O Último Segredo
na noite em que Madeline Stuart morreu
— Seu psicólogo diz que você não vai há dias — Elain White, com sua pose de descontentamento, fitou a filha. — Pode me explicar?
— É meio óbvio, não? — respondeu Clarisse, sem tocar na comida. — Eu não estou indo.
— Simples assim?
— Simples assim.
— Os almoços aqui em casa são sempre tão agradáveis — zombou Roman, enfiando um pedaço de carne na boca.
— Você deveria por juízo na cabeça da sua irmã, Roman — Elain ralhou com o filho.
— Pensei que esse fosse o papel do terapeuta — retrucou Clarisse, segurando a vontade de revirar os olhos.
Parecia extremamente simbólico que a mãe descobrisse suas faltas na terapia no dia do halloween. Não seria uma ótima desculpa para matar a própria filha? De qualquer maneira, era uma conversa muito desagradável para se ter estando sóbria. O pai estava intencionalmente ignorando a discussão, como sempre fazia, e Clarisse só conseguia pensar em Toledo. As drogas de Toledo. Imaginou se ele estava no apartamento, depois do incidente com um antigo "cliente" do traficante/professor, temia pela vida do namorado. Namorado, riu de si mesma. Eles com certeza não eram namorados.
— Clarisse? — a mãe bateu uma mão na mesa, chamando a atenção da garota. — Você sequer ouviu o que eu estava dizendo?
— Hum, sim?
— Ah, eu desisto — Elain colocou a mão dramaticamente sobre a testa. — Faça o que quiser, só não venha chorando para mim depois.
— Elain, algum dia eu fiz isso?
— Não me chame assim!
Santo Deus, murmurou Roman, em seguida pegou Clarisse pelo cotovelo e a arrastou para fora da sala de jantar. A garota não protestou, no entanto, o encarou com confusão. Geralmente, o irmão não intervém nas discussões entre mãe e filha. Fechando a porta do quarto, ele resmungou:
— O que está fazendo?
— Sendo arrastada por você?
— Você entendeu, Clary — Roman fechou os olhos, como se sentisse dor de cabeça. — Eu odeio concordar com a mamãe, mas você não está agindo bem ultimamente.
— Algum dia eu agi bem?
Clarisse se jogou na própria cama, encarando as unhas, o esmalte azul escuro estava descascando, e ela mordeu o restante com os dentes. Roman andou de um lado para o outro, em seguida a fitou com intensidade e perguntou:
— Você está se drogando de novo?
— Meu Deus... — Eu nunca parei, teve vontade de falar, mas mordeu a língua. — Você não é meu pai.
— Bem, não é como se ele se importasse, então eu tenho que me importar.
— Essa conversa vai levar a algum lugar?
Roman sentou-se na cama, tocando o tornozelo da irmã.
— Eu me preocupo com você, Clarisse — disse ele, e ela sabia que era verdade. — Você, e apenas você, é a pessoa mais importante do mundo para mim. Eu estou disposto a fazer qualquer coisa, para que você fique bem. Sabe disso, não é?
Ela sentiu a garganta doer, como se estivesse com vontade de chorar, o que era loucura, pois não chorava fazia muito tempo.
— Eu sei — sua voz soou estrangulada. — Eu sei.
— Eu só quero que você fique bem, Clary. Por favor, me deixe te ajudar.
Por um momento, Clarisse se imaginou chorando, e contando ao irmão que tinha pesadelos frequentes, e que agora também sonhava com um homem armado. Imaginou se deitando no colo dele, despejando todos os seus medos, dizendo que não ficava sóbria há meses. Ele a consolaria, e diria todas as coisas certas, e então... A mandaria para uma clínica de reabilitação. Sem mais Toledo, ou as drogas de Toledo, e sendo obrigada a enfrentar o mundo como ele realmente era.
Trancando o maxilar, virou o rosto:
— Eu já disse que estou bem.
Roman tirou a mão de seu tornozelo. O celular dele tocou, e ela sabia que era Dallas ou Blaire. Sem dizer mais nada, o White saiu do quarto, fechando a porta no caminho. Clarisse deitou a cabeça no travesseiro e esperou que as lágrimas viessem, mas elas nunca vieram.
