64
Flávia
Então é hoje, o dia da minha viagem.
Se passou terça. Quarta. Quinta. E sexta. E até agora o Miguel estava cumprindo o que havia me prometido. Ele realmente não veio aqui em casa e nem me mandou uma nova mensagem perguntando o que aconteceu comigo para eu ter feito o que fiz com ele. Só que eu esperava por uma nova mensagem, na verdade eu queria muito que ele me mandasse uma nova mensagem. Mas acho que ele não vai fazer isso, a semana toda já se passou e nada, e com certeza não vai ser hoje, no dia da minha viagem, que ele irá fazer isso.
Minha viagem...
Como uma pessoa pode se enganar desse jeito, como ela pode fazer e planejar uma coisa sem pensar, sem raciocinar, nas consequências futuras que se formaram por conta disso. Eu, até ontem, tinha tudo planejado na minha mente — até porque o meu único pensamento era ir embora daqui e ter uma nova vida — e eu sinceramente achava que estava fazendo a coisa certa, mas talvez eu só estivesse com raiva e acabei me precipitando, como o meu próprio irmão me disse. Quando você está de cabeça quente você não imagina o tipo de burrada que está fazendo, só vai prestar atenção depois, quando já é a hora de partir. Já que foi justamente isso que aconteceu comigo.
Hoje eu acordei com uma vontade imensa de ouvir a voz do Miguel, da sua explicação — se é que ele tem alguma para me dar — e é isso que eu vou fazer antes de ir; se a sua mensagem que eu tanto queria não veio até mim, eu irei até ele. Essa vai ser a nossa despedida.
— Vamos, Flávia? — Ben entra no meu quarto e caminha para chegar mais perto de mim. — O táxi já chegou — ele queria está feliz por mim, queria está feliz por eu ir com ele para Natal, mas ele simplesmente não conseguia; dava para ver em seu olhar triste, que ele não queria isso para mim. E se fosse até em outras circunstâncias ele estaria sim feliz, em eu poder passar alguns dias com ele, mas não para morar para sempre, como eu irei fazer a partir de hoje, sem antes encerrar o meu caso, definitivamente, com o Miguel.
Só que ele ainda não sabe que eu planejo isso. Eu só espero consegui ter coragem suficiente para prosseguir com esses meus pensamentos.
— Claro, vamos — lhe dou um sorriso tranquilizador, já imaginando que morar com ele não vai ser de todo mal; somos confidentes, sempre apoiamos um ao outro e amor e companheirismo é o que não vai faltar.
Ao chegarmos na sala pegamos nossas malas e seguimos em direção a saída, como hoje os nossos pais tiveram que ir para o trabalho mais cedo, aproveitamos para nos despedir ontem mesmo; ontem o dia foi só nosso, só de nós quatro, e fizemos muitas coisas divertidas.
Uma lágrima escorrega do meu olho esquerdo, quando me lembro das palavras da minha mãe, dirigidas a mim, ontem à noite, quando foi ao meu quarto se despedir mais uma vez: eu espero que você seja muito feliz, Flávia, e por favor não demore muito para voltar. Quando o motorista pega a mala da minha mão para colocar dentro do carro, eu aproveito e limpo os meus olhos; já chega de chorar, uma nova vida me aguarda, e eu não vou estar completamente sozinha.
— Você está bem? — Meu irmão pergunta ao abrir a porta do carro para mim, para que eu possa entrar, e assim eu entro sem lhe responder a isso. Escuto um suspiro por parte dele. E em seguida ele entra no carro e se senta ao meu lado. — Olha, eu sei que você acha que isso é o certo, mas você não precisa fazer isso — olha fixamente para mim ao mesmo tempo em que as suas mãos seguram as minhas. Só que esse seu gesto não vai mudar nada, só tem uma pessoa que pode mudar o percurso dos meus planos, e essa pessoa não é você, irmão. Desculpa.
— Eu estou bem, tá bom? — Dou um sorriso a ele, que balança a sua cabeça, sabendo que perdeu a partida. Ele diz ao motorista que nós já podemos ir.
A viagem estava sendo um saco, eu queria conversar com o meu irmão, mas eu sabia que ele estava chateado comigo por essa minha atitude, então em um certo tempo eu só virei o meu rosto para o lado e fiquei olhando a todos os lugares por onde passávamos. Até que algo me chama atenção. Havíamos entrado na rua onde o Miguel morava, e se eu queria ter essa conversa com ele a hora era agora, ou então eu passaria o resto da minha vida sem saber porque ele fez aquilo comigo.
Será que eu tenho coragem para fazer isso? Porque se eu for, eu corro o risco de sair mais machucada, magoada e pior, destruída. Todas as lembranças irão se abrir, flashbacks se passaram pela minha mente. E eu estou mesma preparada para isso? Para tudo isso?
E como para sair desse meu impasse, se eu devo ou não falar com ele, aquelas palavras do meu irmão surgem em meus pensamentos: não podemos mandar no nosso coração, Flávia.
