19 - Ruinas

Fugir nem sempre é a melhor saída; agir no calor da emoção não costuma dar resultados positivos. O coração é um órgão traiçoeiro, e esse comportamento carregado e tempestuoso não era de estirpe nobre. Mas naquela floresta, Mackenzie não era nobre. Ela não era nada além de um ser desprezível, cuja realidade não era mais a que ela pensava.

Ela estava assustada. O desespero lhe espancava tão rápido quanto o coração dentro de seu peito.

Basta pensar por si só.

Se fosse bruxa, o que faria?

O ataque de pânico lhe batia em forma de respiração oscilante.

Como voltaria para casa? Não queria pensar que seu povo a destruiria. Não haveria descendentes. Seu trono ficaria vago. Sua vida seria inútil.

Uma rainha sem trono.

Bruxa, bruxa, bruxa.

A voz de Edlyn reverberava com um ligeiro tom de desprezo em sua cabeça.

Uma Princesa bruxa fadada ao fracasso!

— Não faça isso! — O druida gritou de dentro da mata alta e seca, à medida que perdia a garota de suas vistas.

Ele não conhecia aquela área. Era o que queria dizer. Era perigoso se perdesse a menina ali, nos domínios de Europa. Seria um desastre para não dizer menos, principalmente para a própria garota que não fazia ideia do que a Enchantix era capaz. Ela com certeza a aniquilaria com um simples fechar de mãos. Mas, mais para a frente, Mackenzie estava farta de tanta gente lhe dizendo o que fazer o tempo todo. "Sente direito.", "Arrume os ombros.", "Uma dama não deveria correr.", "Fique quieta.", "Não faça aquilo.", "Não faça isso.", "Seja gentil.", "Sorria..." Tudo isso era demais até mesmo para uma princesa.

Aliás, quem ele pensava que era? Mackenzie se perguntava com raiva do druida, enquanto ele se preocupava em alcançá-la pela mata seca, que roçava asperamente a pele dos dois, mas prejudicava a de Mackenzie ao cortar em finos filetes o rosto delicado.

Eu não quero ser uma bruxa!

Ela não queria salvar a esse povo, e queria que o druida ficasse longe dela. Seus olhos se tornaram turvos, porque as lágrimas o inundavam.

"No Coven do meu antigo vilarejo, as bruxas passavam a controlar melhor os seus poderes depois de se tornarem mulheres."

"Dezoito anos... "

A voz de Edlyn ressoou conforme ela se sentia mais descontrolada ainda. Ela não queria saber daquilo. Não fazia sentido. Uma bruxa, sua pensava e repensava, revirando a simples e inquietante possibilidade.

Um retinir ensurdecedor ecoou de dentro da cabeça de Mackenzie. De repente, ela sentiu uma pressão intensa percorrer seu corpo e depois, algo abalou o ar na forma de uma poderosa onda invisível que se propagou em todas as direções. O cenário sofrera uma leve distorção à medida que a onda se dispersa no ar, para mais e mais longe de Mackenzie. Ela experimentou uma sensação de leveza e liberdade. Como se algo estivesse tentando se libertar por todos esses anos e agora, havia finalmente saído. Foi assustador, Mackenzie não sabia se isso provinha dela, mas algo lhe dizia que sim. Incapacitada de acreditar que havia magia dentro de si, com hesitação olhou para trás, por cima do ombro a tempo de ver o druida ser soprado no ar para longe de dela.

Assustada, ela abaixou o olhar e fitou as pontas dos dedos das mãos ainda dormentes, enquanto em seu estômago um nó começava a se formar ao ver que o druida havia caído bruscamente no chão. Mas isso não a impediu de voltar a correr por entre a relva seca.

O druida se reergueu com destreza e precisão, agindo rápido ao escalar em um dos troncos das árvores para saltar a uma distância suficiente para colocá-lo sobre a garota.

