30. Raguel

Enquanto aguardava o retorno deles, ela observava a reação dos dois. Enquanto o pastor estava inquieto como se estivesse em intensa atividade cerebral, a garota que Mikael disse se chamar Nick estava tranquila, respirando compassadamente como se dormisse profundamente um sono sem sonhos.

Haviam se passado algumas horas desde que a jovem tinha entrado em espírito no corpo do pastor para ajudá-lo a expulsar o demônio que o possuiu, e a espera era angustiante. Desde que os demônios começaram a cruzar o caminho deles, ela tinha participado ativamente das batalhas, e ficar de fora apenas esperando não a agradou.

Tinha muitas perguntas que queria fazer para Nick desde que a viu nos vídeos do circuito interno do laboratório enquanto procurava por pistas sobre os desaparecimentos, e mesmo tendo escutado de Mikael que ela não sabia nada sobre o "arrebatamento" que iniciou todo aquele caos, ela ainda queria escutar a própria Nick dizer.

Na sala ao lado, Gabriel conversava com Will, fazendo um relato completo das batalhas que travaram contra os demônios e o rapaz, que estava bastante machucado devido a uma surra que levou, escutava com total interesse, como uma criança escutando as aventuras de seu herói favorito.

Um barulho chamou sua atenção e olhando para os leitos, viu Nick levantar-se bruscamente, aparentemente assustada por não saber onde estava, e se apressou para acalmá-la.

_ Acalme-se, por favor, Nick! _ Raguel disse, enquanto segurava suavemente os ombros da outra jovem, que havia sentando-se no leito como se fosse descer. _ Nós somos amigos do Senhor Ben e do Mikael.

_ Onde estou e onde está o Mick? _ Nick perguntou agora mais calma, e levou as duas mãos ao rosto, suspirando fundo como se levantar-se tivesse sido um grande esforço.

_ Ele está descansando. _ Raguel respondeu com seu tom fraternal de costume, enquanto Gabriel entrava na sala e se aproximava. _ Meu nome é Raguel, e esse é...

_ Gabriel. _ Nick interrompeu a apresentação. _ Eu recebi instruções para promover o encontro de vocês.

_ Instruções de quem? _ Gabriel perguntou interessado. _ E qual era o objetivo?

_ Isso eu não sei dizer. _ Nick disse, ajeitando-se na cama, com a ajuda de Raguel que posicionou o leito para que ela se sentasse mais confortavelmente. _ Desde que eu vi o acidente que matou a minha mãe antes que acontecesse, eu tenho visões que vêm com instruções acerca de pessoas e situações. Essas visões sempre me dizem o que devo fazer, mas nunca o porquê. E como fico sempre nos bastidores, nunca sei qual foi o resultado das minhas ações.

_ Sinto muito pela sua mãe. _ Raguel disse carinhosamente. Mas você não pôde interferir no acidente?

_ Com o tempo eu aprendi que existem situações que não podem ser evitadas. _ Ela respondeu. _ E a morte da minha mãe era uma delas.

_ Eu também sinto pelos pais de vocês. _ Nick continuou após uma breve pausa. _ Eu tinha previsto que haveria dor e caos, e que eu precisava voltar para Miraculous Clearing, mas não tenho detalhes sobre o que realmente aconteceu.

_ E quanto ao que aconteceu dentro da mente do senhor Ben? _ Raguel perguntou. E porque ele ainda não acordou?

_ Eu enfrentei o demônio e o senhor Ben me ajudou. _ Nick respondeu pausadamente, como se a língua estivesse ressecada e as palavras estivessem resistindo em sair. _ Ele enfrentou uma grande opressão espiritual, é comum que demore um pouco mais para recobrar os sentidos.

_ Eu vou chamar o Mikael. _ Gabriel disse, enquanto entregava um copo com água para Nick, percebendo que ela estava com sede. _ Ele estava muito preocupado com vocês.

_ Obrigada! _ Nick agradeceu, aceitando a água. _ O senhor Ben já deve estar acordando.

_ Dá pra ver a sintonia entre vocês dois. _ Nick disse para Raguel assim que Gabriel saiu da sala. _ Contrasta com todo o caos que está lá fora.

_ Nos conhecemos em um momento muito delicado. _ Raguel respondeu meio sem graça. _ Acho que servimos de apoio um para o outro. Ele faz eu me sentir segura e me dá um motivo para continuar a lutar.

