Capítulo 2
Marianne despertara no primeiro toque de seu despertador. As notas de Sweet Child o'Mine preenchia seus ouvidos quando o relógio marcava sete da manhã e, por mais que quisesse continuar na cama quentinha e virar para o outro lado e dormir outra vez, no intuito de sonhar com aquele deus outra vez.
Ela gemeu exausta e preguiçosa, quando o alarme voltou a apitar, e obrigou-se a sair das cobertas e ir tomar um banho digno. Ficaria por horas dentro do escritório do renomado Álvaro Gallego, dono da badalada marca Galleg's Fashion, a qual Marianne desenvolvia projetos que estampavam as vitrines de luxo do homem, e a quem ela deve muita gratidão. Se não fosse por Álvaro, nada do que estava conquistando seria possível. Marianne poderia muito bem criar a sua própria marca, mas ela adorava a parceria com o homem. Seu nome estava sempre à frente de qualquer desenho seu e o reconhecimento vinha de forma triplicada e sucinta, dispensando assim qualquer interesse em andar sozinha no mundo da moda, que é sempre tão disputada.
Marianne vestira uma calça justa preta, que valorizava suas pernas e curvas, uma blusa de manga comprida na cor vinho e envolvera um pequeno cachecol preto no pescoço. Posteriormente, fez uma maquiagem básica, que ela costumava a usar no dia a dia e prendeu seus cabelos em um rabo de cavalo. Antes de sair, pegou um de seus pares de sapatos favoritos e calçou em seus pés, completando o seu look de trabalho para uma segunda feira. Quem vê pensa que ela é uma patricinha qualquer, de tão impecável que fica para ir ao trabalho.
Ela sempre sai de casa sem colocar um gole de café na boca. Evitar o horário de pico de Toronto é estressante e maçante, e ela ficava maluca só de imaginar que engarrafamento era um risco a ser inevitável. Odiava atrasos e o trânsito movimentado e confuso. Desta forma, optava por passar na Starbucks e pedir o seu cappuccino duplo e alguns cookies.
Entrava naquele amplo prédio tentando manter a elegância e sofisticação, mas o seu contratempo impedia quase sempre. Era de praxe Marianne trocar os pés quando o elevador apitava para a ampla sala comercial de Álvaro, atraindo sempre os cinco pares de olhos que dividiam aquele lugar com ela.
— Bom dia para você também, deusa — Gallego aproximou-se de seu cristalzinho e lhe deu um beijo no rosto. — O final de semana foi agitado.
— Eu tomei um porre no Rebel na noite de sábado. Passei o dia ontem arrotando boldo e tentando me lembrar do que aprontei — Marianne disse, seguindo direção à sua mesa e jogando a sua bolsa em cima do aparador que ficava atrás de si.
Ela se sentou em sua cadeira estofada na cor vinho e começou a encarar um enorme papel, com um de seus projetos em andamento. Ela precisava acrescentar alguns detalhes e escolher a combinação de cores, mas Marianne estava faminta. Tomaria o seu café da manhã primeiro.
— Você e Rebel é um caso de amor perdido e complicado.
— Eu consegui reunir o meu trio — Marianne sorriu calorosamente e Álvaro poderia jurar ter visto o brilho em seus enormes olhos castanhos. — Lyssa se separou do marido e seguiu o meu conselho e de Carol. Está ficando no apartamento dela.
— Uma pena eu ter ficado por conta da organização do próximo desfile do lançamento de primavera. Eu deveria ter ido me encontrar com vocês — Álvaro lamenta.
— Sábado — Marianne avisa, animada, e pisca um olho, pegando o seu lápis preto e macio favorito, pronta para colocar a mão na massa.
Álvaro suspirou, admirado, observando a sua musa inspiradora percorrer aquele lápis com tamanha leveza sobre o papel. Ele confiara a inovação de sua marca badaladíssima de roupas nas ideias criativas e ousadas de Mari, e ficava babando todas as vezes que via a sua promessa deslizar a superfície e trazendo resultados divinos, que estavam sendo sucesso de vendas. E, mesmo que não tenha nada a ver, ele se orgulhava de sua estilista canhota. Ela era tão delicada e seus traços idem.
