O Segredo de Madeline

dois meses antes de Madeline Stuart morrer

Um sentimento que me descreve é... Argh! Madeline amassou o pedaço de papel, suspirando pesadamente. Quem diria que escrever um texto sobre si mesma seria tão difícil? E ela tinha que entregá-lo à professora no dia seguinte, ou seja, estava ferrada. Não que fosse algo importante, mas gostava de agradar os professores, principalmente a senhorita Miss Brooke. Já que ela, constantemente, elogiava os textos e a atuação de Madeline. Só queria deixá-la orgulhosa.

Um sentimento que me descreve...

— Merda!

As pessoas que estavam na biblioteca a encararam. A loira rolou os olhos e enfiou a folha de papel, em branco, de volta na mochila. Frustrada, saiu ao ar livre, fitando as poucas pessoas que estavam na faculdade, afinal, era domingo. Andou até uma pequena cafeteria que ficava ali perto, e entrou, havia um atendente por quem Madeline tinha uma pequena queda. Às vezes, gostava de se sentar no balcão e conversar com ele.

— Madie! — o rapaz chamou, assim que a viu. — Que surpresa.

Dando um sorriso, ela foi até ele. Jim era um garoto de dezenove anos, que também estudava em Highmore, ele tinha olhos amendoados bonitos e a pele negra era marcada por algumas tatuagens. Quando o rapaz sorria para Madeline, covinhas se formavam em suas bochechas.

— O de sempre? — perguntou Jim, e ela assentiu.

Logo, segurava um frapuccino, enquanto o observava trabalhar.

— O que fez ontem? — indagou Madeline, apoiando a cabeça nas mãos.

— Dormi. Muito — respondeu ele, a fazendo rir. — E você?

— Fiquei em casa. Eu estava... Exausta.

Uma pequena mentirinha, não fazia mal, certo? Madeline mexeu-se na cadeira. Na verdade, todas as suas amigas tinham se afastado, Dallas e Anastásia nem ao menos mandavam uma mensagem. Além do mais, não se arrependia dos seus atos, e, definitivamente, não pediria desculpas. Não que se importasse, afinal, ao menos sobrava tempo para que fizesse o texto ridículo.

— Ainda não conseguiu escrever aquele texto, não é? — Jim indagou, debruçando-se no balcão.

— Eu acho que não vou conseguir — resmungou Madeline, brincando com o canudo. — Apesar de que, de acordo com um colega de classe, um sentimento que me descreva é vadia.

— Isso é ridículo. Vadia nem é um sentimento.

Madeline deu risada, dando um tapa no ombro do rapaz. Ele a fitou, cessando a risada.

— Eu posso te ajudar. O que acha?

— Ah, é? Como?

— Eu te digo como eu vejo você, e aí você escreve.

— Isso é trapaça — a Stuart ressaltou. — Tem que ser autobiográfico.

— Madeline se importando com as regras? — Jim balançou a cabeça, perplexo. — Está aí, algo que eu nunca imaginei ver.

— Não enche.

— Mas se quer saber, se eu fosse você, escreveria sobre o fato de você ser linda, inteligente, talentosa... E ter um péssimo gosto para bebidas.

— Frapuccino é bom! — rebateu Madeline, corando.

Jim sorriu, e então voltou-se para atender outro cliente.

🔪🔪🔪

Um sentimento que me descreve... Madeline grunhiu. Estava no corredor da faculdade, sentada no chão, encarando o papel em branco. O copo de frappuccino estava vazio ao seu lado. De repente, sentiu o celular vibrar, e o agarrou com pressa. Na tela, o nome da mãe brilhava.

— Oi, mamãe — Boas notícias, espero.

— Oi, querida. Não temos muito tempo, o diretor me deu apenas cinco minutos de pausa.

— O que é? — a garota se levantou, a ligação começou a falhar.

— Não vou voltar para Nova Iorque hoje. Sinto muito, querida. As gravações estão sendo refeitas e... Eu... Mas...

— Mãe? Mãe, eu não estou entendendo.

Mais chiados.

— Mãe, pode tentar voltar, por favor? Eu estou precisando de você.

A ligação caiu no mesmo instante. Madeline tentou ligar novamente, mas só caia na caixa de mensagem. Merda! A garota jogou o celular no chão, e começou a pular em cima dele, soltando palavrões enquanto o fazia. Quando terminou, ouviu aplausos, e ergueu a cabeça para ver Aspen a fitando. A Stuart respirou fundo, tirando o cabelo do rosto e começando a guardar suas coisas na mochila.