Então ele o fez. Pulou, mirando em Mackenzie ao viajar no ar, fazendo com que ela soltasse um resmungo doloroso embaixo dele. Ele tinha derrubado a garota e agora, estava em cima dela. As pernas ao redor do quadril delgado. Braços esticados e mãos espalmadas no chão, bem próximas do pescoço da garota. O rosto dela foi se empalidecendo à medida que assimilava a situação e não demorou muito para que a ira a dominasse.

— Deixe-me em paz! — Ela bradou, estarrecida e sem paciência, debatendo-se para tentar se livrar dele.

— Não. — Ele respondeu no mesmo tom.

O druida era mais forte, mas não precisava de força bruta para contê-la. Na verdade, ela era uma bela corredora, mas as chances da pobrezinha escapar eram muito pequenas. No entanto, vê-la tentar, provocara nele uma estranha sensação. Algo que ele ainda não sabia descrever, mas não podia dizer que não havia gostado.

Dali de cima, o druida a estudou. A pele alva e a bochecha corada ao redor dos olhos azuis marcados pelos longos cílios escuros o atraiam de uma forma quase hipnótica. A aparência ingênua cedeu lugar para traços tempestivos e ameaçadores e isso o tinha impressionado. Projetar magia na sua forma mais pura e palpável a tornava uma criatura surpreendentemente forte. Ela não era tão fraca quanto ele imaginava, na verdade, esse fato mudava muito as coisas. Talvez ela não precisasse de proteção. Talvez ele precisasse de proteção, mas ele não estava com medo.

— Você não pode fugir. Precisa se acalme! — Ele disse com muita seriedade, fitando-a profundamente. Não havia ironia, não havia recriminação... Em seu rosto se via apenas a preocupação.

Mackenzie parou e analisou a profundidade do olhar dele para depois dizer:

— Você disse que eu poderia ir embora quando quisesse.

Ele não queria que ela voltasse a fugir, porque sabia que não seria páreo para a magia dela, e mesmo assim, assumiu o risco de segurá-la, porque ele não queria que ela avançasse mais pelos domínios de Europa.

— Eu disse. — Pontuou em resposta, afrouxando as mãos ao redor dos ombros dela. — Mas não aqui. — Mackenzie se debateu, e o druida a segurou pelos pulsos, tentando conter as bofetadas que ela desferia em seu rosto e peito. Então ele prendeu os braços da menina sobre a cabeça, ficando as mãos dela no chão forrado pela grama seca.

Inconscientemente, ele tinha gostado daquilo. Da teimosia. Da beleza que havia na insubordinação. O cabelo comprido dourado formava um leque brilhante sob a luz alaranjada do fim de tarde. Da pela branca com pequenas linhas azuladas que podiam ser vistas do pescoço à têmpora da garota. Era fascinante. Os olhos azuis cristalinos irradiavam fogo e ira e ele não deveria gostar, mas ela era ainda mais bonita quando estava com raiva. Alguma coisa entre o que ela era, e o que podia vir a ser. Não tão passiva. As mulheres druidas eram assim, intensas, tempestivas, mas sempre assim. Já ela oscilava entre a delicadeza e imprevisibilidade humana.

Tão fascinante quanto irritante.

— Eu não quero nada disso. — Ela exclamou, resfolegando conforme tentava se movimentar, mas cedeu ao perceber que lutar contra ele era uma causa perdida. — Não pedi por nada disso. Não pedi para estar aqui, só quero voltar para minha casa. — Soluçou, por fim, dando-se por vencida, tão frustrada quanto uma pobre garotinha rica e mimada que não tem o que deseja.

— Não seja tola. — Ele a recriminou com brusquidão. — Não aqui, sob os domínios de Europa. Acha que se pudesse escolher, eu estaria aqui, procurando um santuário, que sabe lá Deus se existe realmente, com uma criatura tão impertinente e... humana. — A voz de Edlyn entrou nos ouvidos de Mackenzie com tanto desagrado que ela se deu conta de que partilhar aquele tempo com ele era tão desconfortável para ele quanto para ela. Ele também não queria estar ali.