_ Eu invejo vocês, sabia. _ Nick disse depois de um suspiro profundo. _ Há muito tempo eu venho agindo só nos bastidores, manipulando os acontecimentos que era incubida de manipular. Eu deixei o meu pai, perdi a minha mãe, e nunca pude criar laços reais com ninguém.

_ Você pode criar laços agora! _ Raguel disse com um de seus melhores sorrisos. _ Temos vagas por aqui.

_ Posso lhe pedir uma coisa? _ Nick perguntou, abrindo um sorriso também. _ Me dá um abraço?

Abraçando-a imediatamente, Raguel pôde sentir que algo não estava bem. A respiração de Nick estava descompassada e sua pele muito fria, mas a força com que ela a abraçava fez com que ela ignorasse isso.

_ Que bom que estão se dando bem! _ A voz do Pastor, vinda do leito ao lado interrompeu o momento, chamando-lhes a atenção, e olhando em sua direção viram que ele estava levantando-se do leito, aparentemente recuperado.

_ Senhor Ben! _ Raguel gritou e correu na direção dele envolvendo-o em um abraço apertado. _ Me desculpe por não tê-lo protegido.

_ Está tudo bem querida! _ Ele respondeu retribuindo o abraço. _ Não foi culpa de vocês. Nós achamos que o tínhamos destruído.

_ Quer dizer então que era realmente o demônio que enfrentamos no crematório? _ Ela perguntou surpresa!

_ Sim! _ Ele respondeu. _ O nome dele era Ukobach, e agora ele foi destruído.

_ Pai! _ Mikael gritou chegando da porta e se apressou em abraçá-lo com força. _ Me desculpe por não ter ficado ao lado do senhor!

_ Está tudo bem, meu filho! _ Ben respondeu, retribuindo o abraço. _ Eu sei que teve motivos importantes e que fez o possível para voltar.

_ O importante é que no fim deu tudo certo! _ Nick disse enquanto se levantava, mas seus pés vacilaram ao tocar ao chão e ela teria caído, não fosse a destreza de Raguel, que a amparou em seus braços.

_ Nick! _ Mikael gritou, e veio imediatamente ao seu auxílio. _ Você está bem?

_ Eu estou bem, foi só...

_ Não, ela não está bem! _ O pastor disse, interrompendo a jovem. _ Me desculpe Nick, mas eu vi quando a adaga a acertou.

_ Adaga? _ Mikael perguntou surpreso. _ Que adaga?

_ O Demônio produziu uma adaga a partir da condensação do seu próprio espírito. _ Nick começou a contar, enquanto Mikael a colocava de volta no leito. _ O seu pai o enganou e usou essa adaga para ferí-lo, mas nos descuidamos e antes que ele desaparecesse, ele arremessou a adaga contra nós.

_ E teria me acertado se a Nick não tivesse se lançado na frente. _ O pastor completou aproximando-se. _ Eu vi quando a lâmina a atingiu, mas depois tudo escureceu e eu acordei aqui.

_ Mas e agora? _ Raguel perguntou. _ Onde está essa adaga?

_ Está cravada em meu espírito! _ Nick respondeu. _ E eu sinto que está sugando ele aos poucos.

_ Não podemos simplesmente tirá-la? _ Mikael perguntou.

_ Precisaríamos fechar a ferida espiritual. _ Nick respondeu. _ Ao que parece a adaga está consumindo aos poucos meu espírito, como se estivesse recarregando o seu próprio.

_ Que ótimo! _ Gabriel exclamou sarcasticamente. _ Precisamos de uma cirurgia espiritual então.

_ Espera um pouco. _ Mikael disse, virando-se para o outro jovem. _ O que você disse?

_ Esquece cara, foi besteira. _ Gabriel respondeu. _ Costumo ser sarcástico quando estou nervoso.

_ Não você é um gênio! _ Mikael disse dando-lhe um abraço, deixando todos sem entender. _ Preciso mostrar-lhes algo na sala de monitoramento de TV.

_ Não precisamos ir até lá, eu sincronizei o tablet e o notebook ao circuito interno do hospital. _ Gabriel disse. _ Dá pra acessar todos os arquivos daqui.

_ Incrível cara! _ Mikael disse, dando lhe um beijo no rosto. _ Você demais!

Todos olharam atentamente o momento em que um paciente era consumido por uma luz e o enfermeiro que o atendia era lançado violentamente contra as mesas e a parede da sala.

_ Esse enfermeiro é Raphael. _ Ele disse respondendo as perguntas que todos faziam em suas mentes. _ Ele me ajudou a cuidar do meu pai quando chegamos aqui.