É, realmente não podemos.
— Eu vou falar com ele, Ben — me viro para dizer isso ao meu irmão, do qual fica espantado com as minhas palavras, mas mesmo assim um sorriso aparece em seu rosto, então eu continuo: — Me aguarda só um pouquinho.
— Eu vou estar aqui te esperando, não se preocupe. Só ver se vem rápido me avisar sobre alguma coisa — comunica e eu só concordo com a cabeça, lhe dando também um sorriso.
Peço para o motorista parar e assim que ele faz isso, eu saio do carro. Caminho até chegar a porta de entrada, da qual paro para tocar a campainha, só que antes de fazer tal coisa noto que a mesma já está destrancada, então a abro, vagarosamente. Nem olho para a sala quando passo por ela, o meu intuito aqui, era seguir em direção ao seu quarto, pois eu tinha certeza de que você estaria lá.
(E mais uma vez, eu dei uma chance para você)
Bom, eu contava que você estivesse, e você estava.
(Eu coloquei as minhas últimas esperanças em você)
Mas não estava sozinho como eu havia imaginado, e sim acompanhado.
(Mas não foi como eu esperava)
E justo com a sua ex-namorada e ainda por cima, a beijando.
Eu me deixei enganar novamente por você, Miguel. Achei que não doeria mais, até porque eu tinha ouvido aquelas palavras saindo da sua boca, só que isso doeu, doeu bastante. Então foi aí que eu me dei conta; a verdade é que você nunca me amou, você nunca esqueceu a Ester e só foi a gente terminar para você logo ir para os braços dela. E foi também nesse momento que eu prometi a mim mesma, que eu nunca mais, nunca mais me deixaria ser enganada nem por você, nem por mais ninguém.
Então do mesmo jeito que eu havia entrado na sua casa, eu sair; sem nenhuma explicação e ainda por cima pior. Bem pior. Talvez a conversa que nós teríamos não fosse tão ruim assim como eu imaginava, porque isso, que eu acabei de ver aqui, que eu nem sequer poderia imaginar que fosse acontecer, isso sim me destruiu. Sem sombra de dúvida.
— Vamos! — Digo tanto para o motorista como para o meu irmão assim que eu entro no carro, agitada, e com os olhos cheios de lágrimas. O motorista por sua vez começa a acelerar o carro, e eu o agradeço por não olhar para trás, para não me ver assim, nesse estado.
— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? — Ben me fazia várias perguntas e eu podia ver o quanto ele estava preocupado comigo, mas nesse momento eu não queria responde-lo; eu só queria ficar em silêncio, eu só precisava de um ombro amigo agora, e nada melhor do que o do meu irmão para fazer isso.
— Eu vou ficar bem, só me abraça, por favor — então em questão de segundos seus braços já estavam ao redor do meu corpo, e eu desabo neles, nem vendo o tempo passar. E quando dou por mim ele já me chamava, dizendo que acabamos de chegar na rodoviária.
.............
— Parece que o nosso ônibus chegou — avisa e eu agradeço aos céus por isso, por essa minha viagem. O meu irmão pega a sua mala e eu pego as minhas, e vamos em direção ao motorista para que ele possa guardar as nossas malas. Feito isso, nós dois começamos a subir no ônibus.
Assim que me sento na poltrona e olho para a janela é inevitável não pensar em você, Miguel. No seu sorriso, nos seus beijos e no nosso amor, que era mais meu.
E que mesmo que eu tivesse escutado aquelas palavras, vendo o seu beijo com a Ester, eu ainda era perdidamente apaixonada por você, não tem como negar isso. E como eu até havia te dito, eu te amo e uma palavra como essa, forte desse jeito, não acaba do dia para a noite.
E eu aqui, achando que você viria me buscar, me levar de voltar para casa, me levar de volta para a sua vida — igual como se acontece nos filmes e novelas —, mas você simplesmente não veio atrás de mim. E por que deveria, não é mesmo? Você está com a sua vidinha de novo e eu... eu só sou uma garota iludida. Uma pobre garota iludida que te ama. Mesmo que não devesse mais.
— Flávia, eu vou te perguntar isso pela a última vez — Ben pega na minha mão, fazendo com que eu me desperte do meu devaneio. Pisco meus olhos para poder lhe olhar melhor. — Você tem certeza que ainda deseja prosseguir com essa viagem? Nós já vamos partir, você pode voltar atrás se qui...
— Sim, eu tenho certeza, Ben — lhe corto antes mesmo de ouvir o resto da sua frase, não é que eu queira ser grossa, longe disso, é só que eu não quero mais ouvir as suas palavras dirigidas a mim, sobre essa viagem. Eu quero isso para mim. E é justamente isso que eu vou fazer. Eu mereço isso. Mereço uma vida melhor. E eu vou sem arrependimentos.
Ele balança a cabeça, concordando com as minhas palavras — finalmente — e é quando o ônibus começa a partir.
Eu iria tentar achar a minha felicidade e eu tinha certeza de que a encontraria.
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