19 ▹ VOCÊ VAI LÁ PARA CASA?
Está ficando tarde para desistir de você. Eu tomei um gole do copo do diabo. Lentamente, está tomando conta de mim. — Versão Melanie Martinez, original Britney Spears (Toxic).
— Você é louco... — Cerrei o punho à medida que me embebia da raiva. — Não pense em se aproximar de Antônia! Não suponha sequer tocá-la, Bruno! Ela não é a Margareth, mesmo que pareça fisicamente. Nós dois sabemos quem a Maggie era e que alguém tão doente quanto ela a matou! — Eu era incisivo, e embora devesse me acalmar, era de Tônia de quem estávamos falando. — Isso aqui não é mais um jogo. Estamos lidando com sentimentos, com vidas, Bruno, não com peças de um xadrez. Isso aqui não é mais o ensino médio. Não me importo com a sua merda de vida, pois você merece tudo o que tem. Nada. Você tem que superá-la, está na hora de seguir em frente.
Intercedendo por algo divino para que Bruno finalmente entendesse que o passado ficou para trás, parece que não funcionou, pois ele deu um passo à frente, encarando-me.
— Aí é que você está enganado, Eduardo! — confrontou-me. Ele sabia como me atingir. — Você, nessa história, é exatamente como uma peça de xadrez, irmão. Totalmente usável e manipulável. Sabe por quê? Porque eu tenho certeza que Antônia só te deu alguma esperança para me atingir ou me enciumar. Pude observar mais a fundo, e você é o mesmo de sempre. É exatamente o mesmo fraco e covarde de sempre. — Um sorriso astuto se formou em seu rosto, para enfim afirmar: — Você não mudou nada. Se eu quiser, eu e Antônia vamos rir de você da mesma forma que eu e Maggie fazíamos.
Minha paciência havia se esgotado. Não me recordava direito de ter pensado em outra coisa, a não ser esmagar o rosto de Bruno, fazendo-o implorar para que eu o soltasse. Eu não agia com lucidez alguma, estava corrompido pelo ódio, mas me sentia bem ao despejar nele socos quase fatais, sentindo toda a fúria vibrar em minhas veias.
Quando eu segurava quase um homem inconsciente, cheio de hematomas e sangramentos, um surto de clareza me trouxe de volta. Eu estava me afundando, mas suplicava que ainda houvesse salvação para mim.
Estava cansado de me alimentar apenas de sentimentos ruins e carregar rancor.
Assustei-me ao notar que, de repente, o motivo para que eu o machucasse não era por causa de Maggie e muito menos por Bruno ferir minha dignidade, e sim por falar daquela forma da garota da blusa manchada. A única coisa que me preocupava era Tônia, e isso fizera com que meu coração se acelerasse de forma genuína.
Joguei o corpo agredido de Bruno no chão, e toda a raiva se transformou em pena.
— Faça o que quiser — despejei as palavras com toda sinceridade possível. — Tente me ferir fisicamente, ou verbalmente, até mesmo Maggie. Realmente não me importo. Só que nunca mais, para o seu próprio bem, fale a respeito de Antônia dessa forma. Ela vale muito mais do que qualquer garota que você tem nas mãos, entendeu? — Puxei-o, fazendo com que me fitasse, embora Bruno tivesse dificuldade em abrir os olhos por estarem extremamente inchados. — Ou então não serei tão legal com você como estou sendo. E, aliás, você não faz ideia de quem te bateu, ok? Não quero mais encrenca para o meu lado.
E depois disso eu fui embora, deixando-o para trás. E aquilo era simbólico, pois com ele eu também deixava o passado.
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Cinco dias após os últimos acontecimentos, eu ainda estranhava minhas noites, pois conseguia adormecer facilmente. E isso era esquisito porque, antes, eu havia acostumado a ficar inconsciente só após muita exaustão ou após as brigas ilegais que eu participava.