🔪🔪🔪
Madeline tinha desaparecido. Clarisse, e os amigos, esperaram que ela voltasse para a festa, mas não aconteceu. Depois de um tempo, a White começou a surtar, as palmas das mãos estavam frias e suadas, e as palavras de Madeline continuavam ressoando em sua mente. Eu nunca vou deixar vocês em paz. Ela sabia sobre Toledo, sobre as drogas, o homem armado. O relacionamento deles. Ela vai contar, pensou com terror. Era óbvio que ia, afinal, porque não contaria? Elas não eram amigas, não deviam nenhuma lealdade uma à outra. Dallas já tinha tentado ligar para Madeline, assim como Anastásia, mas nenhuma obteve sucesso, e o tempo continuava passando. Clarisse se arrependeu da jaqueta de couro que estava usando, porque o calor estava a deixando suada em todos os lugares. Engolindo em seco, virou-se para os outros.
— Vamos procurar por ela.
— E entrar no bosque à noite? — rebateu Lola com zombaria. — Que ótima ideia!
— Bem, ela não vai aparecer. E acabou de nos ameaçar, vamos ficar parados esperando?
— Mads não vai dizer nada — disse Dallas, mas sua voz não soava confiante.
— Bem, se vocês querem ficar aqui.
Clarisse se levantou do gramado e marchou em direção ao bosque. Os gritos dos amigos para que ficasse mal foram ouvidos, ela sabia que eles a seguiriam. Ligando a lanterna do celular, começou a procurar por uma loira de roupas caras e maquiagem borrada. Ao longe, se fizesse esforço, podia ouvir a música vinda do ginásio.
O celular tocou, e uma foto de Toledo surgiu na tela:
— Onde você está?
— Aconteceu um imprevisto — apressou-se em dizer, o peito se apertou em aflição. — Estou no bosque.
— Posso saber por quê? — pelo barulho de fundo, ele devia estar no estacionamento.
— Madeline sumiu — Clarisse tropeçou em um galho, soltando um palavrão. — E... Ela sabe.
Houve um momento de silêncio.
— Como assim, ela sabe?
— O dia do cara armado... Madeline estava lá.
Um barulho alto soou pelo celular, ela imaginou Toledo chutando uma lixeira qualquer. Ele estava com raiva. A garota estremeceu, o hematoma nas costelas mal tinha desaparecido por completo, e ela sabia que ele faria outro.
— Eu vou acha-la, vou resolver isso — disse com desespero. — Não se preocupe, está bem?
— Estou indo para aí.
Toledo desligou antes que pudesse protestar.
— Merda!
Tinha que achar Madeline primeiro, ou não sabia o que poderia acontecer. Iluminando o caminho, voltou a procurar, tentando ouvir qualquer barulho que indicasse a direção da Stuart. E como se o universo estivesse se sentindo generoso, ouviu a voz da garota. Tropeçando nos próprios pés, correu até lá, pisando em um pedaço grande de galho no caminho. Madeline estava de costas, fitando o celular, mas se virou assustada ao ouvir o galho. Um vinco se formou entre suas sobrancelhas perfeitas, e ela disse:
— O que você está fazendo aqui?
— Eu só quero conversar — Clarisse ergueu os braços, em sinal de rendição.
— Ah, sim — Madeline riu, mas tinha lágrimas nos olhos. — Agora você quer conversar.
— Escuta, eu não me importo com as outras merdas que você quer jogar no ventilador. Não dou a mínima, mas você não vai querer mexer com o Toledo.
— Isso é uma ameaça?
— Não. É um fato.
Madeline balançou a cabeça, fechando os olhos por um segundo. Ela parecia... Com dor.
— Eu não tenho medo do seu traficante de merda. Me entendeu?
Mas devia ter, eu tenho. Clarisse umedeceu os lábios com a ponta da língua. Imagens variadas lhe vieram à mente: Toledo sendo preso, o romance deles sendo exposto em todo jornal, ela sendo mandada para uma clínica de reabilitação o mais longe possível de Nova Iorque. Sem drogas. Lembranças de uma garotinha assustada o tempo todo, sem saber lidar com seus problemas psicológicos e sem o apoio dos pais, lhe vieram à memória, sem nenhum suporte. Lembrou-se da primeira vez que experimentou cocaína, e lembrou-se da primeira abstinência de cocaína que teve. A dor que sentiu.
