25. Gabriel

_ Fez muito bem meu jovem. _ O pastor respondeu, pegando o notebook das mãos de Gabriel. _ Eu vou checar agora mesmo, obrigado.

Enquanto o pastor se afastava, Gabriel teve a impressão de ver algo estranho com a imagem dele refletida no vidro espelhado da porta, como se fosse um corpo diferente, mas preferiu ignorar. Desde que despertou seus poderes, ele não usava mais óculos e sua miopia sumia gradativamente, mas poderia estar lhe pregando peças.

Algo no modo como Ben disse "meu jovem", também o incomodou. O pastor com certeza estava preocupado com a falta de notícias sobre seu filho, e a batalha no cemitério tinha sido bem intensa e traumática, mas não parecia ser o mesmo senhor Ben que esteve com eles durante esses eventos.

_ O que foi Gabriel? _ Raguel se aproximou vendo que ele estava pensativo olhando para a porta do hospital. _ Você parece distante.

_ É o senhor Ben. _ Ele disse. _ Enquanto eu sincronizava o circuito interno de TV do hospital com o notebook, eu vi que o e-mail dele havia sido acessado e tinha uma nova mensagem com data de ontem, enquanto ele ainda estava entubado.

_ E de quem era? _ Ela perguntou curiosa.

_ Na verdade eu não abri. _ Ele respondeu olhando para ela. _ Entreguei o notebook para o senhor Ben olhar.

_ Você acha que é do Mikael? _ Ela especulou. _ Talvez querendo notícias?

_ Talvez seja. _ Ele respondeu dando de ombros. _ Mas não é isso que estava me incomodando. Quando eu lhe passei o notebook ele estava meio estranho, tipo como se fosse outra pessoa.

_ Deve ser só cansaço! _ Ela disse passando os braços em torno do pescoço dele _ Eu também estou bem cansada. Nós organizarmos todo hospital depois de lutar contra aquele demônio, precisamos descansar e namorar um pouco. O que acha?

_ Eu acho uma excelente ideia! _ Ele respondeu com um sorriso, se apressando em abraçá-la pela cintura apaixonadamente, deixando de lado qualquer outra preocupação enquanto a girava tirando-a do chão. _ Eu acho que tem uma sala de espera bem confortável nesse hospital, o que acha de irmos pra lá?

_ Só depois que você me beijar. _ Ela respondeu ainda nos braços dele e no ar.

Ele a beijou com vontade, como nunca tinha beijado ninguém na vida e ser correspondido por ela, o fez querer que aquele momento durasse pela eternidade. Ela era naquele momento um oásis de prazer em um deserto de caos e desespero. E ele sentia que juntos podiam qualquer coisa.

Enquanto caminhavam de mãos dadas pelo hospital, ele resolveu deixar de lado as preocupações e se dedicar a linda garota que estava querendo namorá-lo ali naquele momento. Em sua mente agora só via aqueles cabelos vermelhos, os olhos verdes, a pele clara, o cheiro, o gosto, o toque.

Durante algumas horas que ele não soube precisar, eles ficaram ali, naquele sofá confortável aos beijos e amassos, como se não estivesse vivendo um terrível apocalipse.

_ Você acha que vamos conseguir ter paz novamente na terra? _ Ela perguntou enquanto se aconchegava em seu colo, e ele acariciava suas mechas flamejantes. _ Tipo para recomeçarmos nossas vidas, com o que sobrou de nós.

_ Eu não sei, mas vamos lutar até às últimas forças. _ Ele respondeu. _ E vamos construir o mundo que quisermos depois.

_ E qual é o mundo que você quer? _ Ela perguntou, olhando-o o nos olhos com olhar interessado. _ Tipo, se nós temos esses poderes para lutar contra demônios, como o Senhor Ben pensa, o que faremos depois que vencermos a batalha e derrotarmos o último inimigo?

_ Não sei. _ Ele respondeu, pensativo. _ Talvez guiar os humanos para que não cometam os mesmos erros de antes, e protegê-los de si mesmos. Na verdade, a única certeza que tenho é que se você estiver comigo, tanto faz!

_ Sabe Gabriel, _ Ela disse, erguendo o corpo de modo a ficar sentada de frente para ele. _ É estranho falar isso em uma situação de apocalipse, dado o modo como nos conhecemos, mas você foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida!

_ Você não faz ideia de como eu fico feliz em ouvir isso! _ Ele respondeu com seu mais radiante sorriso de felicidade, ajeitando uma mecha dos cabelos dela atrás da orelha com a ponta dos dedos. _ Por que eu me sinto exatamente da mesma forma. É bom demais ter seu amor nesses momentos de trevas!