Mari era apenas mais uma colaboradora de sua equipe. Desde que começara a ganhar dinheiro com a sua marca, Álvaro resolvera gerenciar apenas o burocrático da empresa e das lojas, além de participar dos eventos importantes da moda. Confiara em Marianne Vielmond para assumir a criação da coleção de vestidos de gala da Galleg's, e desde então os vestidos têm sido sucesso de vendas.
— Conseguiu conquistar algum crush na balada? — Gallego perguntou enquanto eles se sentaram na mesa do badalado restaurante Plancha e fizeram os pedidos do almoço.
— Nem comece com esse assunto, Álvaro, pelo amor de Deus — Marianne sentiu o rubor atingir o seu rosto e desviou o olhar, elevando a sua água aromatizada à boca, no intuito de refrescar-se por dentro.
Álvaro encarou a sua funcionária favorita com compaixão. Além das suas duas amigas, ele sabia das pérolas de sua estilista favorita. Marianne era como o seu chaveirinho, a funcionária predileta, a quem ele daria o mundo se possível. Adorava se juntar à elas e beber durante a noite toda, despreocupadamente. E, querendo ou não, ele sabia não só da negação de Marianne em se envolver com algum homem, como também de seu relacionamento problemático com William.
Uma coisa que ela gostaria de esquecer.
— Eu sinto falta de sexo — ela confessou, após o garçom passar pela mesa deles e entregar-lhes os seus pratos. — Eu sinto falta de uma companhia masculina, de um homem que saiba pegar, comer e fazer cafuné depois. E eu não acho, Gallego. Eu não acho nem pagando a assinatura premium daqueles aplicativos de namoro — ela lamenta.
— Você paga assinatura de aplicativos de namoro? — Álvaro arregalou os olhos, perplexo e disparou a rir quando ela afirmou positivamente com a cabeça. — Deus, Marianne, você é hilária!
— Eu precisava de um filtro mais refinado, afinal.
Marianne concordou, dando uma gargalhada curta e elevando a sua taça de água aromatizada com hortelã para cima, em um gesto de brinde, e aqueles dois deram sequência ao almoço. Precisavam comer toda aquela fartura para poderem ter uma animação sagrada no segundo tempo do trabalho.
Quando retornaram ao ofício, Marianne poderia jurar que estava com a sua inspiração atiçada, entretanto, o desânimo e as lembranças da noite anterior rondaram a sua mente.
Ela recordava-se perfeitamente daquele momento extremamente íntimo e unicamente seu. Sabia que não havia delirado e estava se sentindo chocada em como um homem, que não existe, atormentava os seus pensamentos.
Foi inevitável não trazê-lo à tona em algum momento de distração. Enquanto coloria o seu desenho pronto, ela retratou em sua memória todas aquelas imaginações da noite passada.
Aquele homem não poderia ser somente fruto de sua imaginação. Ela tinha certeza que não. Como ela poderia recordar-se de algo tão perfeito quanto aquele ser? O seu deus imaginário a deixava quente. Marianne estava ereta e composta em seu assento, com os olhos fixos no papel e no lápis de cor, mas o seu pescoço queimava. Ela tratou de desfazer o rabo de cavalo de seus cabelos, e fez com que as longas madeixas encobrissem a sua pele vermelha.
Era muito tesão acumulado!
Marianne precisava de um encontro, senão iria surtar! Se é que já não estava.
Ela bufou secretamente e resolveu parar de colorir, pegando o seu celular em um momento oportuno de distração. Já eram quatro horas da tarde, ela sempre saia do trabalho às quatro e meia, pontualmente. Abriu o aplicativo de relacionamentos e aproveitou para brincar um pouco. Era solteira, estava sedenta por sexo e carinho humano — talvez um carinho relacionado mais à carne e ao sentido animalesco —, mas ela queria. E Marianne estava tão entediada no fim de tarde de segunda feira, que já não se importava mais com uma de suas exigências.
Gatos acasalavam-se por necessidade e não carinho.
E nesse instante, Marianne era a gata sedenta do cio. Queria trepar com os dentes do macho grudados em seu ombro e desvencilhar qualquer ideia de que gatos gostam de afagos no topo da cabeça. Gatos não estão nem aí para carinho humano. E Marianne deveria comportar-se como a gata que é.
Foi o primeiro pretendente que lhe chamou a atenção. Ela não tinha nada a perder e ele parecia ser um príncipe. Pelo menos ela poderia idealizar o seu gato domador. Marianne analisou a foto do possível match e ficou cheia de dúvidas. Ele se parecia com alguém, só não sabia quem exatamente. Seu polegar brincou em cima do touch screen até que a tela bloqueasse após o tempo limite de atividade.
