SEIS
Minha paz estava abalada com Mikaela por perto.
A noite inteira fiquei pensando como uma garota poderia ser tão marrenta. Nada do que eu fazia estava bom. Quando eu achava que estava finalmente chegando a algum lugar, parecia que retrocedia dois passos para trás. Dessa forma eu não chegaria nunca até o coração dela. Fui obrigado até mesmo a apelar para a serenata, mas não adiantou. O que mais eu poderia fazer para apelar para o seu coração? Será que se eu inventasse uma doença terminal ela ficaria comigo? Acho que não. Mikaela era mais esperta que isso. Logo perceberia que eu estava mentindo.
Desistir não era mais uma opção para mim. Eu iria até as últimas consequências para poder conquistá-la agora. Meu ego estava muito ferido. Eu precisava ganhar aquela aposta por uma questão de honra masculina. Minhas estratégias para aquilo estavam completamente limitadas, na verdade já estavam esgotadas. Eu não tinha mais nenhuma carta na manga. Agora tudo o que me restava era falar com as amigas de Mikaela. Talvez elas tivessem bons conselhos para me dar, tendo em vista a personalidade dela. Ela não poderia me odiar mais do que já me odiava ou será que não?
Assim que cheguei na escola naquele dia, marquei uma reunião urgente com as meninas do pelotão. Queria arranjar alguma estratégia de batalha com base nos relatos delas sobre Mikaela. Deveria ter alguma informação que ainda não me contaram que me ajudaria naquilo. Decidimos qual seria o melhor horário para nós fazermos a reunião e assim então foi decidido. No intervalo elas despistariam Mikaela para poder se reunirem comigo num ajuda colossal.
Assim que o sinal para o intervalo tocou naquele dia, corri até a sala de história, onde tínhamos marcado uma pequena reunião. O professor tinha liberado as chaves para mim, o chefe do conselho. Agora eu apenas esperava que elas chegassem. Eu aguardava inquieto andando de um lado para o outro sozinho na sala. Até que ouvi a porta se abrindo e vi Laura, Mariana e Sacha entrando em uma fila indiana.
― E então o que você quer saber exatamente? ― perguntou Laura animada.
― Bem, quero que me diga algo sobre Mikaela que me ajuda a conquistá-la.
― Será um prazer! ― disse Laura batendo palmas e dando pulinhos de alegria. ― Bem, ela gosta de chocolate amargo, prefere frio do que calor, ama séries de TV adolescentes, gosta de assistir ao mar sentada na areia da praia, o que mais posso dizer?
― Continuem! ― pedi. ― Acho que estou tendo grandes ideias para os próximos dias!
― Bem Victor ― intrometeu-se Sacha esbanjando um sorriso malicioso no rosto com uma de suas sobrancelhas alçadas. ―, tem uma coisa que acho que você poderia fazer por ela que a faria se apaixonar de fato!
― E o que é? ― perguntei imediatamente com o coração disparado.
― Bem, hoje depois da aula vamos ter que arrumar o ginásio para um evento do nosso grupo de apoio que vai ser nesse fim de semana só para as meninas. Uma noite de garotas. Isso é muito importante para ela e acho também que ela precisaria de braços fortes como o seu para ajudá-la com isso, o que você acha? Todos nós ganhamos. Nós ganhamos uma tarde livre e você uma oportunidade a sós com Mikaela para conquistá-la.
― Acho perfeito.
Todas comemoraram. Eu finalmente havia encontrado a oportunidade perfeita para ficar perto de Mikaela e fazê-la se apaixonar por mim. Eu não podia estar mais feliz. Finalmente as coisas pareciam estar se alavancando. Esperava que agora tudo pudesse correr como um rio corre para a margem. Dessa vez eu tinha certeza de que tudo poderia dar certo. Pelo menos eu torcia para que sim.
***
Depois da aula, resolvi ir até o ginásio como as garotas tinham dito. Ao chegar lá realmente encontrei Mikaela sozinha, em cima de uma escada tentando colocar uma faixa vermelha com o nome do grupo delas gravado em verde. Sorri ao ver que ela parecia resmungar alguma coisa. Me aproximei aos poucos. Seus murmúrios tornavam-se cada vez mais perceptíveis. Ela resmungava algo sobre tudo ser ela.