Não queria sentir aquilo novamente.
— Madeline, por favor. Eu não posso viver sem...
— Sem Toledo? Ou sem as drogas que ele te dá?
Sem pensar, Clarisse jogou os joelhos no chão. Ia implorar. Não se importava com sua dignidade, não, já tinha a perdido quando trocou a virgindade por ecstasy, ou quando quase morreu engasgada no próprio vômito. Juntou as mãos, como se estivesse rezando:
— Por favor. Eu faço qualquer coisa.
— Que visão patética — Madeline fez uma careta, enojada. — Está realmente se sujeitando a isso, por ele?
— Por favor...
— Vocês me humilharam! — a loira rosnou, abaixando-se para olhar nos olhos de Clarisse. — Se fosse o contrário, você teria piedade? Não. Me cansei de vocês, de guardar os seus segredinhos sujos, e ser tratada como lixo depois. Não adianta chorar, eu vou fazer o que eu quiser fazer.
Madeline levantou-se, os saltos altos estavam sujos de terra, e ela se virou, indo embora. Carregando todos os segredos da elite nova iorquina embaixo da língua, pronta para despejá-los para o mundo. Indo embora. Clarisse se viu, como se estivesse fora de seu corpo, pegando uma pedra que estava no chão e se levantando com pressa. Com rapidez, segurou o braço de Madeline, a loira a olhou com raiva, a boca aberta — pronta para dizer alguma coisa, mas jamais saberia quais eram as palavras — e então a pedra a acertou. Uma vez.
O som foi oco.
Então, uma segunda vez.
Dessa vez, conseguiu ouvir o osso se partindo, junto com a carne, e o sangue.
Madeline tinha os olhos arregalados. Clarisse a soltou, largando a pedra no chão. A Stuart demorou para se desequilibrar, como se recusasse a cair, mas, caiu. O sangue jorrava do lado esquerdo da cabeça, manchando seus cabelos perfeitamente loiros. Seus olhos azuis cristalinos estavam surpresos e assustados, a boca entreaberta, parecia querer dizer algo. Clarisse também caiu no chão, erguendo as mãos para vê-las manchadas de sangue. Algo se quebrou em seu peito. Uma voz chamou seu nome, mas ela não se moveu, estava olhando nos olhos de Madeline. Nosso último segredo, Madeline, e esse eu sei que você não vai contar para ninguém.
Alguém a pegou pelos braços, gritando palavras incompreensíveis, não alguém, era Roman. Ele alternava o olhar entre o corpo semi morto no chão, e as mãos cheias de sangue da irmã. A boca dele estava se movendo, mas ela não ouvia. Ao longe, luzes e mais passos. Os outros estavam chegando.
—... Clarisse! — Roman a sacudiu. Ela podia ouvir sua voz agora. — Clarisse, pelo amor de Deus! Converse comigo.
Não conseguia desviar dos olhos de Madeline, o sangue estava manchando sua maquiagem perfeita. Ela deve ter ficado horas em frente ao espelho escolhendo a sombra perfeita, a que mais destacasse sua beleza. Praticando os discursos que faria para seus milhares de seguidores, e agora morria no chão, suja de terra e sangue, balbuciando palavras que ninguém jamais ouviria.
— Clarisse? — Roman segurou seu queixo com força, a forçando a olhá-lo. — O que aconteceu? O que você fez?
— Eu a matei.
Eu a matei. Eu a matei. Eu a matei. Eu a matei. Sentiu algo molhado no rosto. Estava chorando. Um soluço agressivo soou alto demais, e Clarisse se afastou do toque do irmão, abraçando os joelhos com as mãos ensaguentadas. O choro fazia seu peito doer, como se estivesse puxando seu coração para fora do corpo. Eu a matei. Eu a matei. Eu a matei.
— Eu matei Madeline Stuart.
🔪🔪🔪
Notas da Autora:
FINALMENTE
tão surpresos? Ou já desconfiavam??
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top