6. A Menina Que Escreve Livros


A Menina Que Escreve Livros (AMQEL) morre de medo de confundirem a sigla criada para si com uma nova organização terrorista.

AMQEL troca a água pelo café, o café pelo Nescafé, este pela Coca-Cola, que só pode ser substituída por Toddynho, o que não se faz se houver ameaça de extinção do mesmo.

AMQEL é indiferente às opiniões populares, só aceita as de Deus e de quem sabe mais do que ela.

AMQEL evita pretendentes com um QI inferior ao seu, e não se julga preconceituosa, de forma alguma, pois tirando isso todos os outros adereços podem ser inferiores: tais como altura, idade e saldo na conta bancária. Ao contrário de tantas, que namoram homens de QI inferior, exigindo altura, idade e saldo bancário superiores.

AMQEL às vezes furta ideias de outros escritores, tipo a crônica de Luís Fernando Veríssimo, "Homem Que É Homem" (HQEH). Após a leitura supracitada, AMQEL pode criar a sua versão feminina, sem graça e bem modesta.

AMQEL tem muitas amigas patricinhas, o que é essencial para a sua auto-estima, ela precisa sentir-se sempre intelectual.

AMQEL se dedica apenas a escrever livros, e deixa isso explícito para sua família, gritando que a nobre arte da escrita tem muito mais valor para ela do que qualquer faculdade.

AMQEL é romântica. Não tem escapatória. Está sempre apaixonada por um crush literário.

Se você, minha cara, ainda está indecisa sobre se pode escrever livros, faça o teste de comportamento abaixo e descubra se é essa a sua vocação:


Questão 1.

O seu irmão caçula tem o péssimo hábito de acordar todo mundo de casa com músicas do Luan Santana na caixa de som de 5.000 watts. Curiosamente, toda vez que você ouve determinada música do sertanejo, sente-se inspirada a escrever. Começa a ficar viciada nela. Chama-se "Você não sabe o que é amor".

Que tipo de história você escreve?


a) Didática, pois vê na letra da música uma educativa mistura de matemática com português, especialmente na estrofe "Não use mais o plural/ Não fale de nós dois como se tudo ainda fosse igual".

b) Científica, baseando-se então na passagem "Não fale mais do futuro/ Não fique aí pensando que eu giro em torno do seu mundo".

c) Musical, aproveitando-se as cifras da canção que podem servir de linguagem simbólica para que não descubram até onde você se rebaixou, copiando uma coisa do tipo.

d) Dramática, porque, afinal, você é uma garota magoada e ressentida, mas precisa negar isso e mostrar ao seu ex-crush que "Pode ir/ Tudo bem/ Você não sabe o que é gostar de alguém", mesmo que seja uma atitude tão mimada que possa te comparar com uma patricinha.


Questão 2.

O seu irmão mais velho, que não tem nada para fazer e muito menos para dizer, costuma fermentar a discórdia ao espalhar que você não é escritora coisa nenhuma. Afirma que os verdadeiros escritores têm reconhecimento universal, e não apenas entre poucos amigos, que não fazem diferença nenhuma no seu saldo bancário. E devem publicar e vender, ao invés de ficar acumulando documentos no computador da família.

O que você faz?


a) Seguindo uma recomendação para escritoras, que lera em qualquer lugar, não se importa.

b) Aguarda pacientemente as avaliações editoriais e, ao lançamento de seu primeiro livro, um sucesso total, afirma que a dedicatória não está errada, e nem foi de brincadeira. Você realmente dedicou "Ao meu irmão, que nunca acreditou no meu sonho, e assim me incentivou a correr atrás disso. Se ele não tivesse me desafiado tanto, esta obra ainda não estaria concluída!".

c) Escreve um texto qualquer abordando o assunto – bem como este mesmo que está lendo – e depois esfrega na cara do sujeito. Pois até o pessimismo inoportuno dele é transformado em arte por você.

d) Você doa as roupas dele, faz uma fogueira no quintal e joga todos os frascos de perfume junto com os calçados. Corre para o próprio quarto, tranca a porta e atira-se sobre a cama aos prantos, choramingando: "É verdade, eu não sou escritora coisa nenhuma!", mesmo que isso pareça coisa de patricinha.


