Parte 3
Meus olhos se abrem para um corredor sombrio de paredes azuis escuras e chão de cerâmica branca, com portas de madeira em cada lado. Este é o corredor principal da Escola Santa Estrela, porém está muito mais escuro, exatamente como fica quando está de noite e vazio. À frente, tudo que vejo é um paredão de sombras, e atrás de mim, onde deveria estar o portão de saída, está apenas um grande paredão azul escuro.
Eu obtive sucesso em me manter imóvel no meu trono, sem mover os olhos para nenhuma direção, nem para a vela frente aos meus pés nem para um dos dois espelhos... Mas agora... Por que fui trazido para cá? Bom... Só tem um jeito de descobrir... Seja lá o que eu venha a encontrar aqui, vou ter que enfrentar, afinal, fui eu que pedi por isto. Finalmente chegou a hora de mudar alguma coisa.
Respiro fundo, em seguida inicio passos pelo corredor sombrio, passando por entre as portas de madeira que levam para a secretaria, a sala de diretoria, a sala de reuniões, a sala dos professores, a sala de informática e o laboratório de química. Tudo está mergulhado na mais absoluta quietude, mas algo dentro de mim diz que não sou o único que está aqui dentro. Algo mais está vagando por aqui, procurando por mim... Serão eles? O rei, a rainha e o bobo?
No final eu chego ao pátio da escola, descendo por uma rampa curta que contém dois corrimãos vermelhos em cada lado. O chão do pátio é feito de cerâmica amarela queimada. A escuridão não me permite vislumbrar o teto, mas eu sei que ele é pintado com a exata mesma cor do chão, enquanto as paredes são pintadas de um amarelo um pouco mais claro.
Com o coração palpitando forte dentro do peito, caminho lentamente pelo pátio, com suor escorrendo pela minha testa e pingando pelo queixo. Olho de relance para a direita e vejo a porta de madeira pintada de azul da Sala 1 aberta para dentro, totalmente camuflada em escuridão e silêncio. Olho para a esquerda e vejo a janela da cantina fechada com grades azuis. Paro de andar ao sentir uma presença por trás daquelas grades. Algo está me observando de lá... Uma sombra.
Põ... põ... Passos ressoam à minha direita e eu viro rapidamente o rosto. Uma sombra alta e sem rosto está diante da entrada da sala, encarando-me fixamente com olhos invisíveis. Na sua cabeça jaz uma coroa em forma de relâmpagos.
Uma friagem sacode intensamente as minhas entranhas ao mesmo tempo em que minha respiração começa a falhar. É o rei... Com a tremedeira possuindo minhas veias, arrasto lentamente os pés em um passo para frente. O rei me segue com a cabeça sem rosto girando. Eu fico a encará-lo por alguns segundos, tremendo.
O rei de repente começa a aumentar de tamanho. Está se aproximando. Uma descarga de adrenalina me faz correr para frente, mas me deparo com outra sombra e me detenho. Outra sombra está se aproximando pela minha esquerda. Estou cercado.
A sombra da frente bate as mãos nos meus ombros, encarando-me de perto com profundos olhos vermelhos lagrimando sangue pelo rosto preto com coroa de pontas na cabeça. Ele me levanta um metro acima do chão. Eu não tomo nenhuma reação, apenas o encaro com uma cara de medo e choro. Ainda assim eu me sinto familiarizado em estar deste jeito: encurralado e impotente.
As outras sombras se expandem a minha volta, cobrindo todo o ambiente de preto, e eu me vejo sumindo junto com a sombra que me segura.
— Teu verdadeiro inimigo se esconde — ouço vozes espectrais masculinas e femininas me rodeando. — Olhe para o demônio dentro de si... Olhe para si... Olhe para mim... Apenas olhe...
O silêncio perdura durante vários e vários segundos, mas o meu cérebro continua consciente, com nada de mim conseguindo se mover.
