20 ▹ A VERDADE PODE DOER


 E então parece que quebrei seu coração, minha ignorância ganhou de novo, eu não percebi isso e acabei te machucando. Então me desculpe, meu amante desconhecido.  — Halsey (Sorry).  

           Verifiquei três vezes se realmente minha casa estava vazia. Por sorte, nada havia saído do esperado. Abri a porta para Edu, que me aguardava na entrada, e antes que ele reagisse, o puxei pela camisa com um sorriso ardiloso estampado no rosto.

          — A tarde é nossa — revelei com alegria.

          O garoto de olhos verdes se sentou no sofá para conferir os jogos que eu tinha separado, e vasculhou a Netflix que já estava conectada à TV. Aproveitei sua distração para preparar uma pipoca de micro-ondas, além de um brigadeiro de panela. Eram coisas que eu amava. Retornei à sala como uma legítima malabarista, com duas vasilhas de pipocas grandes, uma coca dois litros e uma panela já mais fria. Edu riu da minha situação, o que me fez franzir o nariz como se dissesse ''você não vir me ajudar, idiota? ''. Felizmente, ele pareceu entender e veio ao meu socorro.

      Jogamos nossos corpos cansados sobre o sofá, à vontade, e acompanhamos uma comédia romântica acontecer a nossa frente. Posteriormente, pusemos um jogo de luta no PS4 do meu pai, e eu o venci diversas vezes, pois ao menos naquilo eu era boa. Eu sempre derrotava meu pai também. Para mim eles eram muito óbvios em suas artimanhas, e eu conseguia captar suas estratégias, o que me fazia ser bem impiedosa ao esmagá-los com minhas armas.

        — Sigo invencível! — gritei em expectativa assim que o destruí pela quinta vez. — Mais quantas revanches você quer?

        Frustrado, Edu jogou o controle para o lado e me chamou de caloteira. Apenas ri do perdedor.

         — Ao menos sua pipoca é muito boa! — me elogiou assim que jogou um punhado na boca. — Delixiosa — disse de boca cheia.

       — Porco! — Empurrei-o aos risos. Ele pareceu pouco se importar, pois se aproximou de mim e tentou me beijar ainda com pipocas na boca. — Saí para lá seu sem educação — dizia entre risadas, à medida que ele já estava com o corpo sobre o meu e me agarrava pela cintura para que eu não fugisse.

       Assim que parei a risada, Edu já havia engolido toda a pipoca. No entanto, permaneceu estático, ainda me prendendo sob si, apenas me encarando. Engoli em seco devido à proximidade, porém minhas mãos, desatentas, percorreram seus músculos, sentindo sua pele se arrepiar por causa do contato.

        — Tem uma casca de pipoca no seu dente — sussurrei, descendo a visão para sua boca. Com o dedo, eu removi a tal casca. — Agora você já pode me beijar se quiser...

         Antes que eu continuasse, seus lábios vieram de encontro aos meus, delicados, mas intensos. Nossas bocas se encaixaram e, de forma involuntária, minhas mãos foram até seu cabelo e enrolei meus dedos em seus cachinhos dourados. Na TV ainda ligada, eu escutava a voz de Sandra Bullock em seu personagem de Gracie, em Miss Simpatia, mas nada mais importava, porque eu estava nos braços de Eduardo.

        Ele me envolveu ainda mais apertado, esmagando-me sob seu peito que subia e descia com mais fervor, mas, ainda assim, sincronizado com o meu. Seus indicadores deslizarem pela minha cintura, curiosos, enquanto nossas línguas se descobriam numa aventura excepcional. Por um instante, talvez em busca de fôlego, nossos lábios se desgrudaram, e quase o amaldiçoei por isso, mas ao notar minha situação, Edu retornou a me beijar com mais ímpeto.

       Pressionei meu corpo contra o dele, sentindo-o suspirar contra minha pele, e isso me fez sorrir, mesmo de olhos fechados. Tê-lo era uma sensível incrível e também uma loucura, como estar no alto de uma montanha-russa ou pular de um precipício sem ter noção do que haverá lá embaixo. Mas, apesar dos riscos, eu sabia que não haveria melhor lugar para se estar. Eu me sentia imensamente confortável e grata pela sua proteção.

      Lembrei-me do que certa vez minha mãe havia me aconselhado: há duas coisas na vida, há aquilo que você queira, e aquilo que você precisa. Agarre o que precisa.