Minhas únicas dificuldades para me desligar do mundo eram as memórias recentes, uma vez que havia criado mania de recapitular imagens, bem como palavras e sensações, para então analisar cada troca de olhar, cada gesto que, por mais desesperado que pudesse ser, continha uma delicadeza e sutileza incompreensível.
Eu me indagava em que momento a companhia da garota havia se tornado tão importante. Talvez a culpa tenha sido minha, já que me deixei levar como um garoto desavisado das causas que sentimentos nos trazem. Afinal, eu não era mais um pré-adolescente em plena puberdade, mas a sensação poderia ser similar.
Pensando nisso, adormeci.
Acordei graças a minha mãe, que me balançava na cama.
— Mãe, eu estava sonhando! — resmunguei a contragosto, enrolando-me nos lençóis. Sem escolha, sentei-me na cama, esperando que ela se remoesse por dentro por ter acabado com os momentos bons que ainda crepitavam em minha cabeça.
— E agora me viu, filha! Seus sonhos tornando-se realidade, tem coisa melhor? — ironizou e, logo em seguida, deixou meu quarto, expondo sua insensibilidade diante dos sonhos de sua pobre filha.
Revirei os olhos, já que, sem dúvidas, não era ela quem estava nos meus sonhos. E sim um garoto de olhos incrivelmente esverdeados. E com isso, decidindo finalmente levantar para encarar um longo dia, me perguntei em que instante meu inconsciente havia trocado de figura, deixando os olhos acastanhados de Bruno de lado.
Olhei para o calendário, e me surpreendi ao notar que faltava apenas duas semanas para as férias. Tal fato me deu vontade de dançar sozinha no quarto. É, talvez eu estivesse enlouquecendo. Bocejei, sentindo o peso de dormir mal por passar metade da noite conversando por mensagem com Eduardo, trocando fotos e alguns memes.
Ao pegar o meu celular, notei que ainda estava aberto em nossa conversa, mais especificamente na imagem de uma foto minha e de Edu fazendo careta. Ri ao vê-la.
Assim que cheguei à faculdade, ao ultrapassar o gigante portão e dar bom dia aos guardas da portaria, me sentei no primeiro banco que encontrei, cansada por ter dormido pouco. Por isso, abaixei a cabeça e a escorei na mochila, enquanto sentia meu cabelo cair em cascata sobre meu rosto, provocando uma escuridão oportuna para que eu finalmente pudesse tirar um cochilo.
No entanto, acabei sentindo alguém beijar meu ombro. Imaginei que poderia ser Eduardo, por isso sorri abestalhada. Os beijos percorreram até meu rosto, pois a pessoa puxou alguns fios de meu cabelo, mas estranhei o toque devido a meu corpo não reagir com arrepios.
— Bruno! — Assustei-me ao virar o rosto e notá-lo. — O que você está fazendo? — indaguei com um repúdio evidente, e quase pulei do banco.
— Desculpe. — Sorriu com suas covinhas aparecendo. — Só pretendia te acordar de maneira... gentil. Enfim, está tudo bem, Tônia?
Desde quando éramos íntimos o suficiente para que me chamasse assim? Há muito tempo ele sequer me notava. Entreabri a boca, surpresa com o óbvio: o plano parecia ter funcionado. Ainda sem saber o que dizer, girei o rosto, o que me possibilitou encontrar o olhar de Jéssica, ela estava longe e parecia irritada com o que via.
Por que eu estava assim? Por que não pulava de felicidade? A verdade me atingia ainda com maior intensidade, e sem ter nada coerente para dizer, simplesmente agarrei minha mochila e saí correndo, com passos apressados e incansáveis para longe da minha antiga paixão platônica.
De fato eu estava enlouquecendo.
E embora ainda renegasse o óbvio, doía supor que Eduardo também possuía sua parcela de receio e de pavor de sentimentos, porque ele já havia se magoado bastante com isso. E era possível que ainda uma parte de seu ser ainda esperasse por sua ex.
Não que eu não achasse que Edu não gostava ao menos um pouco de mim, mas era difícil ter de lidar com a presença constante de Margareth, que, mesmo morta, ainda se entremeava entre nós, como se risse da minha ambição de ter mexido com seus dois homens.