Ela se jogou em seu braços em um beijo quente e apaixonado, e ali naquele sofá sozinhos, os dois jovens cheios de amor decidiram se esquecer de todo o resto e se entregar às carícias. Enquanto eles se beijavam, ele sentiu as unhas dela arranharem suas costas, mesclando dor e delícia em uma só sensação de prazer.

O peso dela em sua perna e os seios macios contra o seu peito, mexeram com sua testosterona e libido, fazendo o puxá-la com força para si, fazendo-a soltar um suspiro, enquanto a respiração de ambos acelerava.

Raguel o empurrou no sofá, permanecendo sentada em cima dele como que precisasse tomar um pouco de ar e a luz esmeralda de seu espírito começou a envolvê-la e destacou ainda mais a paixão em seus olhos verdes. Ele sentiu que sua luz também tinha sido ativada e seus poderes pareciam em sintonia também.

Naquela posição privilegiada, ele a viu inclinar-se, beijar os seus lábios rapidamente, e erguer novamente o tronco, como se quisesse instigá-lo.

_ Eu te amo Gabriel! _ Ela disse, meio ofegante, o que fez as palavras saírem com ainda mais sentimento, enquanto inclinava-se novamente para beijá-lo.

O que se seguiu foi muito rápido, até demais para os olhos dele, mesmo com seu poder ativado, mas ele viu perfeitamente quando a ponta de uma lâmina atravessou a blusa na altura do peito de Raguel, manchando o com o sangue quente, e logo em seguida ela foi puxada com força e arremessada contra a parede violentamente.

Sem reação, ele viu Ben caminhando até ela, segurando um facão na mão direita. A arma pingava o sangue dela, o sangue de sua amada. O terror da situação o deixou imóvel, paralisado enquanto o pastor se ajoelhava ao lado dela, e a segurando pelos cabelos com a mão esquerda, ergueu seu rosto na direção dele.

No olhar dela, ele pôde ver o sofrimento e a angústia de não entender nada do que estava havendo, e olhando para o rosto do pastor viu seus olhos negros e sua feição desfigurada e monstruosa como a do cadáver possuído no cemitério ou da menina demônio na delegacia.

_ Eu disse que os sentimentos os deixavam fracos! _ Ben disse com uma voz demoníaca, enquanto segurava Raguel pelos cabelos, forçando o jovem a olhar em seus olhos, e levando o fio da lâmina até o pescoço dela, o cortou lentamente enquanto ela tentava gritar mas engasgava com o próprio sangue, e o brilho esmeralda em seus olhos e ao redor do corpo desaparecia. _ E o próximo será você, Gabriel!

_ Não! _ Gabriel finalmente conseguiu soltar um grito desesperado e embargado pela dor, enquanto olhava o corpo inerte de sua amada sobre uma poça de sangue, aos pés do seu assassino, que se levantava e caminhava na sua direção.

O momento de amor que vivia instantes antes, deu lugar ao completo desespero. Raguel jazia morta e Ben estava possuído pelo demônio que eles não destruíram no cemitério. Ele havia falhado na sua missão de protegê-la e não teria forças para matá-lo, nem odiando-o pelo que acabara de fazer.

Aproximando-se do sofá, o demônio segurou Gabriel com apenas uma das mãos e o arremessou contra a parede, fazendo o cair próximo ao corpo da jovem. E antes que o garoto pudesse reagir, o inimigo já estava a sua frente e com um golpe certeiro na altura do seu pulso, decepou sua mão no momento em que ele tentava tocá-la, fazendo-o soltar um grito de dor.

Segurando o braço ferido, Gabriel se levantou com dificuldade e se recostou na parede defensivamente, enquanto o demônio avançava em sua direção.

Ele sentiu o seu corpo ser levantado do chão por um poder infernal invisível, e sem reação, sentiu um golpe da lâmina na altura do abdômen que rasgou e atravessou o seu corpo, deixando o quase sem ar. Em seguida, mais diversos golpes o acertaram fazendo-o engasgar com sangue. E depois foi jogado de lado indo parar a alguns metros dela.

Enquanto ele se arrastava para ficar ao lado de Raguel querendo pelo menos segurar a sua mão, ele ouvia a gargalhada triunfante do demônio, deliciando-se com sua vitória, e só desejou morrer para acabar com aquele inferno, mas antes que pudesse alcancá-la, sua vista escureceu apagando todo cenário ao seu redor.

