6. O Manipulador do Vento (Parte II)


Minutos antes da aula vespertina, quatro alunos recostados na parede esbranquiçada do corredor debatiam entusiasmados sobre suas expectativas para a primeira aula de manipulação.

— Finalmente vamos aprender feitiçaria — disse César.

— Feitiçaria? Por acaso regredimos dois século e eu não percebi? Me poupe, ao menos use algo dessa década, como: conjuração, manipulação... Sei lá, só não sai por ai dizendo que a gente faz feitiçaria — Jonas debochou, inflando o olhar do amigo. Após tamanha crítica social, a seguinte questão foi jogada aos colegas: — Caras. O que vocês acham daquela garota que senta ao lado da Leonhart?

— A de cabelo castanho e curto? Ou a outra? —— Quis saber Ronan, curioso com o que estaria por vir.

— A de cabelo curto é bonitinha, mas eu falo da outra — disse como se fosse óbvio.

— Tá, mas e a Nathalia, hein? — Ronan insistiu até assustar-se com as expressões reprovadoras na face dos três colegas.

— Uau, você não conhece ela? — Jonas questionou.

Envergonhado, Ronan balançou a cabeça em negação, enquanto Dario, muito decepcionado, levou a mão direito ao rosto.

— Tá explicado. Confia na gente Ronan, fica na sua, e se ela por algum motivo vier falar com você, finja que está com diarreia e fuja o mais rápido que puder.

Todos acenaram em afirmação. Ronan permaneceu desiludido, o que isso queria dizer? Pensou, então retribuiu o aceno dos colegas, mas no fundo decidiu ignorá-los. Afinal, como eles poderiam julgá-la? Eles nunca se aproximaram ou sequer trocaram palavras com ela.

— Isso é tão triste — César disse entoando decepção em sua voz.

— O que? — perguntou Jonas.

— Ficamos aqui julgando a beleza das garotas da nossa turma, mas não vejo nenhum príncipe encantado nesse corredor.

Subitamente, toda a felicidade dos três foi sugada para outra realidade.

— O pior é que elas devem estar fazendo a mesma coisa com a gente, só que em vez de nos elogiar, devem estar debochando da nossa cara — completou Dario, mas logo retribuiu a crítica. — Nossa! Muito obrigado viu. Agora eu torço para que você e a Nathalia se casem, e tenham uma vida tão deprimente quando a nossa agora.

Assim como ela se foi, a felicidade retornou aos quatro rapazes.

De relance Ronan viu o professor subindo a escada. Sem perder tempo avisou os colegas, e os três aguardaram Felix surgir no corredor.

— Boa tarde — cumprimentou o professor de forma simpática e educada.

— Boa tarde...

— Nosso querido...

— Professor.

Disse: Ronan, Dario, Jonas e César enquanto o professor passava por cada um. Ele parou junto à última palavra dita, e de frente para César, encarou-o por infindáveis segundos. Andou para trás e encarou Jonas, repetiu o mesmo com Dario e, finalmente, Ronan. A vontade de rir aumentava dentro de cada um a cada nova encarada. Ronan, com o rosto enrubescido e os olhos lacrimejando, estava a ponto de explodir, até que enfim, o professor concluiu:

— Essa juventude... vai ser o fim... não tenho dúvida... Estamos condenados — dizia enquanto sua voz diminuía a cada passo rumo à sala.

A aula da tarde teve seu tão aguardado início. Com todos os seus alunos em sala, Felix introduziu-os nos conceitos básicos do funcionamento teórico da manipulação.

— Como vocês já devem saber, a manipulação é uma prática nem um pouco "mágica", muito diferente de como se acreditava antigamente. Mas para que vocês consigam materializar essa energia, é necessário esforço e uma compreensão do que será ensinado daqui para frente. Cada tipo de conjuração necessita do entendimento de seu padrão. Por exemplo: a manipulação do ar talvez seja a mais simples, pois necessita da canalização da energia que irá reagir ao seu redor, "empurrando" o vento como um leque agitado em qualquer direção.

Até aí não havia nada de muito revelador para Ronan. A manipulação ainda soava abstrata, mas ele persistiu, continuou prestando atenção nas explicações do professor, assim como todos, ou melhor: como a maioria.

— Imagino que vocês já devam ter experimentado se concentrar e fazer algo sair magicamente pelo menos alguma vez, mas não basta apenas isso para alcançar algum resultado. A concentração alinhada à pretensão são condições para manifestar a energia arcana em seu estado abstrato, por isso ela não reage como queremos. Para alcançar uma reação positiva é necessário "entender" o que se quer manipular, e só assim será possível fazer essa energia abstrata reagir quando tentamos manipulá-la. Agora, ao buscarmos manipular os elementos mais complexos, é comum levar anos ou décadas, dependendo de reação para reação e de conjurador para conjurador.

Certo, aparentemente ele já nos revelou o grande segredo, mas tudo ainda parece ironicamente: "abstrato" demais, refletiu Ronan numa conversa consigo mesmo, ainda frustrado.

Notando a reação confusa dos alunos, o professor tentou tranquilizá-los, afinal, estava se adiantando demais para uma turma do início do primeiro semestre.