Talvez fosse mais fácil continuar sendo a Antônia ingênua, com um sentimento ilusório por Bruno, que daria pulinhos de alegria pela atitude do rapaz.
Mas eu já não era mais aquela garota há muito tempo, e eu estava disposta a pagar o preço, independente de qual fosse, para que as coisas se resolvessem.
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— De um jeito torto, eu sabia que você ia cair na sua própria armadilha — Bianca confessou depois de me ouvir contar tudo o que passava dentro de mim. Se havia alguém que me conhecia a fundo, era ela. — Era uma alternativa que você se negava a considerar.
— O que eu faço agora? — questionei. A sensibilidade em minha entonação expunha o fato de eu estar de mãos atadas.
Nós estávamos juntas no bosque da faculdade, em meio às árvores e grupos de alunos que se divertiam no período de descanso. O clima ameno da manhã me deixava menos suada, à medida que alguns pássaros pousavam na grama no nosso entorno.
— Não minta mais — recomendou após um suspiro. — Você começou isso de maneira muito errada, Antônia. Eu entendo que isso não estava nos seus planos, e que não fez por mal, mas Eduardo não é obrigado a entender da mesma forma que eu. O problema maior é que você foi se meter numa história complicada, porque tanto Eduardo quanto Bruno ainda possuem cicatrizes de uma amizade e um romance mal resolvido.
— É, eu sei e me arrependo demais disso.... — Puxei o ar, sentindo minha vista queimar. Droga, a qualquer momento eu poderia chorar ali mesmo. — Se eu pudesse voltar atrás e fazer as coisas serem diferentes, Bianca... Eu juro que.... deixaria todo mundo em paz. E não aguento mais me sentir culpada por isso, acho que vou ter que contar a verdade. De uma vez por todas, mesmo que ele me odeie e nunca mais queira me ver.
— Às vezes a gente não entende, mas nossas decisões podem mudar tudo. Acho que contar a verdade é o primeiro passo para agir certo dessa vez, independente das consequências — ela avaliou. — Já parou para pensar que, se você não tivesse insistindo com Eduardo, talvez você não tivesse finalmente sentido algo real por alguém?
— Seria um preço que eu pagaria para não fazê-lo sofrer ao descobrir a verdade — desabafei.
Bianca sentou-me mais perto de mim e tocou a minha mão, de forma carinhosa e gentil. Era bom ter alguém para contar mesmo em momentos assim. Ela sempre esteve comigo, inclusive, o primeiro rosto que me lembrava na vida era o dela.
— Só podemos lidar com o presente agora. A meu ver, o máximo que pode fazer é tentar não piorar as coisas, tentar não se afundar mais nessa história, se é que tem como. E expor toda a situação é difícil, mas necessário. Depois disso, não mentir mais para aqueles garotos e, principalmente, não mentir para você mesma.
Ao escutá-la, eu somente assenti, pois a realidade se abria em minha visão e expunha o óbvio: o jogo havia virado, e nada mais eu podia fazer senão aceitar isso.
— Obrigada por sempre estar aqui — agradeci, abraçando-a.
— Sempre estou aqui, não é? Mesmo quando é para te aturar com seus planos malucos que nunca dão certo! — ela me caçoou, fazendo-me rir e revirar os olhos.
— Às vezes dão certo, ok? — intervim.
— Me dê um exemplo então!
Contrariada, tentei me lembrar de algum plano que pudesse me ajudar, mas não achei. Nunca nada dava certo, e era difícil ter de dar o braço a torcer. Recordei-me da vez que investiguei o terrível sumiço da minha calça preferida. Ela possuía pequenos rasgados e era um pouco velha, mas o apego era mais sentimental, então eu fiz todo um planejamento para encontrar os culpados, levei semanas de esforços para nada. Lembrei-me da vez que decidi fazer algo diferente das receitas da minha mãe, porque queria novidade, então arquitetei meu próprio plano de preparar um delicioso creme diferentão para o filé mignon com champignons que dona Pilar havia feito, porém até eu mesma quase vomitei ao prová-lo.
