32 ▹ O QUE VOCÊ QUER PARA VOCÊ?


Eu estou presa no escuro, mas você é a minha lanterna. — Jessie J (Flashlight).

        Assim que Antônia desligou a chamada, sem sequer se despedir, eu ainda me sentia aéreo, imerso a uma realidade alternativa. Apesar de eu querer fingir que estava tudo bem, não estava. Não tinha como estar. A bomba que ela me lançou aparecia e ecoava em minha mente insistentemente, como se a ficha caísse de forma lenta.

        Era um baque grosseiro, e mesmo que eu tentasse insistir em desacreditar, a verdade continuaria intacta e sendo o que é. Tônia não era somente Tônia. Ela também era a garota que havia me destruído no passado.

       Conferi a porta trancada do meu quarto, para que Lauren não surgisse do nada, uma vez que ela estava passando um período  em minha casa junto com seu pai, melhor amigo do meu.

        A dor maior, aliás, não era o fato de Maggie estar viva, e sim ouvir tudo isso com a voz de Antônia. Voz que, antes, me acalmava, combatia meus demônios, descansava o meu coração e o curava aos poucos.

       Pensar em algo concreto e ilusório me fez notar minha ingenuidade a ponto de não perceber o que estava escancarado o tempo todo. Pois, por mais que tivessem trejeitos e personalidades distintas, a aparência não enganava. Era ela. O tempo todo era Maggie.

         Será que algo maior, como Deus ou afins, estaria de brincadeira com a minha cara?

         Dores do passado se afincaram em minha cabeça e meu corpo como se eu revivesse tudo novamente, como se, de fato, seu retorno trouxesse à tona episódios que vivenciei na relação doentia e nociva que tive com Margareth.

         — Eduardo! — Lauren me gritou ao tentar abrir a porta trancada. — Você está aí?

        — Não estou a fim de conversar! — Gritei de volta, sem me importar de estar sendo grosseiro.

        — Você está bem? — Questionou, preocupada. — Abre essa porta! Não vou deixar que outra mulher te machuque outra vez! Foi a tal Antônia? Eu sabia que ela não era boa para você! Eu sou, Eduardo! Eu sou! Abre aqui e vamos conversar!

       Desnorteado com suas palavras, abri a porta. Lauren veio até mim e me agarrou, abraçando-me e beijando meus lábios. Não a retribui, apenas a agarrei pelos braços, empurrando-a para afastá-la de meu corpo, assustado com sua atitude. Ela, no entanto, parecia esperançosa.

       — Era tão bonito quando a gente ficava antes de você ter ido para aquela cidade maldita... Podemos retornar de onde paramos. 

       — Não, Lauren. Era um erro. Eu era apenas um depressivo e, vez ou outra, bêbado e autodestrutivo — fui incisivo, e ela finalmente desistiu de se aproximar. — Olha, você não pode continuar assim, tudo bem? Eu não amo você. Tenho certeza que nunca vou amar. Procure algo que seja seu, não se contente comigo apenas quando estou desolado.

        — Você está sendo injusto! — Lauren murmurava zangada. — Ela devia ter morrido quando a empurrei no mar! Devia tá morta! — Em um instante, ela abriu a boca e tocou os lábios, assustada por ter revelado a verdade sem querer.

        — Saí daqui, Lauren! Saia agora e nunca mais olhe na minha cara! Nunca mais dirija a palavra a mim! — exclamei enfurecido.

        Frustrada e com raiva, a garota saiu batendo o pé e fechou a porta com força, causando barulho. Nervoso, andei de um lado para o outro do cômodo, processando a montanha de descobertas e empecilhos que eram postos em meu caminho, como se a felicidade fosse apenas algo temporário e ilusório, voando de minhas mãos, se espalhando e se perdendo como poeira.

         Meu pai, confuso e preocupado, abriu a porta do meu quarto e me encarou:

         — Por que a Lauren tá chorando desesperada lá embaixo? O que você fez, Eduardo?

          Ri com um tom debochado, achando graça de sua preocupação ser com a filha dos outros. Não seu filho.

           — Sempre é assim, não é, Edgar Evans? — murmurei diante de sua face contraída. — Todo mundo importa mais para você do que seu próprio filho!

           — Eu só estou perguntando. — Ele suspirou, parecendo cansado de nossas afrontas diárias. — Olha, eu estou indo ao supermercado. Vai querer algo?

