Xeque-Mate


Irina

A porta bateu no canto da parede, a fúria nos olhos de Ricco fez com que qualquer remanescente de droga ou álcool se extinguisse para sempre do meu organismo, eu nunca me senti mais desperta.

— Saiam todos! — a voz gutural de Ricco retumbou no aposento me fazendo estremecer. — desamarrem-na! — ordenou e Jullius apenas se afastou sem discutir. Um dos homens soltou as minhas mãos e depois saíram fechando a porta. Deixando-me sozinha com a presença esmagadora de Ricco Venni.

Eu o observei andar como um deus pelo quarto, tirou seu casaco e eu pude ver o quanto ele parecia diferente em uma camisa de seda verde que realçava seus olhos e o faziam parecer mais poderoso. Provavelmente não era a roupa ou a posição que ele ocupava no mundo do crime, mas parecia vir de dentro dele. Ensaiei um comentário sarcástico a respeito, mas preferi mantê-lo para mim. Autopreservação eu acho.

— Três perguntas, e, se me der três respostas satisfatórias deixo você viver. — disse bem devagar enquanto ocupava o lugar de Jullius na cadeira a minha frente.

— E se eu não quiser mais viver? — perguntei erguendo meus olhos a ele.

— Então, eu vou realizar o seu desejo, mas você vai implorar para que eu acelere o processo. Então, eu posso até te deixar morrer, agora como isso vai acontecer depende de você, e penso que desta vez Vitto não vai te tirar daqui.

Por um momento, seus olhos pareceram ir além da minha alma, como se ele enxergasse todos os monstros embaixo da minha psique.

— Sinto muito por tudo Ricco, você não merece o que ele faz com você.

— Aceito suas condolências, temos um acordo?

— Isso depende você promete cumprir a sua parte do acordo?

— Não me desafia Irina, não vá lá de novo! Responda-me, como e onde isso começou?

Eu estava pronta para abrir a caixa de Pandora, eu não precisava mais guardar uma promessa visto que eu estaria morta em breve.

— Meus pais, ou melhor, meu pai estava endividado, e foi pego em uma armadilha dos federais, Vitto comprou as dívidas e limpou a ficha dele, mas ele forjou um conteúdo de depoimentos, e ameaçou revelar para a comissão, meu pai sabia que isso significava a morte de todos nós, então ele concordou em ajudar Vitto a descobrir os nomes dos detentores das moedas.

— Continue!

— Quando seu pai descobriu, ele bateu muito no meu pai, ele estava prestes a matá-lo, mas minha mãe interveio e contou a verdade sobre Vitto, então meu pai entregou as provas que eles tinham, foi por isso que eles morreram.

Meu pai me deixou na casa de Giacomo Rizzo, e fugiram, mas Vitto descobriu e os matou.

— Porque você não contou a Giácomo ou a comissão?

— Meu pai me fez jurar que não contaria, ele sabia ter alguém dentro da comissão ajudando o Vitto, se eu falasse com a pessoa errada eu estaria morta.

Ricco não parecia surpreso ao saber da existência de um rato na comissão.

— Porque você veio até mim? Vitto te mandou?

— Não, eu estava com medo, depois que meu pai morreu Vitto estava muito confiante, ele começou a eliminar pessoas da comissão, e associados importantes.

Um dia Vitto apareceu na casa de Giacomo, eu estava no quarto, sozinha, os outros estavam no jardim em uma comemoração. Vitto disse que eu seria dele, mas antes eu deveria conquistar Aldo Rizzo, ele me queria dentro das famílias. Eu tinha dezesseis anos, ele me marcou e me fez dele, mas eu não podia trair o Aldo e sua família, então fui atrás da única pessoa de quem Vitto tinha medo.

— Eu — afirmou — e, porque ele tinha medo? Naquela época eu estava fora da família, vivendo longe de tudo eu não representava perigo para ele ainda.

— Isso é o que você pensa, ele sabia que você era detentor de uma das moedas, mas não sabia qual, e ele sabia que se suas suspeitas estivessem certas ele teria que te tirar do caminho antes que você ficasse forte demais.

