O spriggan colocou curiosos óculos arredondados na cara grotesca para enxergar melhor, e isso fez Mackenzie se lembrar das pequenas estatuetas de gnomos que havia no jardim do Castelo, que agora parecia tão remoto em suas lembranças quanto em geografia, e quando percebeu, já estava distraída, afogada em lembranças de sua casa.

— Se existe alguma possibilidade deste templo existir — Vastia considerou, apontando com a enorme unha pontiaguda em direção ao mapa aberto sobre o balcão.

Edlyn analisou o mapa e sua garganta deglutiu em seco antes de dizer:

— Mas não está mapeado, Vastia.

O springgan ajeitou sua postura e fitou Edlyn com curiosidade quando disse:

— Ora, é exatamente por isso.

Era intrigante olhar para o mapa, ele era tão rico em detalhes, rico o bastante para perceber o quanto o local indicado por Vastia se aproximava dos domínios de Europa.

— Vai ser arriscado. — O spriggan acrescentou, parecendo saber exatamente o que se passava na cabeça do jovem general druida.

— Estou disposto a assumir os riscos. — Edlyn afirmou com confiança e bastante pressa. — Posso ficar com ele? — Indagou, e quando Vastia concordou ao gesticular com a cabeça, Edlyn enrolou o papel para que se tornasse apenas um rolinho. — E o que você quer em troca?

Os olhos do spriggan cintilaram de um jeito malicio, como acabasse de fazer a pergunta mais interessante da noite, mas antes que ele pudesse dizer o preço pelo mapa, Mackenzie chamou a atenção deles, no momento em esbarrou com a capa grossa em uma das caixas de cartas de tarô e elas se abriram pelo chão.

Mackenzie se encolheu, receosa ao ver que Vastia resmungava e praguejava em forma de ruídos enquanto fazia a volta pela mesa e se aproximava mais dela.

— Olha o que você fez... — Vastia reclamou antes de ver as cartas de perto, e quando se aproximou mais, parou por um instante.

A disposição das cartas no chão realmente eram, para dizer no mínimo, para lá de inusitada, e tinham chamado a tenção de Vastia, porque exceto as três cartas viradas para cima, espalhadas sem pouco cuidado devido à queda, as restantes estavam voltadas para baixo, e elas pareciam querer dizer algo que Vastia não ousaria dizer, não em voz alta. A criatura encarou Mackenzie com um olhar significativo, o que fez com que ela assumisse uma postura defensiva e temerosa.

A temperança;

A torre;

A roda da fortuna.

Vastia fitou aquela combinação alarmante por um momento, e embora sua intuição de spriggan tentasse lhe alertar sobre aquilo, ele simplesmente decidiu que só poderia ser mera coincidência.

— Sinto muito! — Ela disse rapidamente, abaixando-se para pegar as cartas, esperando que pudesse amenizaria a situação.

Ela estava começando a ganhar a atenção de Vastia e Edlyn começou a se contorcer desconfortavelmente do outro lado.

— Deixe, deixe, deixe! — O springgan rosnou, tomando da mão dela as cartas que já havia pegado do chão e Mackenzie sobressaltou-se com as unhas pontudas que arranharam sua palma.

Foi então que cabelos dela se movimentavam ao correr dos ombros para frente do corpo, e o spriggan fungou duas vezes com suas largas narinas grotescas, e isso foi o bastante para que ele se agitasse e corresse para cima da garota.

— Uma humana. — Ele bradou com uma voz gutural e assustadora, instantes antes de saltar no ar e pular sobre a garota, derrubando-a de costas no chão com ele por cima.

Mackenzie gritava, debatendo-se para tentar afastá-lo, mas ele era forte demais.

— Vastia! — Edlyn interpelou com urgência, sacando em um só movimento o arco e a flecha da aljava.

No entanto, Vastia começou a crescer sobre a garota, tornando-se assombrosamente gigante novamente.

— Eu não sabia que você tinha trocado de lado, general... — O spriggan rebateu a Edlyn, revoltando-se mais sobre a garota. — Não acho que Dubrok aprovará isso, mas você não poderá salvá-la de mim. — Acrescentou, lambendo de um jeito horripilante a bochecha da garota, como se ela fosse um belo assado de carne, e deixando um caminho de saliva grossa por onde havia passado.