— Todos se divertem com o meu sofrimento — ressoa a minha própria voz. — Eu só quero que isso acabe...
Meus olhos voltam a se abrir. Estou de novo na garagem. Eu sigo olhando para a escuridão à frente, em linha reta, sentado no meu trono. Os rostos nos espelhos agora são rostos cobertos de negro com coroas de pontas altas e ramificadas na cabeça. Ambos estão virados para frente, exatamente para onde eu estou mirando.
Blung blung blung blung blung, meu coração está pulsando na sua maior velocidade, tão alto que ressoa como tambor em festa por toda a garagem. Meu peito está começando a doer em batidas, como o coração lutando para pular para fora de mim. Sombras humanoides deslizam umas sobre as outras por toda a escuridão que está a garagem. Não estou conseguindo vê-los, mas sinto que estão dançando entre si, totalmente mudos.
Sussurros ecoam ao redor. As sombras dançantes estão cochichando entre si em um idioma estranho, com alguns soltando risinhos abafados. Estão rindo de mim, que nem todos fazem na escola...
A chama da vela se agita em um balançado abrupto, resultando em um pisca-pisca. A silhueta do homem envolto de sombras surge por meio segundo a frente, mas logo desaparece quando a chama da vela volta ao normal. Os dois rostos nos espelhos começam a se virar lentamente para mim, revelando olhos vermelhos brilhantes que derramam lágrimas de sangue. A chama da vela volta a balançar, e por um segundo vejo os dois pés de uma sombra passar andando à frente, bem distante.
Os dois reis sombras nos espelhos deslizam para fora do vidro na velocidade de um projétil. Eles tocam nos dois lados da minha cabeça com seus dedos e a escuridão volta a preencher toda a minha visão.
— Entre os que zombam e os que sofrem... — ressoa a voz masculina e feminina unidas. — Quem guarda as emoções mais intensas?
Meus olhos se abrem de súbito e eu me vejo sentado em uma cadeira, a mesma que costumo sentar no meu colégio, porém estou sentado em meio à uma sala escura e vazia da Escola Santa Estrela, bem na cadeira do centro.
O chão acinzentado da sala está quase negro em meio a toda esta escuridão, mas as paredes de tinta amarelada que me cercam como um quadrado estão perfeitamente visíveis, igualmente está o teto. Todas as outras cadeiras a minha volta estão vazias. No fundo a minha frente jaz um grande quadro branco horizontal e retangular, e no canto esquerdo está uma mesa com uma cadeira de madeira atrás, a mesa do professor.
— Tarcísio Luciano de Souza... — ecoa a minha própria voz dentro da minha mente. — Você é um estudante do ensino médio que todos os dias têm que acordar cedo para receber abusos constantes daqueles que você chama de diabos — sombras humanoides tomam forma nas cadeiras ao meu redor, sentados exatamente como eu. — Levante-se da cadeira e siga o seu caminho... Encontre o seu eu escondido...
O meu eu escondido... Então é por isso que eu estou aqui, mas seria eu um desses três reis? Seja o que for, eu tenho que agir. Acredito que era esta a chance que estava procurando, e seja lá o que vá acontecer caso encontre o meu eu escondido, com certeza vai ser melhor do que a minha situação atual.
Levanto-me da cadeira, caminhando lentamente na direção da saída da sala. Chegando ao pátio, percebo a janela da cantina no outro lado, com isso eu me dou conta de que estava dentro da Sala 1. Viro os olhos para a parede acima da porta e comprovo a placa retangular de cobre escrito "SALA 1" em letras grandes.
Esta não é a minha sala. Na verdade eu nem sei ao certo qual que é o número da minha sala. Sempre quando venho para a escola, meu desejo de sair é tão intenso que mal chego a prestar atenção nesses detalhes pequenos. Toda vez eu ficava atento para ver se não tinha ninguém se aproximando para me agredir. Toda vez eu andava cabisbaixo para tentar não chamar a atenção. Por causa disso eu nunca chegava a ler os números das salas, apesar disso eu me lembro de que a minha sala não é a número um. Ela não fica tão perto da saída. Esta sala era a do garoto que foi morto em um acidente de carro. Preciso averiguar as outras salas.