— Então você veio até mim por proteção?

— Não leve a mal, eu gostava de você, mas meu coração já pertencia a outro. — confessei — e foi por isso que Vitto pôs Vincent com você, ele estava lá para garantir que eu não falaria nada, para isso ele ameaçou a única pessoa que eu realmente amava, Vincent nos viu juntos e eles usaram isso contra mim, na noite que você me pegou com Vincent, nós planejamos te contar e assumir a responsabilidade dos nossos atos, mas o bastardo descobriu e disse que você já sabia e estava esperando o momento em que iríamos te chamar para a conversa então você iria fazer dele um exemplo na minha frente. Temi por ele e por mim, por isso aceitei o plano de Vincent, o que você viu não era para você era para ele.

— Aldo Rizzo — completou amargo.

— Sim, mas isso não importa mais ele morreu pensando que eu o traí.

— Você pelo visto não pensou em mim, nem você, nem o Aldo pensou em mim.

— Ele era seu amigo de verdade, nós nos amamos de longe por muito tempo, mas foi mais forte que nós, e na primeira vez que ele foi nos visitar no Brasil, ele me beijou e nós nos tornamos amantes, ele queria falar com você. Eu o amava desde que era uma menina, e ele também me amava, Aldo não se declarava por pensar que você gostava de mim, ele se anulou por você, e foi por isso que quando Vitto quis a morte dele eu não pude deixar.

— Como Vitto te tirou da minha casa?

— Não foi ele, seus homens infiltrados na casa, eles armaram tudo com o sistema de segurança, e tiraram a gente de lá, eles me levaram até Vitto fui para algum lugar no interior e depois para a África.

— Vincent está morto! — disse quase como pergunta que ele desejava a resposta.

— Não, ele está vivo, mas não sei o seu paradeiro.

— Continue a sua história.

— Vitto descobriu que eu estava grávida, e ele quis se vingar no meu bebê.

— Nós sempre nos protegemos então esse bebê era do Aldo ou do Vincent?

— Quando eu transei com o Vinci, eu já estava grávida, eu ia contar para o Aldo na noite em que o Vinci me chantageou. Vitto disse que você matou o Aldo, e que iria matar meu bebê. Consegui fugir do Vitto, e me escondi em Londres. Aluguei um pequeno apartamento e assim consegui manter minha gravidez, mas quando ele nasceu Vitto não me deixou ficar com ele.

Minhas emoções caiam em forma de cascata em meu rosto, a lembrança do meu bebê morto dilacerava minha alma e me sufocava, Ricco me estendeu um copo com whisky, que foi mais bem-vindo que a água. Quando me recompus, continuei meu relato triste.

— Quando meu bebê nasceu eu o peguei no colo e o amamentei, mas a enfermeira o levou de mim para que eu pudesse descansar, mas minutos depois Vitto entrou empurrando um bercinho, mas não me deu o meu bebê ele o matou na minha frente.

Ricco me olhou atônito, e eu o vi engolir como se houvesse uma bola em sua garganta.

— Onde ele estava da última vez que você o viu?

— Estávamos em Serra Leoa, ele me mandou ir para Bolonha, mas eu consegui escapar, então Jullius me pegou quando cheguei a Catalunha.

— Quem era o homem de Vitto na comissão?

— Eu nunca soube quem era até pouco tempo, quando Vitto estava agindo estranhamente, ele começou a amaldiçoar a você e sua família, e todos da comissão. Ele sempre era sóbrio, frio comedido, mas desta vez ele parecia fora de controle e começou a dizer — Maldito Grazzo, ninguém trai Vitto Venni, vou limpar a sua linhagem da face da terra.

— O pai de Enzo? Vitto matou o pai de Domenico, por que ele ficaria do lado do assassino de seu pai?

— O próprio Domenico matou o pai, ele soube que não sentaria na cadeira número quatro da comissão, por isso ele matou seu pai antes que ele revelasse os seus segredos para a comissão.

— E onde está Vitto agora?