— Você finalmente enlouqueceu? — questionou Aspen.

— O que você faz aqui? É domingo.

— Eu podia perguntar o mesmo a você.

Madeline fechou os olhos e balançou a cabeça. Por mais divertidas que fossem as brigas com Aspen, naquele momento não estava com vontade. Ela passou por ele, mas o ouviu andar atrás de si.

— Para onde está indo?

— Para casa.

Após alguns segundos de silêncio, Aspen perguntou:

— Posso ir com você?

— Como é? — Madeline o encarou, assustada. — Você me odeia.

— Um pouco. Mas se eu ficar com meus amigos hoje eles vão ficar falando sobre a Lola, e se eu ficar em casa minha mãe vai ficar falando sobre meu discurso na casa dos Simón. Eu preciso ficar longe, com alguém que tem mais problemas do que eu — ele acrescentou com pressa: — E que não vai querer discutir meus problemas.

— E esse alguém seria eu?

— Sim.

Madeline avaliou a situação, e então deu de ombros.

— Tudo bem — e então disse por cima do ombro: — E eu gostei do discurso.

🔪🔪🔪

Aspen jogou a jaqueta de couro no sofá, olhando em volta.

— Sua mãe não está?

— Não — Madeline fitou um quadro em cima da lareira. — Ela nunca está.

— E seu pai?

— Ele vive em Washington agora.

— Meu pai está lá — Aspen coçou o queixo. — Acha que eles fazem uma reunião de pais ausentes?

— Meu pai provavelmente não iria. Ele tem outros compromissos.

Aspen deu risada, e então pareceu surpreso pela própria risada, e fechou o rosto. Madeline pegou a mochila e murmurou um “fique à vontade". No quarto, ela trocou a roupa e tirou a maquiagem, em seguida pegou o caderno e uma caneta, mesmo com Aspen na casa, queria terminar aquele maldito texto! No entanto, foi interrompida por um barulho alto vindo do andar de baixo. Suspirando, a loira desceu as escadas e foi até a cozinha, encontrando Aspen segurando uma caixa de cereal na mão.

— O que está fazendo?

— Comendo, não é óbvio? E você? 

— Eu estou fazendo um trabalho! Meu Deus, você é tão barulhento — Madeline encarou o chão. — E olha a sujeira que você está fazendo!

— Cadê as empregadas? — perguntou Aspen, observando ela pegar uma vassoura. 

— É domingo! Só os seguranças trabalham hoje.

— Na casa de Lola tem empregadas no domingo.

— Bem, na minha não tem. Mamãe não gosta.

Suspirando, Aspen a ajudou a varrer as migalhas de cereal do chão. Sem dizer algo, encheu duas vasilhas, a oferecendo. Madeline sentou-se, à mesa era grande, mas ela quase sempre comia sozinha.

— Qual é o trabalho que você está fazendo? — indagou Aspen. — É uma peça ou algo assim?

— É um texto autobiográfico.

— E você, Madeline Stuart, está tendo dificuldades para escrever um texto sobre si mesma?

— Não começa. Eu te boto para fora — ela apontou uma colher para ele, ameaçadoramente.

Aspen ergueu os braços em rendição.

— Qual é a dificuldade, afinal? 

— Eu não sei... Como você se descreveria, em um sentimento?

— Fracasso — o rapaz deu um sorriso amarelo. — A garota que eu amava terminou comigo, não recebo mais mesadas e, provavelmente, vou ser acusado de roubo a qualquer momento.

Madeline ergueu as sobrancelhas para a última parte, enquanto mastigava o cereal, no entanto, não disse nada. Preferiu comentar sobre outra coisa que lhe chamou a atenção:

— Então, você não ama mais a Lola?

— O que?

— Você — Madeline engoliu o cereal. — Você disse amava. No passado.

— Disse?

A Stuart anuiu em concordância. Aspen franziu a testa, mas não respondeu. Eles continuaram comendo em silêncio, e o mais estranho, era que estava sendo agradável. Ela não conseguia acreditar que estava tendo uma tarde legal com a pessoa que mais a odiava no mundo.

— Deixa comigo — Aspen pegou a tigela dela e levou para a pia.

