17 - Cinzas do Extremo Sul

Edlyn procurou por toda a região do Extremo Sul que não ultrapassasse a linha dos domínios de Europa, no entanto, onde quer que procurasse, não havia absolutamente nenhum indicio do tempo de Apollo. Então, teve de recorrer ao que o velho spriggan o advertira.

Ele tomara o caminho em direção ao Reino da Enchantix com a certeza de que acreditar em uma humana era um erro, Edlyn tinha perfeita consciência disso, mesmo que olhar para a jovem garota o deixasse confuso a respeito da dignidade dela, já que ora parecia ser adorável e frágil, ora se parecia arrogante e presunçosa. No entanto, mais errado ainda seria deixar seu povo nas mãos de Europa sem tentar esgotar todas as chances. E a humana era uma chance. Ela tinha potencial. Tinha que ter. O druida agarrava-se a lembrança de vê-la lutar contra a magia de Everild, e ele já tinha visto a bruxa fazer aquilo, inclusive com ele. Não havia escapatório para os sem-magia, aquele feitiço deixava qualquer um vulnerável demais para se opor. Apenas alguém com magia era capaz de revidar à própria magia.

No entanto, algo o estava incomodando.

Enquanto refletia melhor sobre a situação, eles avançaram pela nítida linha que separava as terras de Europa de todo o resto da floresta. Parte do Extremo Sul, a parte dela, estava destruída, não havia sinal de vida. A vegetação estava queimada, a grama, há muito havia se transformado em palha seca. O céu tinha novas cores, não mais azul, mas sim embatumado de cinza, um cinza que causava agonia no âmago de qualquer pessoa, — menos de Europa. A região era mais planificada e as árvores tentavam sobreviver ao solo queimado e seco, com novas cascas grossas rachadas sobre seus troncos.

Era como ela havia visto no sonho. Mackenzie constatava conforme estudava o cenário caótico ao sentir o medo se alastrando pelo corpo. O fogo. Ela queimava tudo. Gostava de viver nas cinzas. Era uma enchantix da destruição e o fogo lambia tudo o que ela desejasse. Como haveriam de vencer aquilo.

— No seu mundo — Edlyn disse, pela primeira vez depois de muito tempo em silêncio — quantos anos você tem?

— O que? — Mackenzie indagou da garupa do cavalo. — Por quê?

— Não basta simplesmente responder a pergunta? — O druida revidou num com nítido rompante.

— Não! — Ela exclamou imediatamente.

O druida revirou os olhos e relaxou um pouco as rédeas de Minelal, para que ele reduzisse o ritmo do galope.

— Precisa haver uma explicação para os seus poderem não terem se manifestado ainda. — O druida divagou, enquanto pensava em voz alta. — Lembro que no coven do meu antigo vilarejo, as bruxas passavam a controlar melhor os seus poderes depois de se tornarem mulheres. Isso quer dizer que com tudo isso, você seja realmente uma bruxa, mas jovem demais para dominar sua magia.

"Uma bruxa?" Ela engoliu a seco.

Se ela fosse mesmo uma bruxa, como voltaria para sua casa? Não queria pensar, mas a ideia de ser caçada caso alguém a descobrisse, de ter um fim tão trágico quanto o da pobre garota morta no pátio de seu Castelo duas noites antes fez Mackenzie se desesperar. Não queria viver sob uma mentira, mas não podia voltar sabendo que seria morta pelo seu próprio povo.

Não podia ser. Não podia ser. Ela desconjurou veemente a própria sorte.

Como viveria com isso? Uma bruxa. Uma Rainha bruxa.

— Não posso acreditar... — Ela balbuciou completamente paralisada pelo pânico.

— Ainda quer voltar para casa? — Edlyn indagou com uma boa dose de escárnio. — Eu diria que é muito otimismo da sua parte acreditar que eles vão te aceitar como você realmente é. Uma bruxa.

A palavra dançava na boca dele, causando calafrios na boca do estômago da Princesa. Então, ela desejou que ela não a repetisse mais.

Ela queria voltar para casa, mas morreria de medo de descobrir a verdade.

— Então, diga-me. — Edlyn insistiu, virando-se por cima do ombro para fitá-la, totalmente desapercebido do estado de pânico da menina.

"Oh.Céus!" Ela pensou.

— Dezessete. — Ela respondeu com a voz trêmula, mais para ela do que para ele. — Faço dezoito... — Ela pausou sabendo o quanto aquela colocação era grave. Se o que Edlyn acabava de dizer era verdade... Então — Hoje.

Hoje seria o dia que seus poderem se tornariam mais aflorados.