— Eu não tenho certeza, suponho que ele tenha ido ao Brasil novamente, ele parecia muito confiante de que você estará morto em muito pouco tempo, ele estava com duas peças de xadrez nas mãos há dias, uma rainha e um rei. Um dia antes de me mandar para a Itália, Vitto passou horas gritando xeque e mate, seja lá o que for, acredito que ele pensa que te tem nas mãos.

Ricco ficou estático, como se estivesse tendo uma revelação, então gritou:

— Droga, Jullius! — o som assustador e agourento me fez cair da cadeira, seus homens entraram de armas em punho — Foi uma armadilha ele pegou a Ellie!

Ricco soltou um grito vindo de algum lugar dentro da sua alma. Ele saiu do quarto seguido por Jullius, que parecia de repente tão furioso quanto Ricco.

Por um momento eu senti pena do alvo daquela fúria.

Estremeci quando ele voltou, seu rosto estava lívido, suas pupilas pareciam tremer. Ricco engatilhou a sua arma, eu senti o gélido aço sobre a pele da minha testa.

— Me conte algo ou vou acabar com isso aqui e agora.

— Já disse que não sei — implorei mais uma vez. — mesmo que eu não dê a mínima se você vai atirar ou não, Vitto não tem mais nenhum poder sobre mim, eu te disse tudo o que sei.

— Não gosto desta resposta — seu dedo se moveu, e eu acompanhei o movimento com os olhos.

— Eu queria te ajudar Ricco, o que sei é que Vitto quer tudo, você a comissão, as moedas, ele quer tudo. E você é o único que e pode impedi-lo de realizar seus sonhos, ele não vai matá-la, não ainda pelo menos. Um homem sempre tem que ter uma razão pelo que lutar, é o que ele sempre diz.

Ricco me ergueu como se eu não pesasse mais do que gramas, eu estava fora do chão, presa pelo pescoço. Senti a parede dura ao chocar minhas costas esqueléticas contra ela.

— De que lado você está Irina? — perguntou a um centímetro de meu rosto.

Eu me sacudi em busca de ar ele me soltou com um baque, ele prendeu-me no chão e a arma foi novamente parar na minha cabeça. Tossi tentando recuperar o fôlego, Jullius o empurrou de leve e me deu uma garrafa com água.

— Não tenho nenhuma razão para lutar, então foda-se! No entanto, Vitto me tirou tudo, eu gostaria de devolver na mesma medida. O bastardo virá até você e ele estará preparado desta vez.


O braço de Ricco se ergueu, e eu não vi mais nada.

***

— Ela era tão bonita, agora ela não é nem sombra daquela mulher cheia de curvas e lábios carnudos, hummm!

— Zitto stupido! Se o chefe te ouve falando isso ele arranca seu pau e te alimenta com ele.

— Essa aí já está morta, é só questão de tempo. — resmungou o outro homem. — Reconheci a voz, era um dos homens de Jullius.

Eu estava ainda na cadeira, minhas mãos estavam presas novamente, eu não fazia ideia de onde estava, não pude reconhecer o novo ambiente.

Quando Jullius voltou, sua expressão não era mais serena, ele tinha a mesma fúria que vi no rosto do Ricco. Vitto foi mais longe do que eu pensava que ele iria, Genna estava morta, não foi necessário que ele me dissesse isto.


— De alguma forma sei que você é só uma vítima nessa guerra maldita, por isso não vou meter uma bala na sua cabeça, embora tenha sido essa a ordem do meu afilhado. — Soltei o ar que nem sabia estar retendo. — No entanto, você não está livre ainda. Vou te deixar aqui, a casa está abastecida, meus homens vão garantir a sua segurança. Ouça filha, não tente fugir, capisce! Ou vou encontrá-la, e posso ser muito cruel, bem mais que o Vitto Venni, entende menina?

— Io capisco! Quanto tempo?

— Até que eu diga para sair, até lá qualquer coisa que precise, Nico e Paolo vai providenciar, se tiver algo a me dizer, eles transmitirão, mas se quer um conselho, reze, reze muito para que encontremos Vitto, e para que a garota esteja bem. Ou você não poderá fugir da fúria do Ricco, capisce?


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