        — Não. — Sentei-me na cama.

        — Você está bem? — indagou com um interesse pouco usual.

       — Sim — sussurrei com dificuldade, sem me importar em parecer convincente.

        Exausto, meu pai se sentou-se na cama ao meu lado e encarou a parede, da mesma forma que eu estava.

         — Quer saber a verdade? — iniciou com um ar tranquilo. — Tô cansado de sua bipolaridade. Em um momento está bem, em outro não está. Você tem que confiar em mim. Sou o seu pai, caramba. Talvez não seja o mais presente ou o melhor do mundo, mas você só tem a mim. Sei que tem algo te incomodando, te conheço, e talvez se você desabafasse comigo, eu poderia te ajudar.

        Meu pai parecia sincero e disposto, o que era realmente esquisito e novo, já que Edgar Evans era conhecido por sua expressão autoritária e intocável.

         Edgar, pela primeira vez em anos, expunha uma aparência amorosa parecida com a de quando era casado com minha mãe. Algo como um olhar doce que pronunciava um ei, eu me importo com você ainda, filho.

          Mas eu o entendia. De certa forma, a vida conseguia ser dura. Pois, ao mesmo tempo em que me fechei, Edgar fez o mesmo. Só que, no caso dele, foi no mundo dos negócios, enquanto eu me arremessava em rachas e lutas ilegais.

           E agora, finalmente, depois de anos, a muralha que construímos estava desabando, permitindo que eu visse finalmente o meu pai, e não o grande Edgar Evans.

           — Não quero ser inconveniente, Edu, mas quero saber o que está acontecendo com você. Como está se sentindo. Eu sofri muito quando você foi preso. Mesmo sem as provas, eu sabia que meu filho era inocente.

           Por mais que eu me mantivesse sério e estático, por dentro, tais revelações apenas bagunçavam ainda mais minhas emoções, expondo-me ao máximo de sentimentos possíveis de suportar. Sentia-me apenas uma criança exposta e frágil.

            — Deixe que o seu velho participe da sua vida, talvez fosse até melhor a gente... recomeçar? — havia um tom de interrogação em suas palavras. Era uma proposta. Edgar estava disposto a ceder. E eu sabia o quanto essa atitude era difícil para ele, pois envolvia além do racional.

           — Eu... — Tentei, mas um soluço escapou de minha garganta. Quando vi, meu pai me envolvia em seus braços e me deixava chorar em seu conforto. — Eu sei que parece loucura, irreal, mas Maggie está de volta. O problema entre todos os problemas, é que... saber que ela está de volta na minha vida, não me fez... Sabe — proferi ainda confuso com meus próprios desabafos. Meu pai então sorriu, atento as minhas palavras.

         — Não sente mais nada por ela. Você está estranhando não ter mais aquele sentimento agressivo e intenso por ela. É isso? — apesar de indagar, era mais uma afirmação.

        Isso porque a resposta estava escrita para quem quisesse lê-la. Embora não tivesse me tocado antes, meu pai havia conseguido elucidar finalmente o grande X da questão. Mais calmo, eu me endireitei e terminei de explicar toda a situação. Ficamos ali durante uma hora inteira, ele apenas me escutando contar todos os detalhes desde que voltei àquela cidade.

        De forma surpreendente, Edgar apenas riu como se a resposta fosse simples.

        — Tudo o que essa moça precisa para ficar em paz, meu filho, é o seu perdão. O perdão tem o poder de nos trazer paz e absolvição. Nos transforma a ponto de acreditarmos transformar dias cinzentos em dias ensolarados, funciona como um ponto de equilíbrio em meio a tantas perturbações — explicou de forma afável. — Eu sei que pode parecer bobagem acreditar que não só ela teve direito a uma segunda chance, como você também. Mas é o que eu acho.

         — Você acha que devo perdoá-la?

         — Confesso que me sinto receoso, porque fui testemunha do quanto você sofreu, meu filho. E foi um período difícil. Às vezes fui autoritário demais por medo. Medo de você fazer alguma loucura irreparável, de você cruzar a linha que nos torna pessoas boas. Mas, agora, talvez esteja na hora de não existir mais feridas abertas, de seguirem em frente. O passado não irá mudar, continuará sendo o que é, porque controlar o tempo é algo que não está em nossas mãos. Tudo o que ainda se mantém em seu controle, Eduardo, é o seu futuro. Então, o que você quer para você?

