Movimento dos Planetas
Os inferiores são pessoas que deveriam estar mortas na visão da NUVEM. Devido a sua popularidade em Delta, não acontece um genocídio devido a possível retaliação da população. A imagem que a NUVEM passava para as pessoas não era a mesma imagem que passava para a Resistência. Isso jamais poderia acontecer. A solução era matar todos de forma lenta e escondida. Sobreviviam na antiga linha de metrô que liga o Segmento A ao Meridiano. Estão abandonados à própria sorte. Com o passar dos anos, após a destruição da Aldeia, eles se juntaram à causa da Resistência. Se tornaram membros oficiais da luta contra a Ditadura das Memórias desde então.
Mas isso a NUVEM não poderia saber.
Essa foi a explicação que Ethan recebeu da segunda líder dos resistentes enquanto corriam para se agrupar em duas vans e partirem da casa das senhoras.
Thomas Hope recebeu um comunicado de um dos representantes dos inferiores logo após a cerimônia de casamento. Algo estava acontecendo e tudo indicava ser uma armadilha da NUVEM. A Resistência teria que investigar para dar o voto final.
McAllen não entendia o que nada daquilo poderia significar.
A zona montanhosa de Delta seguia do norte do Segmento B até o centro-oeste do Segmento A, passando por uma parte do Meridiano. Era por ali que teriam que passar. O restante dos resistentes voltou para a Torre da Resistência na cidade abandonada. Não havia justificativa para arriscar a presença dos resistentes mais novos, ou das crianças, em uma possível armadilha da NUVEM. Não tinha cabimento algum.
Ethan estava sentado próximo à janela da frente daquela van. Thomas dirigia e Ariadne estava entre os dois segurando um Atlas aberto entre suas mãos. O vento do final de tarde já mudava sua temperatura, e o rapaz conseguia sentir a diferença térmica em choque com seu couro cabeludo. Os fios negros balançando ao vento.
O Segmento A aparentava ser mais populoso que os demais, com exceção apenas do Meridiano. Não demorou para aparecerem casas a partir da zona de transição da Fronteira. A civilização estava mais próxima, e por esse motivo as janelas foram fechadas.
Cada Segmento, por apresentar uma dimensão extensa, era diferente dos demais, tanto na questão geográfica, quanto na cultural. Casas coloridas de no máximo dois andares cobriam a visão de cada cidade. Havia vida dispersa nas ruas. Pessoas passeando com seus filhos, crianças correndo ou brincando em grupos, danças livres nas estradas. Parecia tudo muito alegre. Tudo muito vivo.
Thomas estacionou a van em uma praça mal iluminada da quinta cidade que adentrou no Segmento A. Estavam na estrada fazia quase cinco horas ininterruptas. Precisavam parar. Thomas e Ariadne deixam o restante do grupo para buscar coordenadas com um informante que se encontrava ali. Os resistentes então se espalharam pela área sem lugar algum em mente. O ambiente era muito arborizado, tornando o ar mais fácil de respirar, mas a pouca iluminação acabava dando um destaque maior a cores mais chamativas. Era possível sentir o cheiro de doces e outras guloseimas por toda a praça. O aroma de canela era inconfundível.
À distância, notou um amontoado de pessoas se movimentar graciosamente sob a luz natural da lua e a artificial da cidade. Mulheres vestidas com longos e largos vestidos brancos, de saia rodada e renda, se apresentavam naquela praça. Giravam suas vestimentas ao som de uma música popular cantada por moradores locais. Ethan se aproxima cada vez mais daquele monte de pessoas, deixando o momento o levar. A beleza do movimento que faziam era quase hipnotizante. A música logo foi adornada de batuques em instrumentos que nunca viu ou ouviu em sua vida. O ritmo da música e da dança acelera até que em um determinado instante, as mulheres dançarinas formam uma espécie de circunferência, todas de mãos dadas.
Em um movimento ensaiado, elas formam pares e desmontam o círculo, mas apenas por alguns instantes. Samantha, que estava logo atrás de Ethan, sabia o que aquele movimento significava, assim como diversos outros que assistiam a apresentação com olhares atentos e pernas vibrantes. Na segunda vez que as mulheres de branco desmontam a circunferência, Sam empurra Ethan para frente, que cambaleou alguns passos até se aproximar de uma das dançarinas, que agarra sua mão. Ele vê um sorriso formar no rosto da desconhecida. No segundo seguinte, Samantha tomava posse de sua outra mão, posicionando-se ao seu lado naquele círculo.
Agora não sabia o que fazer. A garota que o empurrou segura suas mãos e imita os movimentos simples e repetidos que todos dançavam. Com o olhar fixo nela, ele também consegue acompanhar seus movimentos. Apesar de simples, eram complexos, e mais e mais pessoas adentravam naquela roda que caberia o mundo.
Como movimento final, todos formam a circunferência mais uma vez, mas o padrão muda. Agora, apenas uma pessoa soltou a mão, enquanto todas as outras seguravam seus pares. Essa mulher, então, caminha em direção ao centro do círculo, contornando internamente sua circunferência. Assim, toda a linha começa seus passos lateralizados em direção ao centro daquela formação, criando uma espécie de espiral de duas dimensões. Quando chegam ao centro, se dividem em diversos outros círculos, de diversos tamanhos. Quanto mais distante do centro, mais pessoas o formavam.
As mulheres já estavam rodando em seu entorno e em sua volta, semelhante ao movimento dos planetas no sistema solar. Sam encosta sua mão no ombro dele e puxa as de Ethan, fazendo-as contornar sua cintura completamente. O som da música aumenta, assim como sua velocidade. Naquele ponto, McAllen já não ouvia mais nada. Era ele, ela e os passos de dança sem ritmo, sem som.
Levanta um dos braços e a faz dar dois giros até fazê-la cair em seus braços. Algo naquela menina o fazia ir à loucura. Desejo. Acaba mordendo o lábio inferior sem perceber, por estar com toda a sua concentração em si e na garota à sua frente. Seus olhos estavam conectados. Sentiam como se pudessem ler cada palavra de suas histórias. É quando ela o puxa para perto de seu corpo e toca seus lábios nos dele. Aquele sentimento, aquele momento. Nada conseguia tirá-lo dali agora.
Acabam o beijo por falta de ar. Ele estava faminto, e ela tinha gosto de canela. Tudo o que rodava em sua cabeça, cada sentimento de culpa, medo ou tristeza, foi embora nos últimos segundos. Sua mente não pensava em outra coisa, era apenas na menina de pele cor de ébano, de colar cor de ouro e de brilho azul.
Eles aprofundam o beijo quando saem daquela roda de dança e música folclórica e se aproximam das sombras das vans da Resistência. As costas de McAllen contra as portas metálicas do veículo. Ethan sentia seu corpo tremer. Sentia seu corpo ficar sem ar. Sentia seu corpo pedir por mais. Ambas as mãos da menina estavam apoiadas em seus ombros, suas palmas em seu pescoço, seus dedos em sua nuca.
E Samantha Wit sorria entre os lábios de Ethan McAllen.
Não demora muito para que todos retornem aos veículos depois que os irmãos Hope retornam. A missão não podia esperar.
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