— A assinatura do aplicativo de namoro não está dando muito certo? — Álvaro ressurgiu, bem ao seu lado, exalando aquele perfume doce que só ele gostava em si.
— Até que os filtros estão bem refinados. Acabou de me aparecer uma sugestão. Até que o boy é interessante — Marianne respondeu, levantando-se de sua cadeira acolchoada e pegando a sua bolsa.
— Curtiu?
— Ainda não.
— Você é bem fresca para dar match, Marianne. Pelo amor de Odin!
Ela deu uma suspirada, enquanto ambos se arrastavam em direção ao elevador, concluindo aquela segunda feira tediosa de trabalho com sucesso.
Marianne adentrou em seu Mini Cooper e antes de dar partida, enviou uma mensagem para as amigas, combinando de encontrá-las na academia. Sim, as três eram tão unidas que se exercitavam juntas.
Naquele galpão luxuoso e enorme, as três faziam as suas atividades físicas separadamente. Enquanto Caroline era adepta à musculação, Lyssa preferia os exercícios funcionais e Marianne, bem, Marianne só não ficava levantando copo de suco natural porque a mensalidade era bem cara. Ela escolhera praticar crossfit, um arrependimento que amargava a sua boca e sua alma durante os cinco dias da semana. Ela era pequena demais para aquelas merdas todas.
Após aquela hora diária de treino pesado e um banho revigorante para retirar o suor que escorria e melava a sua pele, Mari seguiu com as suas amigas para uma pizzaria. Era um programa normal na vida daquelas três mulheres lindas, independentes e solteiras.
— Você o quê? — Caroline praticamente engasgou ao ouvir Marianne contando abertamente de sua noite anterior.
— Eu estava me masturbando. Vai dizer que não faz isso com frequência? — ela zombou a amiga.
— Eu queria ter essa disposição que você tem — Lyssa comentou, admirada. — Estou sem sexo há mais de um mês e não consigo... hum... ter essa ousadia — o seu rosto ruborizou.
— Porque Marduk não ensinou para o tesouro o quanto é ótimo explorar a própria mina — Caroline alfinetou, rindo, levantando a taça de vinho para um brinde. — Quero propor um trato.
Marianne revirou os olhos.
— Trato? Desde quando temos tempo de dedicarmos à apostas adolescentes, Carol?
— Não é uma aposta, afinal não haverá cronômetro — Carol respondera a amiga, com o semblante triste, mas logo se recuperou.
— E o que é, então? — Lyssa interveio.
Caroline sorriu largamente e tomou mais uma golada de vinho antes de expor a sua brilhante ideia.
— Nós somos o melhor trio que existe no mundo. Brincamos de boneca e pique pega juntas, participamos do baile de formatura do colegial e dividimos as nossas primeiras paixões e contamos sobre a nossa primeira vez, ainda casamos a Lyssa e tiramos você da merda chamada William — Caroline discursou, sonhadora. — O ano está quase acabando e parece que paramos no mundo por conta das nossas decepções amorosas. Nanne, você precisa parar de pensar que todos os caras que conhecer serão como William e irão foder a sua autoestima outra vez. Lyssa, Carl pediu o divórcio para você? Que se dane, siga em frente! E eu? Bem, eu ainda estou esperando o meu príncipe encantado vir a cavalo.
Marianne e Lyssa se entreolharam e desataram várias gargalhadas, enquanto o rosto de Caroline incendiava.
— Continuando... — a sua voz sobressaiu, calando as outras duas. — A minha ideia é que nós chutemos o balde e nos abríssemos a novas oportunidades. Nós três merecemos o melhor e merecemos ser felizes. Mari, você precisa sair desta depressão, amiga. Já fazem três anos.
Marianne engoliu em seco e assentiu, quieta, apenas para absorver os planos malucos, mas muito necessários de Caroline.
Ela voltara para a sua toca após o jantar com as amigas e sentia-se cheia. Não só bem alimentada, mas estava cansada. Retirou os seus sapatos, os seus pés protestavam de dor e antes de alcançar o seu quarto, já estava sem roupa. Foi até ao banheiro e fez as suas necessidades pessoais, antes de cair na cama e relaxar.