       Eu tentei esboçar alguma reação, mas minha voz se perdeu no ar e meu pai não me cobrou respostas. Ele apenas se levantou dizendo que estava na hora de ir ao supermercado e saiu, deixando-me ali, sozinho, mais uma vez.

          Ao deitar minha cabeça no travesseiro alguns minutos depois, de forma impressionante, pensar em Antônia não me fez mal. Antônia não havia me machucado. Muito pelo contrário, já que ela era responsável pelos bons momentos que já vivi, e graças a ela, pude finalmente experimentar a felicidade.

           Pensar que Antônia e Maggie não eram a mesma pessoa poderia ser loucura da minha cabeça. Já que, obviamente, elas eram. Porém, separá-las, era algo que eu deveria fazer se quisesse resolver os meus dilemas. Pois eu não queria o passado. Não queria Maggie.

        Eu queria Antônia.

        Apenas ela.

        E eu sabia que o meu futuro era apenas a seu lado. Era o único que eu enxergava e ansiava. 

         — Tem certeza que não quer que eu fique com você? — Bianca insistiu assim que chegamos em minha casa depois de um dia intenso na faculdade. Ela estava evitando me deixar sozinha, só para se certificar que eu não cometeria nenhum ato de insanidade.

         — Tenho — expus já ansiando minha cama. — Até amanhã.

         Ela sorriu e seguiu seu caminho. Entrei e guardei minhas coisas, além de realizar minhas higienes. Assim que a noite chegou, depois de eu jantar com meus pais pizza portugu, fui para o meu quarto. Analisei minha cama arrumada, minha estante bagunçada de acessórios e produtos para beleza, e senti certa curiosidade em relação à Maggie.

        Por isso, me aproximei do espelho e encarei o meu reflexo. Puxei cabelo, fazendo-o ficar acima dos ombros, e me imaginei usando lentes de contato. Surpreendi-me com a semelhança, provando mais uma vez que, sim, éramos a mesma pessoa.

         Tentei me vestir a caráter, como se me fantasiasse daquela mulher. Peguei os sapatos de salto alto da minha mãe, pus um vestido justo e preto, encharquei meus lábios de batom vermelho e tentei passar lápis preto em minhas pálpebras, o que não deu muito certo. Bufei, pois em um lado dos olhos parecia que eu tinha ganhado um soco, e no outro, bem, o outro parecia que alguma criança havia tentado desenhar uma linha reta, sem sucesso.

          — Não, amorzinho — raspei a garganta, simulando a voz fria que ela tinha. — É claro que não era eu! Onde já se viu? Eu, Margareth do pezão, indo para a faculdade sem maquiagem, despenteada e agindo feito nerd? Ganhando até mesmo elogios de professores carrancudos e imbecis? Você, além de burro, é lunático! — eu realmente tentei soar como ela, o que, de um jeito estranho, não surtiu tanto efeito. Franzi o cenho, me esforçando para parecer ameaçadora.

          Eu parecia uma pateta, e esse era o modo de pensar positivo. Pois, caso eu pensasse pelo modo negativo, eu diria, obviamente, uma doida sem senso do ridículo.

         Joguei-me na cama, desistindo da atuação fajuta, desistindo de tentar ser alguém que não era mais. 

        Alguém que não era mais

        Isso sim tinha soado surpreendente para mim.

         Talvez estivesse na hora de descobrir quem eu era de verdade. Por isso, esfreguei lenços em meu rosto, retirando toda a maquiagem, joguei os saltos para escanteio e deixei que meus cabelos voltassem a cobrir minhas costas.

           Mais disposta, ainda que o fantasma impiedoso de Maggie parecesse andar comigo por onde quer que eu fosse, tentei me desfazer do teor sombrio que minha vida havia se transformado. Entretanto, a verdade era que, querendo ou não, a ausência de Edu me impelia sempre a me sentir frustrada.

          E por mais que eu percorresse os corredores mais lotados e barulhentos do meu curso, com pessoas andando de um lado para o outro, ainda assim, a sensação de vazio ainda se precipitava em meu interior. A única coisa boa disso tudo era o fato de que minha escolha era a melhor para ele, já que viver ao seu lado lembrando-o de seu passado não era uma opção muito honrosa.

           — O que você acha de irmos naquele barzinho de karaokê? — Bianca perguntou assim que passamos pelo portão da universidade. Estávamos indo embora.