       E era exatamente o que eu estava fazendo, literalmente, agarrando.

       Sem querer, caímos do sofá e minhas costas bateram contra o chão, e os pés dele trouxeram a vasilha de pipoca junto. Os grãos se espalharam pelo tapete recém aspirado da minha mãe e rimos diante do pequeno desastre.

       — Será que ela vai acreditar se eu disser que foram ratos? 

       — Depois te ajudo a limpar, mas... — Ele sorriu maliciosamente para mim. — Onde foi que paramos?

      — Aqui — correspondi-o de forma ainda mais travessa, levantando a cabeça para retornar à dança de nossos lábios.

       Conforme o tempo passava, mais empolgados ficávamos. Notei as horas correrem ao avistar o relógio da sala, enquanto os lábios de Eduardo exploravam meu pescoço e suas mãos percorriam minha pele por debaixo da regata, e isso me fez ficar alerta.

          — Eu... eu — tentei falar, mas ainda estava um pouco tonta por conta dos beijos e das carícias. — Eu ainda tenho algo para te contar... Vou tomar um banho, me espera aqui — pedi assim que, finalmente, consegui afastá-lo.

           Ele parecia um cachorrinho quando retiramos o osso. Tal pensamento me fez sorrir. 

➹➷

          — Pronto, Edu, acabei meu banho — avisei assim que desci as escadas, procurando-o com o olhar. Seria difícil, mas era necessário dizer a verdade, pois eu já não aguentava mais esse peso dentro de mim. — Eduardo? — chamei-o assim que notei sua feição mudada, o que me fez sentir certo calafrio. — Aconteceu algo? Está tudo bem?

        — Aconteceu. — Reconheci de imediato a frieza, pois já a havia conhecido anteriormente.

         — O quê? — A fragilidade em minha voz era evidente.

          — Apenas veja... E negue, se possível. Apenas dê um motivo convincente para essa merda ser mentira! — Por debaixo de seu rosto cético, eu senti certo desespero. Sem nem mesmo entender o que estava acontecendo, assenti e peguei o celular dele que, de bom grado, Edu havia me dado.

        Eu li tudo em silêncio. E, principalmente, analisei a foto de duas pessoas se beijando.

        Mas não era qualquer casal, não, era Bruno e... eu. Estávamos numa festa e parecíamos incrivelmente conectados.

         Era um e-mail anônimo que trazia consigo algo impiedoso, mas, de certa forma, a verdade nua e crua.

          '' Parece que a garota que fica quietinha na faculdade e em seu canto não é tão santa e boazinha quanto demonstra, meu povo. Por meio de uma análise minuciosa e uma pequena investigação, descobrimos os planos perversos de Antônia Campos: usar o garoto machucado, Eduardo Evans, como escada e meio de chamar a atenção de Bruno Andrade, seu verdadeiro e platônico amor. E, possivelmente, deu tudo certo, como podem notar na imagem em anexo. A nós nos resta apenas os parabenizar e pedir umas dicas de como conquistar o crush impossível.

          P.s: Eduardo, se precisar de consolo, estamos aqui (; ''

          Minha mão tremia enquanto segurava o Smartphone. O silêncio, pela primeira vez, parecia ser algo ruim entre mim e Eduardo, pois a tensão era palpável, eu quase podia tocá-la. Meus olhos pinicaram, minha voz, covarde, parecia ter desaparecido, e eu só sabia suplicar em minha mente que isso não estivesse acontecendo dessa forma.

         Não quando eu já tinha me preparado para contar do meu jeito.

         Me encolhi ainda próxima à escada, pois, de repente, senti frio. Eduardo, também em pé, fechou o punho com força. Ele agia dessa forma quando tentava controlar o ódio, eu o conhecia. No segundo posterior, socou o ar, como se descontasse nele sua decepção. Isso acabou me assustando.

           — Só diz que isso é mentira, Antônia! Só preciso disso para acreditar em você! — bradou implorando.

           Com lágrimas escorrendo por minhas bochechas, eu o olhei totalmente debilitada:

            — Sinto muito, Eduardo, há verdade nisso. Eu fui uma idiota e... — Engoli o choro, sentindo minha garganta rasgar. — Minha nossa, eu fui muito estúpida!