Inicio passos pelo pátio escuro, com os olhos girando de um lado a outro a cada instante. Suor volta a escorrer pela minha testa, mesmo com a minha pele ficando gelada. Novamente eu sinto a sensação de não estar sozinho aqui. Seriam os três reis? O que eles são afinal? Espectros que eu invoquei do próprio Inferno? Isto aqui é o Inferno? O meu próprio Inferno?
Nunca acreditei em espíritos, mas agora estão aqui, falando comigo e até me tocando. Se eles existem mesmo, então Deus não pode ser uma mentira. Estará Deus aqui agora? Ou fui abandonado a minha própria sorte? Posso eu sair deste lugar mesmo sendo um ser tão medíocre e fraco? Sou pequeno comparado com todos os outros, porque todos são mais felizes do que eu; todos são melhores do que eu...
Chego à Sala 2 e vejo sua porta aberta. Paro diante da entrada e olho para dentro. Todos os assentos estão vazios. As janelas de vidro na parede do outro lado mostram o negro puro, onde normalmente se vê o muro da escola. É como se a própria escola estivesse flutuando em meio à infinidade do vazio.
Esta também não é a minha sala, senão eu já teria encontrado alguma coisa. Viro-me então para seguir em frente, mas antes de dar um passo, uma bola de papel quica na lateral direita da minha cabeça e cai no chão. Viro-me para o interior da sala e não vejo ninguém. Está totalmente vazia e silenciosa. Olho para o papel no chão à direita do meu pé. Agacho-me e pego. Desamasso o papel enquanto me levanto. Há algo escrito em lápis cinza bem no centro do branco do papel.
"A quem queres enganar aqui?"
Enganar? Como assim? Eu não estou enganando ninguém aqui... Eu minto todos os dias para a minha mãe, sim, mas é para o bem dela e para o meu também. Eu não estou enganando os três reis... Não é possível que algo tenha saído errado no ritual. Eu fiz tudo direitinho, posicionei os tronos no lugar, sentei no meu trono no lugar certo, coloquei a vela, ativei o despertador do celular às exatas três e trinta da noite, peguei o meu... O meu boneco do Coronel Fortitude... Eu estava com ele enquanto estava dormindo, mas... Eu não o levei para a garagem... Eu o deixei no quarto! Devo ter o deixado cair no chão na hora que me levantei para ir me sentar no trono antes de passar os três minutos...
Três minutos... Três... Sala 3... É isso! Minha sala é a número três! É para lá que eu devo ir! É lá onde eu vou encontrar o meu eu escondido!
Com um sorriso de esperança eclodindo em meus lábios, avanço passos apressados para frente a encontrar a entrada para a Sala 3. Porém, pouco antes de conseguir avistar a porta na escuridão, um rei sombra se revela camuflado no escuro ao abrir os olhos vermelhos. Ele salta as mãos contra os meus ombros, apertando-os e me levantando um metro acima do chão. Minhas veias são corroídas por uma friagem intensa, e eu fico paralisado como se pré-programado para isso.
— Esse aí tem jeito não — ressoa uma voz feminina. — A mãe deve morrer de vergonha...
— Se eu pudesse voltar no tempo — ressoa um riso masculino. —, ia convencer a mãe a abortar ele assim que engravidasse! Eu dizia: "tira ele da barriga e joga no lixo".
Os outros reis me cercam dos dois lados, expandindo-se ao ponto de me cobrir com suas sombras, e a sombra que me agarra vai sumindo no meio delas.
— Tapado...
— Otário...
— Deviam ter te abortado...
— Aposto que a mãe morre de vergonha...
Morre de vergonha...
Morre de vergonha...
Todas essas vozes se desvanecem quando a escuridão toma conta de tudo.
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