― Você colocou a faixa meio torta! ― disse rindo.
Ela olhou rapidamente para mim com os olhos arregalados, depois enrijeceu sua expressão.
― Se faz melhor que isso por que não faz você?
― Se quiser eu posso ajudá-la com tudo aqui.
― Pensando bem, acho que dou conta sozinha.
― Ué, não disse que eu fizesse se fizesse melhor?
― Não preciso e não quero a sua ajuda Victor.
Ergui as mãos em sinal de paz.
Ela revirou os olhos e voltou seu corpo em direção a faixa, o que a fez se desequilibrar, largando a faixa e tentando se segurar na escada que cambaleou. Seu corpo vacilou e ela despencou em direção ao chão. Corri para salvá-la de imediato. Estendi os braços e consegui pegá-la a tempo antes que atingisse o chão. O fato de eu estar perto ajudou bastante em dar tempo. Segurei o seu corpo contra o meu. Suas costas contra o meu peito. Ela virou o rosto e nossos rostos ficaram a poucos centímetros de distância, nossa respiração se condensando. Meus braços ao redor de seu tronco. Senti que agora iria acontecer, quando ela tentou se desvencilhar de mim. Eu a soltei.
― Você está bem? ― perguntei por fim.
― Estou! ― disse ela com a respiração ofegante. Ela me fitou por algum tempo enquanto seus ombros subiam e desciam com a respiração forte depois do susto. ― Você me salvou.
― Talvez eu seja útil aqui, não acha? ― não perdi a oportunidade.
― Bem, talvez seja bom que você fique mesmo.
Por fora, eu parecia um cara tranquilo, mas por dentro era como se uma explosão de fogos e artifício numa noite de fim de ano estivesse sido iniciada. O outro eu dentro de mim armava uma festa. As coisas finalmente estavam corroborando para o sucesso. Eu não poderia estar mais feliz. Onde quer que Deus estivesse eu agradecia cem por cento por aquele momento.
― De qualquer forma, preciso de ajuda mesmo, já que as meninas não puderam vir.
― Bem, me perdoe a intromissão, mas o que aconteceu com suas amigas?
Queria apenas ver qual a desculpa que elas haviam usado para se livrar da arrumação do evento para me deixarem a sós com ela.
― Bem, Sacha disse que teve uma emergência na família, Laura teve diarreia por comer comida estragada e Mariana simplesmente sumiu e não atende o celular de maneira alguma.
Dei de ombros.
― Vai ser um prazer ajudar.
Começamos pela faixa. Ela não subiu mais na escada. Eu mesmo subi enquanto ela ficava em baixo me dizendo o que fazer para deixar a faixa alinhada. Eu obedecia todos os seus comandos até que finalmente a faixa estava no ponto perfeito para ela. Desci da escada e também avaliei o meu trabalho. Realmente estava no ponto certo. Dei um leve sorriso de satisfação pelo meu trabalho bem feito, mas Mikaela tinha um grande por cento naquilo tendo em vista que a sua visão de fora ajudara as minhas habilidades de engenheiro.
― Até que formamos uma bela dupla! ― disse empolgado.
Ela meneou a cabeça e logo após me conduziu até uma dispensa que havia no ginásio do colégio e pegamos uma mesa de madeira retangular. Juntos a carregamos para perto da arquibancada e lá a posicionamos. Ela deu passos para trás chegando até o centro da quadra no ginásio e olhando com olhos semicerrados, um dos braços colado ao seu corpo e o outro apoiando-se no mesmo braço colado ao seu corpo com a mão no queixo. Depois de um tempo de avaliação ela finalmente caminhou até mim e pediu para afastarmos um pouco mais para o lado. Não questionei e a ajudei a concluir aquela ação.
― Agora está perfeito! ― disse ela contente. ― Agora precisamos cortar alguns corações para pregar numa fita e colocar na entrada da porta.