Para uma bruxa, os dezoito anos são de extrema importância para uma jovem bruxa, mas eram ainda mais estimados para uma Princesa. Era uma dará muito marcante, principalmente para uma que já havia nascido para ser rainha. Sua coroação seria hoje, no fim da tarde, caso ela não tivesse sido capturada, fugido para uma floresta que ao invés de ser seu abrigo se tornara uma prisão.

"Minha coroação!" Ela pensou com pesar.

Sua coroação mudaria tudo, mas não havia um trono, muito menos uma coroa.

— Hoje é seu aniversário? — Ele indagou, mas não era com isso que ela estava preocupada. — Vai ser uma data muito importante se você realmente for uma bruxa.

Ela era uma Princesa e isso parecia ser tão importante quanto qualquer asneira de bruxaria. Mas Mackenzie se irritou.

— Pode, por favor — Mackenzie disse com a voz mais aborrecida, sem se preocupar com a educação verbal que havia usado, enquanto se remexia no cavalo, desestabilizando Minelal com a falta de sincronia — parar de utilizar essa palavra. Eu preciso descer. — Ela notificou com urgência.

E mesmo com toda a agitação dela, o druida não parou o cavalo que também se atrapalhava com o peso do corpo da garota que ia de um lado para o outro.

— Pare, imediatamente, Edlyn! — Ela ordenou com mais altivez, sentindo-se nauseada. — Eu preciso descer.

O cavalo parou, e ela desceu aos trôpegos precipitados deslizando pelo lombo negro do cavalo.

— Ora, o que há com você? — Ele indagou, estudando-a de cima.

Mackenzie não respondeu, simplesmente virando-se de costas enquanto tentava conter a crise que acabara de ter.

Não pensar em ser uma bruxa. Se isso acontecesse, sua vida, a vida a qual fora criada para ter tinha sido uma mentira. Seu povo a caçaria e ela não conseguia imaginar uma vida longe de seu pai.

"O que haveria de ser de mim, caso toda essa insanidade fosse verdade?" Ela se perguntava com os olhos marejados, desejando que estivesse sozinha para que pudesse liberar toda a sua aflição na forma de um choro copioso e desesperado.

Ela era apenas uma menina. Não sabia o que fazer, em quem acreditar e ainda havia o druida intrometido, ele nunca se afastava e agora, só pensava em jogar o peso de salvar o seu povo sobre as costas de uma adolescente mirrada.

Isso não podia ser verdade.

Ela se negava de todas as formas a acreditar. A palavra bruxa ecoando em sua mente como a maldição que seria, caso isso realmente fosse.

O druida apeou com urgência, vendo a menina seguir para fora do caminho, caminhando pela palha, e a seguiu.

— Você não pode...

— Como, Edlyn... — A voz dela estava carregada de um tom choroso e quando ela se virou na direção dele, estava mais do que evidente no rosto e nos olhos vermelhos que ela estava chorando. Aquilo fez o coração do druida ficar apertado. — Como vou voltar para casa se realmente for bruxa? Eles vão... — Ela não queria dizer, e sua garganta se apertou com a angústia, mas aquela era a realidade. Havia muitos anos que seu povo matavam bruxos. Isso havia começado com seus avós e seu pai manteve o decreto. Todas as criaturas não humanas deveriam morrer. Inclusive ela. — Eles vão me matar.

Seu pai a mataria, mas ela não podia partilhar dessa parte da dor, porque talvez, o druida a matasse também quando descobrisse que ela era filha do homem que julgava as mortes do seu povo.

— Porque o seu lugar não é com eles... — O druida disse, com a voz tomada por uma gentileza que desde a noite anterior não havia visto.

Mackenzie negou com o gesto de cabeça.

Ela tinha um legado.

Uma coroa.

Um trono.

Ela foi criada para ser rainha e agora, de um dia para o outro, tudo havia deixado de ser o que era.

— Eu não sou como vocês... — Ela respondeu, engolindo um soluço.

— Mas também não parece ser como eles. — O druida revidou. — Não completamente.

Ela sabia, há muito tempo, que havia algo de errado com ela. Os sonhos eram previsões, e ela já sabia disso depois de os verem inúmeras vezes se concretizarem. Mas ela queria sua coroa. Tinha sido criada para isso.

De repente, desejou que o oráculo não existisse. Porque assim, talvez, a verdade nunca viesse à tona. Ela queria que qualquer poder que ela tivesse fosse tratado como uma doença horrível que viria a ser descoberta quando já estivesse em seu leito de morte. Então, ela correu, mesmo que soubesse que o druida daria um jeito de alcançá-la.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top