Questão 3.

Está no cume da criatividade, seu momento mais produtivo, não consegue parar! Sua cabeça lateja, os olhos ardem, o computador está prestes a explodir, e se a coluna vertebral não encravar, será a bacia abaixo da cintura, dependendo da posição. Aí as pálpebras solitárias sentem falta umas das outras, as de cima das de baixo, querem ficar juntas por mais uma noite – ou madrugada, pois você ainda não dormiu. Compreensível, isso é sono. E quanto ao texto? Está quase superando o seu próprio recorde, falta pouco! Não aguentará...

O que você faz?


a) O máximo que pode, tendo consciência de que não pode tudo. Termina um parágrafo a esmo, fecha o documento, desliga o computador, toma uma água e vai para a cama, satisfeita.

b) Acessa a Internet, entra num blog de literatura, copia um texto – independente de gênero ou qualidade – e cola junto com o seu. De nada adiantará, você sabe. Mas pelo menos ficará feliz depois de acordar, no momento em que vir seu recorde superado no número de páginas.

c) Entorna toda a garrafa de café quente como se fosse xícara, e depois toma um banho de água gelada. Se sobreviver ao choque térmico, repete o procedimento "b" e vai dormir.

d) Coloca o ponto final no meio de uma palavra qualquer, nem desliga o computador. Corre para a cama e adormece imediatamente, temendo acordar com olheiras. Mesmo que isso te faça uma patricinha.


Resultado.

Para a maioria das respostas:

a – É uma garota sensata, vai se dar bem algum dia. Tem paciência, então estude Medicina.

b – Inteligente, sem dúvidas, mas ingênua demais para o ramo.

c – Orgulhosa e aproveitadora, tente entrar na faculdade de Direito.

d – Desista, você é patricinha.


E como nem um dos resultados conseguiu revelar se você é ou não é digna de seguir com a nobre arte da escrita, eu explico: AMQEL só faz teste de QI, ou de vestibulares. Todo o resto é coisa de patricinha.

As Meninas Que Escrevem Livros têm um lado irremediavelmente hippie. Elas amam a tudo, acima de qualquer coisa e conservam uma intensa sensibilidade com a natureza. Deve gostar de animais, é claro. Mas cuidado aí, se controle para não permitir que o cachorro de estimação acabe com suas sandálias na intenção de exigir que sua mãe compre sandálias novas, isso seria muito coisa de patricinha.

AMQEL não dá bola a playboys, e na hora do fora, em vez de aconselhar "Mais arroz com feijão, meu chapa", ela diz "Mais Drummond com Moraes, meu caro!".

AMQEL nunca sai sem um bloco de anotações, para o caso de ser assaltada – situação hipotética. "Tá, o relógio, o celular, epa! Deixa o bloquinho, pelo amor de Deus!". Pois como ela faria para descrever tudo, se lhe arrancassem o único meio? Claro que tiraria proveito da situação para depois editar um conto, com a emoção de sublinhar o subtítulo "Baseado em fatos reais".

AMQEL não vai a shows de axé, paga o triplo do ingresso para ver uma peça de teatro. E do mesmo modo, troca o futebol pela ópera. Todo e qualquer outro esporte por xadrez. A novela pelo livro. A escola pela biblioteca. As conversas com amigas pelas aventuras das revistas em quadrinhos. Os resultados das eleições pela entrega do Oscar. A MTV pelo Futura. O português pelo francês. A Cabott pela Rowling, é óbvio! A Orthof pela Lispector e a Rebouças por si mesma. O Verne pelo Twain, bem como o Brown pelo Eco e o Coelho pelo Veríssimo (matematicamente mais lucrativo, já que são dois).

Detalhe:

AMQEL precisa estar bastante dopada de cafeína para poder manter seus escritos, ou tomar um banho gelado, mas como já foram três ainda hoje e acabara com o estoque de café da despensa neste domingo, sem boteco nenhum aberto, está morta de sono necessariamente agora.

AMQEL vai dormir, senão ficará com olheiras. Passar bem. 

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