Fiz que sim com a cabeça e ela caminhou até a arquibancada onde havia um saco plástico branco. Ela me chamou para perto com um gesto de cabeça e eu me aproximei então, sentando entre o saco e ela. Ela tirou da sacola um pedaço de E.V.A com vários desenhos de corações contornados por uma caneta a base de álcool e duas tesouras grandes de costura. Logo supus que teríamos de cortar todos aqueles corações nas linhas de contorno. Nunca fui muito bom cortando coisas, não conseguia manter meu corte reto, mas talvez fosse melhor seguindo as linhas feitas.
― Vamos cortar pelo menos cem corações desses! ― revelou Mikaela sem olhar para mim já concentrada no corte de seu primeiro coração da sua folha de E.V.A.
― Cem? ― interpelei perplexo.
― Sim! ― confirmou ela cessando seu corte e olhando para mim com uma sobrancelha alçada. ― Algum problema?
― Não! ― remendei rápido. ― Cem num instante acaba não é mesmo?
Ela voltou a se concentrar no seu corte novamente e um silêncio ensurdecedor pairou sobre nós. Comecei a cortar um pouco inseguro, mas logo que a tesoura foi encontrando as linhas feitas, consegui seguir o nível com muita precisão. Na minha mente tentava arrumar uma forma de puxar conversa com Mikaela. Sabia como ela poderia ser difícil. Nem imaginava o que poderia prendê-la numa conversa comigo. Não sabia exatamente do que ela gostava e mesmo com uma ajuda das suas amigas, ainda não tinha fatos suficientes reunidos para sustentar uma prosa agradável para ela.
De vez em quando enquanto cortava, lançava olhares furtivos na direção dela, que parecia concentrada demais para me notar. Seus cabelos loiros e ondulados cobriam metade de seu rosto enquanto estava de cabeça abaixada olhando para a folha de E.V.A. Enquanto perdia tempo com um corte lento e perda em pensamentos, ela já havia cortado cinco corações. Ela era bastante ágil ou será que era apenas eu que era muito lento? Tentei focar no que era importante e consegui cortar meu primeiro coração de E.V.A. Comemorei o meu feito, o que fez Mikaela olhar para mim como se eu fosse um louco. Aquele olhar sugestivo que faz eu me sentir um extraterrestre.
― Nossa, você cortou um E.V.A! ― disse ela com desdém. ― Pelos meus cálculos ainda faltam noventa e quatro, bem, noventa e três com o que eu acabei de cortar.
― É, já estamos quase acabando!
Ela franziu a testa depois ignorou totalmente o meu comentário, como não sendo nada produtivo. Voltei a cortar o meu segundo coração. A cada coração a mais que eu cortava, ia ganhando um pouco mais de agilidade. Eu não era tão rápido quanto Mikaela, talvez pelo fato de ela já ter prática naquilo, afinal de contas ela já estava à frente daquele grupo de apoio desde o primeiro ano, portanto já havia feito várias festas, reuniões ou o que quer que se chamasse aquilo que ela faria.
Uma ideia atravessou a minha mente. Agora eu já sabia como puxar um papo com ela. Deveria perguntar um pouco mais sobre o sei grupo de apoio. Era algo que aparentemente ela amava fazer. Talvez se eu perguntasse sobre a história do grupo ou até mesmo do funcionamento dele, eu teria uma conversa sólida com ela por algum tempo e também faria eu parecer bem mais legal para ela.
A conversa era algo bastante positivo ela poderia aproximar nós dois um pouco mais. Fazer até mesmo ela sentir empatia por mim, o que já poderia ser uma porta de entrada para mim em sua vida. No livro "Conversação", do pensador inglês Theodore Zeldin, ele afirma que "dois indivíduos, conversando honestamente, podem se sentir inspirados pelo sentimento de que estão unidos em um empreendimento comum com o objetivo de inventar uma arte de viver juntos que não foi tentada antes". Aquilo poderia caber entre mim e Mikaela.
― Bem ― pigarreei. ―, como exatamente surgiu esse grupo de apoio Mikaela?