Gemeu de satisfação quando o seu edredom quentinho envolvera o seu corpo deliciosamente e a aqueceu. Sem sono, resolvera mexer no celular.
A primeira coisa que visualizara através da tela, fora as fotos que ainda mantinha salvas em seu celular. Seu coração dera espaço àquela cratera conhecida. Caroline estava certa. Já haviam se passado dois anos. Era hora de acordar. Mas Marianne estava muito bem acordada. Ela seguiu a sua vida de cabeça erguida, só queria encontrar uma companhia decente.
Tentava não comparar os homens com William, mas era inevitável. Era um vício e uma dependência filha de uma mãe por ele, aquilo a sugava. Não, não era algo carnal. A paixão que ela sentiu por ele um dia já havia sanado, mas a sua autoestima ia ao chão todas as vezes que desejava conhecer alguém.
Ela aproveitava o que podia e não podia, sempre bebia além da conta nas noites de sábado e já caíra na cama de alguns caras legais que ela conhecera nesse meio tempo. Mas ainda sim, não era o suficiente. Todos eles eram legais porque só queriam uma trepada e depois fugiam. Ou era ela que fugia?
Você nunca será suficiente para ninguém, Marianne.
Ela meneou a cabeça, sentindo a pulsação surgir nas veias de seu longo pescoço e decidira excluir todas aquelas fotos de três, quatro anos atrás. Posteriormente, ela abriu o aplicativo de namoro e encarou aquele pretendente bonitão. Ele não era estranho, mas ela não estava se recordando. Parecia o deus da sua imaginação, só que ela entendia perfeitamente que aquilo fora um delírio coletivo.
Marianne começou a mover o polegar inquietamente, de novo, e antes que a tela bloqueasse, ela tocou em cima do botão verde com o desenho do visto, liberando assim a oportunidade daquele possível cretino abusado vir de papo com ela e distribuir um monte de besteiras com erros de ortografia, tentando convencê-la de levá-la para ronronar e gritar na cama e depois sumir, para sempre.
— Eu sou muito problemática — ela choramingou, desligando o celular logo em seguida e colocando-o ao seu lado, na cama.
Ela afundou a sua cabeça no travesseiro, ansiosa para atrair o sono, porém não menos agitada pela possibilidade de descobrir quem é aquele dono dos belos pares de olhos azuis.
Será que ele existe?
A única maneira de descobrir era marcar qualquer coisa com ele. Ela estaria equivocada, sim, só que, mesmo com a sua autoestima no chão, Marianne era do tipo que parecia ser certinha e calada, mas que se jogava de braços abertos. Para absolutamente tudo.
Uma bebida? — ela digitou na caixa de mensagens do aplicativo e enviou.
Cerca de segundos depois, o aparelho vibrou.
Está afim que eu lhe pague uma bebida desta vez?
Marianne franziu o cenho. Que diabos ele estava querendo dizer com desta vez.
Eu acabei de te conhecer pelo aplicativo. Não me lembro de um cara tão... interessante quanto você. Não sei o que há por trás do seu desta vez, mas aceito que me pague uma bebida.
Ela enviou a resposta para o crush, que atendia por Russell.
Você gosta de frequentar o Rebel? Creio que sim. Já te vi várias vezes lá, sempre acompanhada pelas mesmas figuras femininas. Encontre-me lá, no próximo sábado. Nada de exagerar em tequilas, mocinha. Cuide-se. Estarei ansioso e de moletom preto, esperando-a no bar da boate. Se estiver com medo, leve as suas amigas consigo. Um beijo e boa noite. M...
Marianne ficou chocada. Que monte de papo furado era aquele? Como um homem perfeito do aplicativo Match Love que ela acabara de conhecer sabia perfeitamente que Rebel era o seu lugar favorito? E o que significava aquele M no final do texto? M de Marianne? O nome dele não era Russell? Ainda bem que o gostoso maluco sugeriu um lugar público para se encontrar com ela no sábado.
Pelo menos ela não teria de sair da barra de saia de suas amigas e protetoras e estaria pronta para virar todas as tequilas possíveis naquela boate, caso essa história toda desse errado.
Ela bocejou e desligou o aparelho sem se lembrar que precisava respondê-lo, confirmando. Faria isto depois, na manhã seguinte, talvez. Agora, tudo o que ela mais queria era dormir e sonhar a noite toda com o seu deus particular.
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