecer.

— E onde estava a compaixão quando Currey estava sendo esmagado até a morte?

— Esta livre para ir – eu estava confuso quanto a essa decisão? Preciso ser forte – Mas o conselho exige que você deixe Salem e nunca mais volte.

— O conselho ou Marcos Sibley? – ele se aproxima das barras de ferro me olhando nos olhos.

— Estou tentando salva-lo – quando eu deixei que minhas emoções, que meus sentimentos dominassem minha mente. O que eu sentia por aquele homem era tão forte e poderoso assim? Meus olhos não conteriam as lagrimas por muito tempo eu precisava ser rápido – Você não pertence a esse lugar.

— E nem você. – porque ele insistia em tentar me persuadir?

— Eu disse a você, eu não posso ir.

Seus olhos procuravam algo em minha face, ele não compreendia o motivo e nem deveria.

— Da última vez que chequei, seu marido não tem condições de impedi-lo.

— Sua confiança me surpreende capitão. Imaginou que eu iria recebe-lo de volta com lagrimas de alegria? – meus olhos se esforçavam para que uma gota sequer rolasse por minha face. – Como incrivelmente ingênuo você é. Tarde demais. Acabou. Eu não quero você aqui. – as palavras me machucavam mais do que imaginei, minha voz saia embargada me entregando a ele.

— Quase acredito em você. – ele está confiante em cada palavra dita, seus olhos sempre presos ao meus, lendo-me como um livro sem segredos.

— Saia de Salem agora ou será enforcado.

Ele se movimenta em direção a outra ponta da cela passando por mim, me viro ainda sentindo seu cheiro enquanto seus pés caminham devagar em direção a pequena escadaria onde alguns jovens estão sentados ao redor de uma fogueira improvisada.

— Senhor. – uma das garotas lhe estende a mão.

Ele as olha e coloca a mão em seu bolso, ele a mantem lá por alguns instantes, seus olhos estão presos no grupo de adolescentes, mas logo se desprende lhe entregando a metade de uma moeda de prata.

— Obrigada. – diz a garota ao receber a esmola.

Jhon não olha para trás e continua seu caminho em meio a escuridão das ruas de Salem. Esse era o melhor caminho, se eu queria protege-lo ele deveria sair desta cidade, eu não poderia mais ama-lo e o mínimo que eu poderia fazer por ele era tira-lo do mesmo destino que os demais habitantes desta cidade sofreriam.

Meus olhos estavam presos as postas da pequena igreja de Salem. Meus braços se esticaram e a empurraram fazendo com que ela se abrisse, caminhei em direção ao pequeno grupo de jovens que estava sentado olhando para Emment que estava preso com correntes e cordas em uma espécie de cruz próximo ao púlpito.

— Nossas preces já foram atendidas? – todos me olham – O pobre Emment melhorou?

— Nós não deveríamos estar orando para que Deus faça algo que nos mesmos podemos fazer. Emment Lewis não está sofrendo do trabalho de bruxas ou demônios, mas de alguma doença física ou febre da mente. Ele está pendurado como um animal. – olho para Jane Pirce enquanto caminho em sua direção para que eu me encontrasse frente a frente com ela.

— Ele quebrou suas cordas três vezes em casa, para não mencionar o braço de seu pai. Ele mordeu o dedo e comeu pedaços de sua própria carne. Emment deve ser protegido de si mesmo e nos dele. Não há lugar melhor para proteger ambos do que a casa de Deus.

— Acho que os conselheiros estão explorando sua condição para criar medo em Salem. Esta... esta chamada histeria de bruxas é mais uma tentativa dos puritanos para nos controlar. – ela está nervosa, enfrentando seus medos a fim de me confrontar.

— Senhorita Pirce – eu me aproximo – Por favor... tenha cuidado com as palavras que diz. – Seus olhos que antes refletiam a coragem, agora estavam amedrontados dentro das orbitas. Não posso esconder que é divertido ver toda essa situação – Para ouvidos menos simpáticos, poderiam soar como palavras do próprio diabo.

Ela abre a boca, mas fecha novamente. Sua mente está calculando o quão perigoso foi ter dito cada uma daquelas palavras. Aquele era o momento de tentar conserta-las, já que eu sou um membro importante do conselho.

— Desculpe se minhas palavras foram severas. As vezes a minha língua fala na frente da minha mente.

— É compreensível. – Olho para o tronco de madeira onde Emment está acorrentado – Esses são tempos difíceis para todos nos.

A chama tremulava com a brisa noturna, as folhas secas que estavam no chão frio estalavam com nossos passos. O manto negro nos esquentava enquanto os grilos nos acompanhavam em sua cantoria melancólica.

— Estou ficando enjoado. – disse a Tituba.

— Calma, você só precisa descansar um pouco.

Encosto meu corpo em um troco retorcido de uma das arvores que há no caminho até a pequena clareira.

— A ironia é que eu nunca pensei que poderia me encontrar neste estado. Isso é impossível. – olho para o pequeno volume em minha barriga.

— Os conhecimentos dos homens são limitados Marcos. Mas para ele, não há o impossível.

— Acho que vou vomitar.

— Calma jovem mestre. – dizia ela. – Não estamos longe.

Paramos ao chegar na clareira no meio da floresta, nos aproximamos da enorme parede de pedra que havia próximo a velha e morta arvore de tronco e galhos retorcidos que se encurvava em forma de chifres. Tituba me sentou próximo a pedra e catou alguns gravetos e os juntou, pegou a tocha e incendiou os gravetos, fazendo uma pequena fogueira para nos esquentar.

— Aqui jovem mestre. – disse ela me puxando.

Havia um cobertor no chão, me deitei sobre ela enquanto ouvia as folhas secas se partirem em vários pedaços. Tituba começou a tirar a minha roupa, meu corpo estava completamente nu, em suas mãos há um pequeno frasco com óleo, ela fecha os olhos e se concentra.

— Vamos começar.

Ela pegou um pouco de óleo, passou em meus lábios, seus dedos desceram pelo meu pescoço e meu peito em linha reta. Sob a minha barriga ela derramou uma quantidade generosa e espalhou, com os olhos fechados ela recitou:

Partum servum tuum ad te oratio tua. Et hoc tempore erit vestri novus domum.²

Seus dedos continuaram descendo passando pelo meu falo, e seguindo em direção ao meio de minhas nadegas. Então meu corpo se entorpece, uma mistura de anestesiante tomou meu corpo. E como todas as vezes em que eu estava ali, a imagem de Jhon me olhando se formava, eu não sabia ao certo o motivo dos meus olhos começarem a se encher de lagrimas. Mas ter sua visão ali era algo passageiro até que a imagem de Kanaima, seus olhos presos aos meus.

Sua essência subia pelas minhas pernas, era quente e me transportava a um estado êxtase. Meu corpo começou a se contorcer enquanto gemidos abafados pela minha boca que mordia levemente um dos meus dedos. Eu estava sendo preenchido e sem mais nenhum controle sobre o meu corpo, soltei um gemido alto que ecoou pela escuridão e logo em seguida não havia mais nada Tituba me olhava triunfante. Olhei para a minha barriga, ela estava como antes. Sem nenhum sinal de vida além da minha.

²O seu servo entrega a ti, sua morada. E quando for a hora este será o seu novo lar.


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