Se ele era um ser estranho para Mackenzie por morar em uma floresta tão inóspita e ter aquelas orelhas élficas despontando pela lateral da cabeça, que ela havia de reconhecer, pelo menos para ela mesma: tinha seu charme. Mas naquela situação, ela também era muito diferente para ele, já que não tinha traços élficos. Ambos carregavam preconceitos, e ele tinha o latente ressentimento de ver os seus morrerem pelas mãos dos dela. Ela só não havia se dado conta disso. Afinal, a moeda tem dois lados. Mackenzie olhava apenas o seu lado.

Mas ela não deixou de se ressentir, engolindo a seco ao perceber que não era de todo ruim para ela tê-lo por perto, ele a protegia, provia alimentos e água e embora não a ajudasse a partir, ainda conhecia a floresta, mas para ele, Mackenzie não era assim tão vantajosa. Então, desejou se afastar, mas ele ainda estava ali, sobre ela, prendendo seus pulsos, enquanto a encarava com olhar decidido, aguardando que concordasse em cooperar.

— Afinal, eu sou assim tão desprezível? — Ela indagou com a voz nitidamente tomada pela amargura.

Ela não queria ser rejeitada.

Ele estreitou os olhos, era com isso que ela estava preocupada?

Mas Edlyn não hesitou em responder com toda a sinceridade:

— Não se você for a bruxa que vai salvar a floresta. Caso contrário...

Caso contrário, não. Mas ele não diria isso a essa grande teimosa.

— Talvez eu devesse mesmo ir embora e deixar Europa torrar o seu traseiro boboca. — Ela respondeu com grosseria, debatendo-se novamente embaixo dele.

Ele a soltou ao ver que ela estava mais calma, jogando o corpo para o lado e levantando-se do chão.

— Então você seria ainda mais desprezível que os seus. — Ele soltou, suas palavras tão roucas quanto um sussurro, reverberando na mente dela e entalhando-se no coração.

A garganta dela se contraiu, e ela guardou qualquer que fosse a resposta para a ocasião, a final de contas, não havia nada a ser dito, porque não queria ser desprezível.

Ele não estava sendo de todo justo, mas não houve tempo para debate, porque Mackenzie se sentou no chão, pronta para levantar, mas deteve-se com o que havia diante de si.

Seus olhos reluziram a cor da construção amarronzada e as grandes colunas arredondadas com portais rachados que não os enganavam. Ela vislumbrou a construção de muito tempo atrás. Então, ela se encolheu entre os ombros, arrependida de ter fugido e principalmente de ter seguido naquela infeliz direção.

NOSCE TE IPSUM

Era o que estava gravado na robusta placa de pedra. Ela conhecia a ordem daqueles símbolos, já o havia visto em vários dos livros da Biblioteca Real, mas a Princesa não sabia o que significava.

Então, o druida disse:

"Conheça a ti mesmo..."

Foi um momento de esperança para Edlyn e seus olhos refletiam bem o que aquela velha construção significava. Era uma âncora de esperança. Se a garota medisse quem era, e fosse forte o bastante, ela os salvaria. Ela salvaria Angora da Rainha Europa. Salvaria a ele, e então pensou: Nem tudo estava perdido e mesmo que olhasse a garota como uma criança cheia de esperança, ele não se atreveria a agradecê-la, porque seu coração estava tomado de orgulho e ressentimento pelo que ela havia dito.

Ele finalmente havia encontrado. Não era lenda. O oráculo existia, mas estava muito bem escondido em uma região perigosa demais para ser procurado. Edlyn admirou o templo do deus dos Antigos Reinos.

Apollo.

Ele não disse muito a Mackenzie, mas Apollo era o deus do sol e da verdade. Se Mackenzie precisava descobrir o que era e porquê, ele tinha fé de que Apollo pudesse lhe ajudar. O oráculo era real e eles acabaram de encontrá-lo.

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