           — De todo mundo, Antônia, eu esperava, menos de você. — Suas palavras me atingiam como um soco, mesmo sem ele sequer me tocar. — Você não tem o direito de brincar com as pessoas. Você não tem!

         — Eduardo... Edu — murmurei enquanto sentia uma enorme ânsia me invadir. Fraca, meu coração se espremia tão intensamente que doía. O loiro deu passos em minha direção e me segurou pelos braços, alterado.

         — Você consegue ser muito mais mesquinha que Lisandra e Margareth juntas, Antônia! — despejou as palavras que me feriam como lâmina afiada. — Porque você se fez de minha amiga e pareceu querer me ajudar de verdade. Você demonstrou ser verdadeira, mesmo conhecendo minhas feridas. E, porra, você atuou muito bem!

        Apesar de nervoso, eu não retirava sua razão. Edu estava certo, mas não por achar que eu tinha atuado, mesmo que eu devesse ter atuado, e sim por me julgar dessa forma. A questão, no entanto, era que em nenhum momento eu havia mentido para ele. De fato, ocultei o motivo de eu ter me aproximado, porém, o resto havia sido real para mim. Nunca havia fingindo sentimentos, minhas palavras eram de coração e, de forma surpreendente, aqueles olhos tinham se tornado importantes demais. Eduardo era especial e ser a culpada por sua decepção me fazia sentir a pior pessoa do mundo.

         Me desculpe, lindo estranho, minha mente reverberava em desespero.

           — Por que você não pensa em se tornar artista? Simular sentimentos, aparentar ser alguém que não é e... e transparecer ser uma boa pessoa. Fingir ser diferente de todas as garotas que já conheci! — Sua íris estava escurecida, como se multiplicasse nela toda a mágoa e rancor da descoberta.

          Sentia-me desnuda, nada eu podia fazer a não ser aguentar as consequências de minhas escolhas equivocadas. Mantinha-me em pé enquanto as mãos dele pressionavam meus braços, como se insistisse que eu gritasse que tudo era um engano ou uma pegadinha de mau gosto.

          — Você me usou para se aproximar do Bruno.... Logo ele, Antônia? Ele. Realmente sou um idiota por cair nessa pela segunda vez, por ser tão ridículo a ponto de pensar que em algum momento... — Eduardo gritava, apesar da voz falhada e, ora ou outra, interrompida por soluços imprecisos. Seu rosto estava vermelho e eu só queria não o ver tão derrotado. — Que em algum momento, eu merecia uma segunda chance de voltar à vida, àquela paz, àquele sentimento...

         Eu queria gritar de volta que eu o amava, mas como ele acreditaria sendo que, ao invés de ajudá-lo a se curar, eu só piorava as coisas? Eu tinha sido tão cega e tão burra, que minha vontade era de também gritar comigo sem piedade alguma.

        Porém, de forma inconsciente, eu dei passos em sua direção, tentando fazê-lo acreditar que as coisas não eram necessariamente da forma que haviam lhe contado. Mesmo que fosse difícil acreditar, nunca pensei em machucá-lo, jamais supunha que o garoto pudesse vir a gostar minimamente de mim, mas sempre há um preço a se pagar por nossa ingenuidade.

         E eu pagava então pela artimanha, pois já era tarde demais, já estava feito. E por mais egoísta que possa soar, por um lado, havia valido a pena, porque assim eu tinha conhecido Eduardo. E ainda sendo mais honesta comigo mesma, a resposta final poderia ser ainda mais esquisita, pois gostava muito dele, e talvez até o amasse.

       Talvez porque, até então, eu não soubesse o que era amar alguém dessa maneira, mas imaginei que o amor se aproximasse do que sentia, pois a sensação era tão forte e devastadora que um simples gostar era pouco para descrever o impacto que vê-lo machucado me causava.

       Vendo-o destruído por minha causa, somente minha, entendi que estava certo, eu não o merecia. Iria, então, ser pela primeira vez sensata, adulta e madura. Por amor. Por querer vê-lo feliz, pois, no momento, eu o fazia chorar.

        — Posso dizer algo, por favor? — implorei, fazendo-o se calar. — Olha, eu não posso voltar no tempo e nem consertar os meus erros, porque já foi, é passado. O máximo que posso te dizer, de todo o meu coração, é que eu sinto muito por ter te envolvido nisso. De verdade. Fui egoísta ao não validar sua posição nessa história, ao ser cega a ponto de só enxergar meu sentimento idiota e falso que possuía por Bruno. Não era real e eu notei isso quando nos beijamos... Nessa foto aí que enviaram... Não me arrependo desse beijo, porque foi aí que acordei para a vida real— confessei.