_ Mas ele se feriu bastante! _ Will disse, aproximando-se do grupo. _ É impossível ele ter sobrevivido depois de perder tanto sangue.

_ Exato! _ Mikael respondeu empolgado, deixando os outros intrigados. _ Vejam isso.

Ao chegar a um determinado ponto, Mikael começou a reproduzir o vídeo em câmera lenta, e todos observaram atônitos quando as feridas do jovem no vídeo simplesmente se fechavam, reconstruindo ossos, músculos e tecido.

_ Quando eu acordei, eu estava totalmente curado do tiro que levei. _ Disse o pastor, quebrando o silêncio. _ E não havia cicatriz alguma.

_ Exato pai! _ Mikael disse. _ Ele se cura e também cura os outros. Esse é o poder dele.

_ Você acha que ele pode curar a Nick? _ Will perguntou, admirado como uma criança rodeada de super-heróis.

_ Acredito que sim! _ Mikael disse empolgado. _ Mas ele já devia estar aqui, deve ter acontecido algo.

_ Eu acho que sei o que pode ter acontecido. _ Ben disse, se aproximando dele. _ Enquanto Ukobach me controlava, ele me torturava com visões do que fazia usando meu corpo. Ele viu a mensagem que o Jeremias me enviou e ficou sabendo sobre a placa.

_ Placa? _ Raquel perguntou sem entender. _ Do que estão falando? E quem é Jeremias.

_ Ele é um velho amigo do meu pai. _ Mikael respondeu enquanto abria a mensagem no notebook. _ Ele enviou um e-mail pedindo ajuda, e disse que encontrou uma placa de uma assembleia divina que fala sobre o arrebatamento. Raphael e eu fomos ajudá-lo, mas tivemos contratempos para voltar.

_ Ukobach matou aquelas pessoas e para fazer um ritual de comunicação com um demônio de elite chamado Abigor. _ Ben continuou. _ E passou as coordenadas de onde estava a placa, acreditando que essa placa é a origem do poder de vocês.

_ Então eles podem ter sido atacados por esse demônio de elite? _ Perguntou Gabriel.

_ Acredito que temos tempo ainda. _ Ben respondeu. _ Se ele precisou daquele ritual, Abigor não estava próximo, podemos avisá-los.

_ Eu vou até lá e vou trazê-los pra cá o mais rápido possível! _ Mikael disse.

_ Não Mick, _ Gabriel interrompeu. _ Raguel e eu faremos isso!

_ Pode deixar com a gente! _ Raguel completou. _ Vocês têm muito assunto para colocar em dia, e nós temos experiência contra demônios para o caso de entrarmos em batalha.

_ Muito obrigado! _ Mikael disse _ Conto com vocês.

Mikael passou as coordenadas que o professor Vecchio enviou para um aparelho celular, o entregou a Gabriel, e apertando a sua mão com firmeza agradeceu. Era bom ver que se davam bem, afinal agora eram uma família e mesmo que não conhecessem Raphael, ele também fazia parte dela, desta forma fariam o que fosse preciso para trazê-lo com segurança até o hospital.

_ Raguel. _ Nick a chamou e ela se aproximou do leito, enquanto os outros discutiam alguns detalhes da missão. _ Cuide bem do Raphael, Mikael gosta muito dele.

_ Você quer dizer que... _ Raguel começou a dizer, pegando detalhes no ar, e ficando um pouco surpresa com a expressão de confirmação da amiga. _ Eu percebi algo nos olhos de Mikael enquanto ele falava do Raphael, mas eu não imaginei isso.

_ Mas pode deixar! _ Raguel continuou, após se recompor _ Não vamos deixar que nada aconteça a ele. Somos uma família agora!

_ Obrigado! _ Nick disse enquanto elas trocavam um abraço apertado e fraterno.

_ Está tudo pronto. _ Gabriel disse, aparecendo da porta. _ Devemos ir agora!

Dando um último olhar para a nova amiga, Raguel deixou a sala e eles seguiram para a entrada do hospital. Mikael, Will e Ben os aguardavam e entregaram para Gabriel o celular com as coordenadas.

_ Eu sei onde fica! _ Gabriel disse ao olhar para o aparelho. _ Meus pais tinham uma casa lá.

_ Isso é ótimo! _ Disse o pastor. _ Assim vocês podem chegar mais rápido.