— Afaste-se da garota, Vastia. Não me obrigue a machucar você, Vastia. — Edlyn disse e dava para sentir a tensão sobre os ombros do druida. Ele realmente não queria voltar-se contra as criaturas que habitavam na floresta por causa de uma humana, mas não havia escolha. A menina poderia salvar a todos e não estava disposta a deixa-la se tornar o jantar de spriggan.

Ele não se afastou de Mackenzie, que se debatais e resfolegava mais intensamente conforme o gigante apertava seu pescoço.

— Sai! — O druida bradou, saltando no ar para chutar a lateral do corpo do gigante, que rosnou quando tombou para o lado, colidindo na estátua de homem que titubeou em falso e virou, caindo de lado, de encontro ao chão; a cabeça batendo primeiro e despedaçando-se em muitos pedaços de argila.

— Minha estátua de Júlio Cesar, não. — O spriggan bufou com raiva latente; Mackenzie rolou no chão, para o outro lado, tentando manter-se distante. No entanto, Vastia ergueu o braço e socou o druida, que voou no ar até colidir com a estante que ele havia pegados os mapas instantes atrás.

Uma chuva de objetos se formou, espalhando-se ao encontrar o chão, quando a estante ameaçou virar, mas o druida tomou impulso antes que ela tombasse e pulou no peito do spriggan, acertando-lhe socos na cara, e o gigante o içou no ar, como se tirasse um carrapato inconveniente e o lançou no chão, arrastando-se no chão grosso até encontrar Mackenzie.

O lugar encontrava-se destruídos; a maior parte das coisas ou estavam quebradas ou estavam no chão.

— Por que você quer encontrar o templo? — O gigante rosnou antes de atacar novamente.

— Ela não é humana! — O druida retrucou, tentando parar com toda aquela cena de guerra antes que se machucasse seriamente.

O gigante fitou a garota que ainda estava no chão ao inclinar a cabeça e estreitou os olhos ameaçadoramente para Edlyn depois de analisá-la com mais atenção.

— Ela parece humana para mim.

— Ela pode salvar a floresta da Rainha Europa. — Edlyn tentou explicar.

— Quanta besteira! — Vastia respondeu rapidamente, desdenhando da possibilidade.

"Ninguém poderia salvar a floresta. Esta era uma causa perdida." Este era o pensamento das criaturas que viviam em Angora. Eles esperavam o momento em que Europa chegasse com o seu poder e transformasse tudo em cinzas.

— O oráculo irá nos dizer. — Edlyn disse, e Vastia não segurou uma risada sarcástica.

— Ela pode usar magia — ele arriscou. Precisava convencer Vástia, ou então, estava acabado, porque o gigante os esmagaria — eu vi. — Afirmou.

O gigante fitou a pequena garota, ainda com muita descrença esboçada, para depois dizer:

— Então, que mostre.

— É por isso que precisamos do oráculo. — Mackenzie argumentou, pela primeira vez, pronunciando-se altivamente. — Uma bruxa disse, antes de morrer, que não sou completamente humana, mas não disse o que de fato eu sou. Talvez o oráculo seja capaz de dizer.

— Everild disse. — Edlyn acrescentou, como se somente aquela informação bastasse, e foi o que inesperadamente aconteceu, porque o spriggan abaixou a guarda.

— Se isso realmente for verdade — o spriggan disse — levá-la para o norte não é uma estratégia inteligente.

— Precisamos saber, não posso leva-la ao acampamento sem isso, porque eles a destruirão. — Edlyn justificou, pegando Mackenzie completamente de surpresa.

— Humanos como ela — o spriggan apontou — dizimaram nosso povo. Eles destroem tudo quanto põem a mão e merecem a morte mais do que qualquer outra criatura .

— Ela, não — o druida ratificou.

— Você não pode acreditar nisso. — Vastia advertiu.

— Ela vai nos ajudar, Vastia. — Edlyn teimou, levantando-se do chão, para depois ajudar Mackenzie a reerguer também. — Salvaremos Angora.

Ele tinha que acreditar nessa ideia, caso contrário, não adiantaria buscar por templo, oráculo ou sacrificar o resto de tempo que ainda tinha.

O spriggan bufou um ruído de descrença e lançou:

— Então, vão. Mas não digam que eu não avisei.

O spriggan deu as costas, catando alguns dos objetos que estavam espalhados ao redor dele e Mackenzie e Edlyn partiram de lá. Agora ele tinha uma noção de onde haveria de buscar pelo templo, ele só não esperava que fosse uma região tão extensa quando a sombreada no mapa.