           — Não sei. Tô querendo tanto a minha cama, dormir o dia todo e... — Antes que eu continuasse, ela me interrompeu.

         — Então isso é um sim. Vamos! — contra-atacou, impedindo-me de curtir meu próprio martírio vicioso. Sabendo que ela só queria o meu bem, e que talvez isso melhorasse o meu estado, deixei que Bia me guiasse em direção ao estabelecimento.

           Nós nos sentamos em uma mesa na área externa, numa calçada de pedra, de maneira que era possível acompanharmos o entardecer, com seus tons rosados e alaranjados se expandindo pelo extenso céu, com uma sol parcialmente escondido. A garçonete veio nos atender, e em suas mãos havia um bloquinho e uma caneta.

          — Vou querer uma porção de batatas fritas com frango frito e uma latinha de coca, por favor. — Bia fez seu pedido para a mulher, que rapidamente o anotou na comanda. — O que você vai querer, Antônia? — Desviou sua atenção para mim, assim como a garçonete.

          Tentei pensar em algo, mas a fome era tão pequena que eu sequer conseguia escolher. No intervalo das aulas havia apenas beliscado um bolo, deixando-o quase todo para Gabriel.

         — Acho que vou querer o mesmo de Bianca — concluí, possibilitando que a garçonete nos deixasse sozinha.

         — Então... Eu tenho que te contar uma coisa... — Bia comentou e sentia-se nervosa, pois seu tique a fazia mexer sem parar no porta guardanapo e nos potinhos de sal. — Por enquanto, guarde segredo. Enfim, você conhece a minha história e a dos meus pais. Minha mãe ainda acha que todos os caras serão como o meu pai, por isso ela não aceita que outro homem se infiltre em nossas vidas... Minha mãe me deu duas opções: sair de casa ou terminar com o Gabriel.

         — Bianca! — exclamei, não podendo sequer imaginar os traumas da mulher, mas seu pedido era injusto. Gabriel era um garoto muito bom. — E o que você vai fazer?

         — Eu estou cansada das brigas! Cansada dela colocar coisas na minha cabeça! Ela diz o tempo todo que nenhum homem presta e que Gabriel é como os outros... E eu o amo. Mesmo. Não quero terminar. Sei que ele jamais me machucaria. — Bia confessou enquanto abaixava sua cabeça, diminuindo o sorriso e expondo parte de sua tristeza.

          — Eu sei que é difícil, Bia. Desculpa não te ajudar também, sei que deveria fazer algo quanto a isso e.... — Ela me cortou, revirando os olhos.

           — Você já tem os seus problemas, então, fique quieta, Tônia. Só de me ouvir e me apoiar você me ajuda, sabe disso, não é? — declarou. Sorrimos juntas. — Então, como a situação lá em casa cada dia se aproxima de um inferno, estamos pensando em morarmos juntos e dividirmos as despesas. Essas coisas, sabe? Ele moraria só de qualquer jeito, porque o pai dele lhe deu um apartamento e, quase sempre, o deixa sozinho.

           — Bianca... Isso... Eu não sei o que dizer — mencionei em razão da surpresa, ainda processando suas palavras e vontades. Minha amiga me encarou com os olhos meigos, coisa que raramente fazia, como se minha opinião fosse a mais importante de todas.

           Relaxei os ombros e segurei em sua mão, tentando tranquilizá-la diante desse grande passo.

          — Eu sei que você gosta dele, e que em relação ao Gabriel, não tenho com o que me preocupar. Não acho que sua mãe esteja certa sobre isso. Nem todos são como o seu pai foi. E também sei que Gabriel é meu amigo, logo, tenho o direito de dar um soco nele caso venha te decepcionar de alguma forma. É claro que vou te apoiar nisso. E qualquer coisa, estou aqui.

          Bianca sorriu e, antes que me respondesse, nossos pedidos chegaram. No entanto, junto ao meu pedido, veio um suco de manga. Estranho. Arqueei uma sobrancelha, alienada, não entendendo o que aquele suco fazia ali.

            — Moça, acho que há algum engano. Não pedi suco nenhum...  


➹➷

Mais um capítulo para vocês e eu quero um Edu p mim (: 

E aí, quem vcs acham q mandou o suco de manga p Tônia? HAUSHU

Até o prox q devo postar ainda durante a semana <3 

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