Ela elevou o seu olhar até mim, fitando-me séria. Por um instante pensei que a conversa nem chegaria mais a acontecer, até que sua expressão foi ganhando uma forma reflexiva. Ela pôs o seus cabelos para trás de sua orelha, olhando para algum ponto acima de sua cabeça, como se tentasse lembrar de algo guardado há muito tempo em sua memória. Talvez ninguém nunca a tivesse perguntado aquilo ou fazia algum tempo que não fazia, fazendo-a recordar-se de dois anos atrás quando o grupo surgiu.
― Bem, o grupo surgiu depois que eu vi meninas na escola conversando sobre baixa autoestima e auto aceitação! ― iniciou ela. ― Eu já tive problemas com baixa autoestima e eu sei bem como é se sentir assim!
― Baixa autoestima? ― indagou incrédulo. ― Mas você é linda Mikaela!
Ela fez uma cara de reprovação, balançando a cabeça em negativa.
― Baixa autoestima não é apenas sobre se sentir feia, é também sobre se sentir insuficiente! ― explicou ela com os olhos cravados em mim como uma professora atenciosa. ― Por mais que você seja linda, você se sente um lixo e não há roupa ou maquiagem que faça você se sentir melhor. Você simplesmente acha que não é a melhor coisa já inventada nesse mundo. Insegurança é um dos pontos que mais assolam na baixa autoestima. A insegurança dos olhos que me veem. Buscar sempre a aprovação dos outros para me sentir melhor por uma questão ínfima de segundos e depois voltar a me sentir da mesma forma.
― Nossa, isso parece terrível!
― E é. Mas isso se dá pelo fato de que você ainda não se encontrou. Ainda não encontrou o amor próprio, afinal de contas você é a única pessoa no mundo que pode fazer você se sentir linda. Os outros existem para te julgar, mas quando você mesma para se julgar e passa a se amar, você alcança a autoestima com louvor.
― E você alcançou?
― Demorou um pouco, mas sim, então resolvi que outras meninas também precisavam se encontrar, depois de ver que muitas delas se sentiam inseguras da mesma forma que eu.
Sorri levemente.
― Você é um anjo Mikaela.
Ela voltou a olhar para mim e ficamos trocando olhares por algum tempo em silêncio até que ela depositou novamente o seu olhar para os últimos corações na folha de E.V.A. Com a tesoura em mãos ela voltou a fazer o seu trabalho, enquanto eu também fiz o mesmo. Não demorou muito para terminarmos de cortar tudo. Ela puxou uma fitilho da sacola, depois pediu para que eu ficasse em pé. Ela pôs uma ponta sob o solado do meu tênis, pedindo para que eu pisasse. Assim eu fiz.
Ela foi desenrolando o fitilho até chegar um pouco acima da minha cabeça. Nossos olhares se encontraram. Ela era uma garota extremamente linda. Seus olhos verdes me faziam contemplar a beleza de duas esmeraldas. Aos poucos fui aproximando meu rosto do seu, sentindo cada vez mais nossas respirações se condensando. Ela não recuou. A vi fechando os olhos aos poucos o fitilho caiu no chão o que causou um susto em nós dois. Rimos juntos.
Voltamos a organizar tudo. Colocamos vinte fileiras de fitilho com corações colados na porta de entrada. Depois que terminou toda a organização, ela parou no centro da quadra admirando o trabalho bem feito. Parei ao lado dela. Ela bateu palmas de empolgação e o primeiro reflexo que teve foi o de me abraçar. Fiquei um pouco surpreso com a reação dela, no entanto envolvi os meus braços ao redor da sua cintura, deleitando-me no abraço dela. Depois que percebeu o que havia feito ela se afastou um pouco de mim, porém ainda deixando suas mãos sobre os meus ombros.
O olhar dela para mim era um olhar frágil naquele momento. Mesmo que não estivéssemos falando nada naquele momento, sentia que estávamos. Às vezes nosso olhar falava muito mais que palavras ditas, pois eles expressavam o que o nosso coração realmente queria dizer, quando nossa boca nos traía. Nem havia percebido, mas nossos rostos já estavam tão próximos, que nossas respirações se misturavam. As pontas de nossos narizes roçaram levemente e deslizaram um no outro até que nossas bocas se tocaram e o mundo ficou completamente para trás.
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