         Eduardo apenas me encarava sem expressão alguma. Estava quieto e parecia me escutar atentamente. O agradeci de todo coração por me dar a chance de falar.

         — A culpa foi minha, apenas minha, por ser tão inocente e pensar que tudo seria perfeito. A não ser por um detalhe. — Ri ironicamente para mim mesma. — Eu ter caído na minha própria armadilha. Acho que o Bruno não é bem o amor da minha vida...  Você está certo, Eduardo, e não vou tirar minha culpa dessa história, nem minha irresponsabilidade. Não vou tentar te fazer acreditar em mim e nas minhas desculpas, porque isso é imperdoável.

        Abaixei a cabeça a fim de minimizar o impacto da minha fraqueza, muito embora meu corpo ainda soltasse espasmos devido às lágrimas cortantes, e minhas mãos insistissem em continuar trêmulas. Nunca havia me sentido tão vazia e aflita.

       — O que tivemos foi mágico. Foi maravilhoso demais para ser de verdade, e eu só tenho que te agradecer pelo pequeno infinito de felicidade que me trouxe. E eu espero do fundo do coração... que você encontre alguém que dê valor e mereça tudo o que você é, suas qualidades e até mesmo seus defeitos, porque você foi uma das melhores pessoas que já conheci. E sinto muito que esse alguém não seja eu e que tenha destruído tudo o que estávamos construindo.

       Sem jeito, eu peguei em suas mãos, que também tremiam, e as apertei firmemente. Com uma coragem absurda, ergui o rosto, encarando seus olhos intensos.

       — Eu sei que não tenho direito a pedir mais nada. Mas, por favor, não faça com que meu erro interfira em sua vida como o erro de Maggie, mesmo que ela tenha sido muito mais especial para você. Só, por favor, fique bem. Fique feliz. Preciso de você bem e feliz.

         A prioridade para mim não era o seu perdão ou as suas desculpas, e sim que voltasse a ser o Eduardo que compartilhou muitos momentos felizes comigo. Só queria que ele não desperdiçasse mais sua vida.

        O silêncio, mais uma vez, nos aqueceu e nos ninou como uma mãe consola filhos quebrados por seus erros. Parecíamos, então, feitos de vontades que não poderiam ser atendidas porque não sabíamos como proceder diante de tantas falhas e culpas. Nossos rostos molhados e avermelhados expunham quão frágeis éramos e quão perigosos também poderíamos ser um para o outro.

         — Eu sabia em todos os momentos que saímos que deveria aproveitar o máximo que podia, pois felicidades assim são temporárias. Ao menos para mim. Mas, por favor, fique bem. Eu gosto de você, mesmo que minha palavra não tenha mais valor. Eu estava ali, mesmo quando não deveria estar, mesmo que não devesse me envolver. Mesmo que meu objetivo fosse apenas chegar até Bruno. Sem querer, encontrei em você tudo o que pensei que encontraria em outra pessoa.

        E então, tendo ciência que havia dito tudo o que precisava, eu dei passos para trás e soltei sua mão, deixando-o livre para ir, apesar de minha mente implorar que ficasse.

        Depois de uma eternidade nos olhando, nos despedindo talvez, ou até mesmo nos torturando, o rapaz de olhos verdes me deu as costas e foi embora.

        Ele me deixou estática, no mesmo lugar de sempre, totalmente alheia à realidade. Meu entorno parecia girar, as vozes dos atores da TV pareciam apenas cochichar e, de forma despretensiosa, acompanhei Edu fechar a porta.

         Não vá embora, fique um pouco mais.

          Mas ele foi. E as memórias ficariam intactas junto à amargura de ter deixado algo valioso sair da minha vida.

        No susto, corri em direção à janela de vidro da sala e vi a silhueta de um homem escorado em uma árvore. Logo após, ele se afastou, pareceu suspirar, colocou as mãos no bolso da calça e desapareceu como se nunca tivesse realmente estado ali.  


➹➷


Pensam que não tem como piorar? Ah, só digo que tem! Aguardem os próxs caps ):

Até lá <3 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top