— Vocês não precisam dominar isso agora. Eu estou apresentando o básico para nos aprofundarmos futuramente, tanto nessa matéria, quanto em Introdução à Manipulação. Disciplina essa que eu lecionarei a vocês na primeira aula de amanhã, lá buscarei ensinar algo bem simples para vocês compreenderem melhor o que será passado hoje. — Percebendo que não precisavam descobrir como manipular o vento nesta aula, o estresse e a frustração da turma foram sugados para longe. Aliviado por dissipar a névoa do nervosismo, Felix prosseguiu: — Retomando... Estávamos na manipulação do vento... — Ele fez uma pequena pausa para retomar o raciocínio — Para manipular o vento, sua chave está na rotação constante da energia produzida pela nossa concentração jun...

— Professor — interrompeu Nathalia com sua mão direita levantada.

— Pois não.

— Isso quer dizer que durante essa aula e a próxima, só teremos a manipulação do ar?

— Exatamente.

— É que eu já sei essa parte. Eu posso me ausentar então? Eu juro que vou estudar em casa.

Como esperado de uma Leonhart, Ronan permitiu se admirar mais uma vez.

Dario se aproximou do amigo, e disse aos sussurros:

— Se prepara que vai começar...

O olhar de Felix à aluna evidenciou uma súbita irritação.

— Se ausentar? Claro que não, eu passarei muita coisa importante. E nós focaremos na manipulação do vento durante o primeiro semestre inteiro.

Mas Nathalia transmitia essa mesma irritação.

— Seis meses só para aprender a manipulação do vento? Qualquer um que consiga ler as piadas sem graça do jornal consegue em menos de um mês! — respondeu incrédula.

Ronan não pôde acreditar que ela questionava o professor de forma tão grosseira. Felix claramente não estava gostando daquela ousadia.

— Já disse que não, você sabe que nem todo mundo tem essa facilidade. A manipulação é algo difícil de alcançar, e você deveria saber muito bem, ou pelo menos seu pai deveria ter lhe ensinado um pouco de humildade.

— Mas não é justo eu precisar comparecer para aprender aquilo que eu já sei fazer perfeitamente. Eu sei até manipular o fogo, olha!

Da palma dela uma pequena chama alaranjada brotou dançando entre seus dedos numa distância segura, deslumbrando a turma com tamanha maestria. Aquilo era um feito digno dos alunos do quinto semestre, para mais.

Ronan aos poucos entendeu o que Dario e seus amigos queriam dizer quando pediram para não se meter com ela. O rosto do professor tremia com os olhos bem abertos. Aquela aluna havia quebrado uma das chatas, mas fundamentais regras da universidade.

— Não Nathalia! Você virá em todas as minhas aulas, e irá prestar atenção enquanto o resto da turma aprende, goste disso ou não! — esbravejou tentando colocar ela em seu devido lugar, após recuperar uma fração de sua calma, continuou: — E nunca mais ouse conjurar algo nesta sala sem minha permissão, então pode abaixar essas chamas, agora — completou um pouco mais calmo, mas ainda bravo.

— Não é justo. Não é nada justo! Eu não vou aceitar isso. Eu irei agora para a coordenação provar a eles e a você, que eu não preciso vir à suas aulas e aprender algo que eu já sei fazer melhor que qualquer um! — Frustrada, continuou esbravejando enquanto suas chamas aumentavam na proporção de sua teimosia.

Felix estava a ponto de explodir, mas pouco antes da gritaria recomeçar Dario se levantou empolgado.

— Relaxa professor, eu sei como resolver isso — disse com uma confiança misteriosa.

Aliviando um pouco à tensão do ambiente, Dario parecia saber o que tinha de ser feito, como uma mãe que reconhece o choro do bebê quando ele clama por comida. Em seguida ele apoiou sua mão esquerda no punho direito, virando a palma para cima e entoando algo que parecia um mantra:

Elementos do ar, me concedam o poder de colocar essa garota mimada em seu devido lugar... — soou como a passagem de um livro sagrado.

Que? Pensou Ronan, sem ter ideia do significado por trás daquelas palavras. Até o professor pareceu confuso com aquilo tudo. Subitamente, foi como se o ar ao redor de Dario convergisse na palma erguida, formando uma esfera incolor rotacionando em fúria, seguido de um grito de guerra tão inesperado que a turma também gritou, mas de susto.

Ventos da humildade! — ele anunciou aos berros.

Do nada, por dentro da esfera de ar emergiu uma feroz rajada de vento que sufocou as chamas de Nathalia num estalar de dedos.

Suas amigas não foram atingidas, mas apesar de não ter se machucado, Nathalia teve o cabelo desarrumado. E para ela isso foi tão humilhante quanto servir de alvo para uma conjuração na frente da turma toda.

Sem conseguir se segurar ela soltou um estridente grito de ódio enquanto seu novo rival a olhava com ares de superioridade, como se ganhasse a primeira de muitas batalhas, numa longa e catastrófica guerra.

Dario nem parecia se importar em ter quebrado algumas regras para demonstrar o seu potencial.

— Vocês dois para a coordenação! Agora!

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