Os dois se afastaram dos demais e pararam no centro do estacionamento. Fechando os olhos como se estivessem se concentrando, ambos começaram a ser envolvidos pelos respectivos espíritos e ao abrirem os olhos as chamas brotaram com mais força do que nunca.

Olhando para eles da portaria do hospital, Will estava boquiaberto, parecendo admirado com aquelas luzes coloridas e poderosas.

Raguel abriu seu par de asas verdes imponentes, seguida de Gabriel com suas asas azuis ainda maiores, e levantando as cabeças como se traçassem a melhor rota, partiram num voo decidido e veloz cortando a resistência do ar como dois caças bélicos em ataque.

Cobriam grandes distâncias rapidamente, e ela observando o jovem que voava à sua frente, pensou no quanto ele havia mudado desde a batalha na delegacia. Algo nele estava diferente, parecia mais paternal e sério do que antes. E após aqueles amassos no sofá da sala de espera do hospital, era como se tivesse assumindo um papel de líder que lhe caía muito bem.

_ Tem uma coisa que eu não lhe contei. _ A voz de Gabriel ecoou na sua mente, claramente como se lhe transmitisse pensamentos. _ Preciso lhe contar por que mudei assim.

_ Você escutou meus pensamentos também? _ Ela perguntou em pensamento, meio envergonhada, mesmo sem entender o que estava acontecendo e mantendo o foco no vôo.

_ Parece que só escutamos o que o outro de alguma forma quer que escutemos. _ Ele respondeu também sem tirar o foco do percurso.

_ O que você precisa me contar, então? _ Ela perguntou agora mais á vontade com a conversa telepática. _ Sabe que pode confiar em mim!

_ Quando você me levou para o hospital, antes de eu acordar, eu tive um sonho. _ Ele começou a lhe dizer. _ Eu estava com meus pais em casa, e de repente o sonho congelou, e eu ouvi uma voz poderosa, mas fraternal me dizendo que eu tinha de liderá-los quando se reuníssem.

_ De quem era a voz? _ Ela perguntou curiosa. _ E quem você deve liderar?

_ Era uma voz masculina, mas não pude ver o seu rosto, e ele disse que era tudo o que poderia me dizer no momento. _ Ele respondeu.

_ "Você sempre foi o mais próximo de nós e deles", a voz me disse. _ Ele continuou. _ Mas eu acordei depois disso.

_ E você acha que ele se referiu a nós que temos esses poderes? _ Ela perguntou. _ E que o dono da voz pode ser quem deu esse poder pra gente?

_ Eu acho que sim, _ Ele respondeu _ Pois, aconteceu novamente naquele dia em que dormimos no sofá. Depois de um pesadelo terrível onde o pastor nos matava, eu me vi em um ambiente totalmente vazio, e ele apareceu com seus conselhos. Talvez a tal placa nos explique melhor quem é ele.

Uma explosão vinda da cadeia de casas abaixo deles interrompeu o diálogo, e olhando o GPS do celular eles viram que haviam voado rápido o suficiente para já terem chegado à casa do professor.

Abrigando-se no alto de uma residência próxima de onde escutaram o barulho, eles observaram o movimento, constatando que vinha exatamente da casa onde Raphael devia estar.

_ Acho que chegamos tarde! _ Gabriel disse frustrado.

_ Escute Gabriel, _ Ela disse segurando o rosto dele com as mãos e virando-o para que o olhasse nos olhos. _ Eu confio em você! Não sei quem ou o que era o ser em seu sonho, mas eu concordo com ele, e não existe ninguém melhor que você para liderar a gente!

Ele a beijou com força, mas outro barulho agora do outro lado da casa os colocou novamente em alerta. Voando até outra casa de modo a tentar visualizar melhor a situação, eles viram a parede de trás da casa destruída, e pelo vão que se abriu, uma silhueta gigantesca irrompeu tomando forma em meio à nuvem de poeira.

Com um corpo musculoso e imponente, aparentando ter mais de dois metros de altura, a criatura tinha feições demoníacas e era esperada do lado de fora por outras criaturas menores, como se fossem uma espécie de escolta. Em uma de suas mãos ele carregava um objeto coberto por um pano, e Raguel deduziu que poderia ser a placa que o professor havia encontrado.

Aquele monstro devia ser Abigor, o demônio de elite, e havia conseguido pegar o que veio procurar. Não dava pra saber como Raphael e o professor estavam, mas sabiam o que deviam fazer. Precisavam enfrentar os demônios e recuperar a placa.

...

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