Ainda sentindo o gosto do sangue na boca, Gabriel abriu os olhos, mas a claridade o fez abaixar a cabeça. Ele usava vestes totalmente brancas, mas não tinha nenhum ferimento, e o chão onde pisava com seus pés descalços era completamente branco também. Sem conseguir olhar para a claridade intensa à sua frente, ele virou-se de costas e erguendo a cabeça pôde ver que tudo ao seu redor era um completo branco, infinito para todas as direções.

_ Onde eu estou? _ ele pensou, mas a lembrança do que houve com Raguel, o fez cair de joelhos e chorar copiosamente, sentindo-se completamente inútil por não ter conseguido defendê-la.

_ Um fardo terrível caiu sobre seus ombros, Gabriel. _ Uma voz familiar veio de trás dele, ao mesmo tempo que ele sentiu um toque em seu ombro. _ Eu sei exatamente o que está sentindo. Eu já tive um fardo insuportável em meus ombros também.

Aquela voz e aquele toque eram aconchegantes e paternais e faziam com que todo seu sofrimento e cansaço desaparecessem por completo. Já havia sentido aquela paz antes, e se lembrou do sonho que teve antes de acordar no hospital.

_ É o senhor novamente! _ Gabriel disse, ainda de joelho, sem levantar o olhar, e sem saber por que sentia que o dono da voz era tão importante e ilustre a ponto de tratá-lo com toda humildade e respeito que conseguiu.

_ Eu estou perdido, não consigo ser quem o senhor quer que eu seja! _ Gabriel continuou, agora abaixando a cabeça até o solo, como reverência. _ Eu não consegui protegê-la, e nem a mim mesmo. Como poderia ser líder.

_ Você sabe onde estamos, ou quem eu sou Gabriel? _ O dono da voz perguntou.

_ Não, senhor! _ O jovem respondeu.

_ Então por que me chamas de senhor, se ao menos sabes quem sou? _ A nova pergunta ecoou por todo vazio.

_ Porque eu não sou capaz de suportar nem ao menos o brilho ofuscante de tua presença, nem enquanto o calor do teu toque me acalma e me faz sentir protegido. _ Ele respondeu, humildemente.

_Se é assim que se sente, então a sua essência está preservada, e o meu esforço não foi em vão. O que faz de você um líder, Gabriel, não é o seu poder, mas sim a sua humildade. Com poder você impõe respeito, mas com humildade você o merece!

Gabriel escutou a voz dizer essas últimas palavras, e sentiu que já podia suportar a luz. Porém, mesmo de pé e com os olhos abertos, ele não se virou para olhar quem falava, mas sentiu-se em paz como nunca havia sentido antes.

_ O que o senhor em sua grande sabedoria e poder quer de mim, afinal? _ Ele perguntou.

_ Por hora, eu só quero que acorde e seja quem foi criado para ser, dúvidas virão mas confie nos seus instintos e em seu coração.

Antes que pudesse perguntar se conversariam novamente, Gabriel viu o cenário mudar e sentiu uma leve pressão como se estivesse sendo sugado por um aspirador de pó ou algo parecido, e aquele imenso vazio branco, deu lugar à sala de espera do hospital, onde Raguel dormia tranquilamente em seus braços.

Enfim era tudo um sonho, mas o terror de vê-la sendo morta por um senhor Ben possuído ainda estava em sua mente, e toda dor e angústia havia sido real o suficiente para ele, que a abraçou forte e prometeu a si mesmo que jamais baixaria a guarda outra vez.

Já não importava mais quem era aquele ser que aparecia em seus sonhos, mas as suas palavras eram poderosas e reforçaram seu espírito. Desejou um dia poder ver a sua face, e saber o seu nome, mas por hora, ele deveria seguir os seus instintos, e eles lhe diziam que havia algo de errado com o pastor, então resolveu levantar-se e ir checar.

O notebook estava na recepção, e olhando as imagens do circuito interno de TV que havia sincronizado ao aparelho, ele constatou que o senhor Ben não estava em lugar nenhum no hospital. Lembrou-se da imagem que pensou ter visto mais cedo no reflexo da porta quando o pastor passou por ela, e decidiu verificar as imagens buscando as gravações de recepção do hospital depois de ter entregado o notebook a ele.

_ O que você está fazendo? _ Raguel perguntou com a voz sonolenta se aproximando enquanto ele olhava para a tela. _ Acordei e você tinha sumido!

_ Nós precisamos ajudar o Senhor Ben! _ Ele disse enquanto ampliava a imagem.

Na tela o pastor passava pela porta com o notebook nas mãos, e na porta, a imagem refletida era de um ser grotesco e nefasto, com grandes chifres curvos como de um bode, e um maxilar pontudo e deformado.

Com aquelas imagens não tiveram mais dúvidas, precisavam procurar pelo pastor e encontrar um jeito de salvá-lo.

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