Bufei, desistindo, o que só aumentou o sorriso de triunfo de Bia.
As risadas, ainda abraçada a minha melhor amiga, de relance avistei Eduardo passar pelo corredor, porém acompanhado de uma menina de cabelos ruivos, e imaginei que fosse Lisandra.
Como se sentir diante de uma situação dessa? Eu só sabia que meu peito ardia diante da situação. Agarrei as costas de Bia com mais força, o que a fez estranhar, mas eu despejava em nosso abraço o medo e, possivelmente, o ciúme que aquela dupla me causava.
Fechei meus olhos, aturdida, e como preces, pedi que Eduardo me deixasse entrar em sua fortaleza impenetrável e que o que quer que tenhamos criado pudesse ser maior do que o abalo de seu passado.
O intervalo finalmente acabou para Bianca, pois tinha aula agora e, sozinha, eu decidi ir ao banheiro. Após fazer minhas necessidades e lavar as mãos, fechei a porta com o pé e caminhei pelas calçadas dos pavilhões sem ter o objetivo de chegar a algum lugar. A estrutura da universidade era grande o suficiente para eu ter ficado, no mínimo, uns quinze minutos redescobrindo novos caminhos.
Foi absorta nesse cenário que revi Eduardo, mas, desta vez, também estava sozinho. O garoto de olhos verdes estava sentado, folheando o livro que eu havia visto sobre sua cabeceira. Isso me fez sorrir.
Aproximei-me dele, ficando a sua frente, e toquei seu ombro de forma gentil para que me notasse.
— Está tudo bem? — indaguei. Ele apenas concordou com a cabeça e bateu a mão no espaço vazio ao seu lado, para que eu me sentasse, e assim o fiz.
Inesperadamente, seus braços esmagaram meu corpo, e me encontrei protegida e aquecida por seu corpo. Ele havia me abraçado como se fosse a coisa mais normal do mundo, como se já tivesse se habituado a isso. E eu poderia facilmente me acostumar.
— Tem certeza que pode fazer isso? Talvez a Lisandra veja e não goste.
Não consegui segurar a língua dentro da boca, como sempre, falando algo que não era da minha conta.
Eduardo, curioso com a minha reação, parecia se divertir ao invés de se incomodar.
— Aquela ali não desiste, a persistência dela depois de diversos foras é admirável — comentou. — Ela não tem que gostar, Antônia. Eu faço o que eu quiser. E, neste momento, eu quero te abraçar — se expressou bem próximo ao meu ouvido, e seu timbre me arrepiou. — A não ser que você não queira... — Ameaçou se desvencilhar, porém o impedi.
— Eu quero! — afirmei com certa afobação, um desespero impressionante, ansiando que seus braços permanecessem a minha volta. Era um alívio ter sua pele quente contra a minha.
— Se você quer, então, não há nada que me faça mudar de ideia.
Um sorriso surgiu no rosto de ambos, felizes pelo contato.
— Vai lá em casa hoje? — pedi, ansiando pela oportunidade de tê-lo por perto por mais tempo. — Podemos jogar vídeo-games ou um jogo de tabuleiro. Eu tenho banco imobiliário. Com certeza sua mãe vai estar trabalhando, vou estar sozinha também, então coincide — silenciei-me, recapitulando na mente a conversa que havia tido com Bianca. — E eu tenho que te contar uma coisa...
Edu concordou e, no instante seguinte, aproximou seus lábios dos meus. Porém, antes que nos beijássemos, meu celular apitou. No susto, nos afastamos. Era um aviso de que o intervalo havia acabado para mim, por isso, ainda que contrariada, me levantei e o deixei para trás, recordando-me que nos veríamos de tarde pelo menos.
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Desculpemmmmm-me a leve demora, mas é que nesses últimos dias estive um pouco ocupada, mas postei e no final de semana tem mais, e com mt treta por aí X:
Até o próximo, obg por quem chegou até aqui <3
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