— E você sabe lavar a louça?

— Eu não sou um inútil, sabia?

Madeline não respondeu, apenas deu de ombros e o ajudou. Ele lavava e ela colocava na secadora, quando terminou de lavar um copo, sem querer, o derrubou no chão. Soltando um palavrão, a loira começou a catar os cacos, e acabou se cortando.

— Caralho! — Aspen fez uma careta. — Tem band-aid aqui?

— No meu banheiro tem, eu pego. Foi só um cortezinho.

— Tá sangrando pra caralho.

— Você acha?

Subindo as escadas, Madeline correu para o quarto. Sangue a deixava tonta — desde o acidente de Anastásia com o mendigo — e começou a procurar pelo curativo. Aspen se ajoelhou ao lado e acabou encontrando primeiro. Ela lavou a mão, quase gritando quando a água gelada entrou em contato com o machucado, e o rapaz ajudou a colocar o band-aid.

— Obrigada — murmurou Madeline. — Sempre achei que se algum dia você me visse sangrando, ia me deixar morrer.

Aspen soltou uma risada.

— É a segunda vez que você me faz sorrir hoje. Acho que estamos enlouquecendo.

— Com certeza — ela também sorriu. — Mas tem uma primeira vez para tudo, não é?

Madeline ergueu o olhar, encontrando os olhos azuis do rapaz. Por um segundo, ela não entendeu porque ele estava a olhando, e então, Aspen a beijou. A garota colocou as mãos no peito para empurrá-lo para longe, mas em vez disso, o puxou para perto. Os dois caíram na cama, entre beijos e carícias.

🔪🔪🔪

Madeline acordou sozinha. Estranhamente, não se irritou, já esperava que Aspen fosse embora após o sexo. Afinal, alguma vez alguém ficou? Levantando-se, seminua, viu que o sol já tinha se posto. Na escrivaninha, um papel em branco parecia brilhar com a luz da lua. Ela encarou a cama bagunçada e vazia, com surpresa, percebeu que já sabia o que escrever para o seu texto. Na segunda de manhã, ela foi a primeira a chegar na universidade, e encontrou a professora sentada na mesa, digitando algo no laptop. Com o coração acelerado, ela andou até a senhorita Miss Brooke, segurando a folha entre as mãos.

— Madeline — a mulher cumprimentou. — Está um pouco cedo, não acha?

— Sim, eu sei. É que eu — a voz da garota tremeu um pouco — eu escrevi meu texto.

— Ah, que maravilha! Eu disse que você conseguiria.

— Mas, hum, ficou muito pessoal. Se você puder guardá-lo, apenas para você.

A senhorita Miss Brooke encarou Madeline, uma mão no queixo. E então, estalou a língua.

— Que tal você lê-lo para mim?

— Ler? Para você?

— Sim. Posso te avaliar nesse exato momento.

Madeline piscou lentamente. Então encarou a folha de papel em sua mão, sentindo a boca secar. A sala estava vazia, tendo apenas ela e a professora. Por que não? 

— Tudo bem.

Pigarreando, Madeline começou.

— Um sentimento que me descreve é a solidão. Eu durmo sozinha e acordo sozinha. Já contei todos os quadros de arte que há em minha casa, são quarenta e sete no total. As vezes eu almoço com a empregada, porque minha mãe não está em casa, e peço conselhos para o meu motorista, porque meu pai não atende minhas ligações — a Stuart não olhou para a professora. — Meu melhor amigo é um atendente de uma cafeteria, e ele mal me conhece. Faz anos que eu não sei como é estar apaixonada por alguém. E a minha vida é tão vazia que eu sinto prazer em viver a vida de outras pessoas — Madeline engoliu em seco. — A última vez que ouvi um eu te amo foi do meu pai, há dez anos atrás, a última vez que o vi. A minha casa é enorme, mas está sempre vazia, e eu vou a milhares de festas, mas sempre vou embora sozinha. E eu sempre me sinto sozinha. A cada dia que passa, eu acredito que vou morrer sozinha. Porém, ainda tenho esperanças de que no futuro, talvez esse sentimento vá embora.

Madeline deu um sorriso fraco.

— Eu ouvi, uma vez, que a solidão é a companhia dos vencedores. Mas eu não me sinto uma vencedora. E eu não quero ser sozinha. Eu não quero viver e morrer só. 

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