08 - Olhos prateados
"Acorde..." Aquela voz sibilou em seu ouvido suave como um eco cantado e distante.
"Acorde e veja... Veja-o"
As pálpebras de Mackenzie começaram a tremelicarem conforme ela acordava de um sono forçado e pesado.
"Veja-o..."
Ela abriu os olhos e os fechou com força, franzindo o rosto ao tentar afastar o sono que havia lhe sucumbido. Agora, acordada e muito confusa, inclinou o corpo, apoiando-o nos braços e olhou ao redor. Ainda era noite, e para o seu desespero, desta vez não era um sonho. Ela estava mesmo em uma floresta e diante de uma fogueira que crepitava e irradiava calor para aquecer seu corpo.
Ela abaixou o olhar para os braços e viu os arranhados produzidos pelos galhos secos das árvores. Seu coração voltou a bater rápido e pasma ela se arrastou no chão de terra, recuando, ao ver que tudo o que havia sonhado estava acontecendo.
Mackenzie se lembrava de tudo. Do rapto, da fuga, dos insetos e da planta que havia lhe engolido, mas como... Como havia parado ali.
A brisa noturna se transformou em um vento mais intenso e chicoteou a chama, levando-a mais para o lado e ela pode, como tinha feito em seus sonhos, enxergar através do fogo. Ela puxou o capuz da capa que ainda estava em seus ombros e protegeu-se do frio.
O homem estava ali, esguio, do outro lado da fogueira, parado, amolando um punhal em uma pedra enquanto Mackenzie observava os cabelos lisos que caiam fartos pelas nucas, até que seus ouvidos com orelhas levemente pontudas se apurassem para perceber que a menina estava consciente, e ele se virou para fazer a volta na fogueira, e Mackenzie praticamente empalidecesse aturdida. Ele dispensou a pedra, jogando-a para o lado; a lâmina brilhante lhe fez lembrar de Millo e para o completo desespero dela, as solas das botas em contato com o chão produziam um ruído que indicavam que ele estava andando e ficando cada vez mais próximo de Mackenzie.
"Não pode ser!" Ela negou com veemência ao fitar os olhos de ardósia com as quais sonhava noites seguidas. Ela achava que estava ficando louca.
— Não é real. — Ela disse num sussurro temeroso, virando o rosto para evitar fita-lo mais, lembrando-se das árvores que se rearranjavam diante dos seus olhos. — Nada aqui é real. Não é real... Não real... Não é real...
O ruído cessou e uma sensação de ter alguém muito próximo faz Mackenzie sentir que estava sedo observada de perto.
— Ei... — Ele a chamou com cautela.
Mackenzie relutou em olhar para a frente, mas o fez, soltando um grito de espanto assim que o fitou tão de perto. Ele estava abaixado diante dela e se parecia com um homem. Tinha rosto de homem, mas orelhas pontudas e diferentes de tudo o que já tinha visto em sua curta vida, e depois de olhá-lo mais uma vez, Mackenzie perguntou tomada pelo medo:
— O que é você e o que quer de mim?
A criatura soltou uma lufada de ar pelas narinas em forma de risada e respondeu:
— O que eu quero? — Ele rebateu, analisando-a de lado e empurrando o capuz da cabeça da menina para cair de sua cabeça, expondo o rosto com traços delicado dela. — Eu salvei você, esperava que humanos — ele segurou uma mecha dos longos cabelos encaracolados dela, que correram pesado por seus dedos quando ela recuou com a cabeça — fossem mais gratos.
— São como raios de sol... — Ele comentou, nitidamente muito impressionado com os cabelos da garota.
Ele continuou a análise, primeiro pelo rosto, os olhos amendoados e grandes de uma cor azul celestial que costumavam manter-se gentis agora estremecia e vacilavam com o medo. Depois os braços magros de pele pálida e frágil repleta de arranhados e vergões; os pés descalços e sujos, a camisola quase transparente lhe dava um bom panorama da magreza da garota e em resposta a todo aquele estudo, Mackenzie enviesou as sobrancelhas, encarou-o com intriga. Era fascinante a cor dos olhos dele, brilhantes e cinzas como a lua que brilhava sobre suas cabeças naquele momento.
Ele coçou a garganta e guardou o punhal em algum lugar em seu colete de couro sob a capa preta, se erguendo.
— Eu sou um protetor da floresta. — Ele informou com mais confiança na voz, mas isso não queria dizer muita coisa para Mackenzie, porque ela continuou olhando para ele com cara de surpresa. — Druidas. Não precisa ter medo. — Acrescentou por fim.
Mas não era isso o que a impressionava, o que a incomodava era: porque uma criatura, uma coisa não-humana era tão bela e semelhante aos seus?
O druida também nunca tinha tido contato com uma garota, e ver de perto a anatomia tão frágil e vulnerável como aquela diante de si o fazia questionar a raiva que seu povo alimentava dos humanos, porque, o que um ser tão pequeno como aquele poderia fazer de tão ruim a eles? Mas ele não deveria confiar e para isso, ergueu um muro defensivo.
— O que uma garota está fazendo nesta floresta? — O druida perguntou, rondando para ver qual seria a sua resposta.
— Eu não sei. — Mackenzie respondeu ainda muito confusa. — Eu fui sequestrada do Castelo, a carruagem quebrou na estrada e eu fugi... — Ela divagou, olhando mais uma vez ao redor, a mata fechada estava por todos os lados, e a fumaça da fogueira subia em rodamoinhos até a copa das árvores.
Os olhos de gelo do druida assumiram um brilho estranho depois que ela mencionou a palavra "Castelo", e Mackenzie se arrependeu do que havia dito, porque se lembrou das palavras proferidas por Millo: Sei de pessoas que matariam pelo seu pescoço.
No caso, pelo pescoço dela. Ela queria voltar com vida para o Castelo e assumir o que era seu por direito.
— Que título você possui? — O druida indagou dando dois passos ferozes em direção a Princesa. — Você não é da nobreza, é?
"Os cabelos faziam sentido." O Druida sacou o punhal novamente e levou-o próximo ao rosto da garota que estremeceu e recuou mais, sendo encurralada pelo tronco que havia em suas costas, e se viu obrigada a negar com um gesto de cabeça amedrontado.
E naquele momento, Mackenzie percebeu que o dom da mentira surgia nos momentos mais propícios, porque ela não mentiu porque queria, ela mentiu porque sentiu que se dissesse a verdade, aquela criatura a teria salvado apenas para lhe matar novamente.
— Não. — Mackenzie complementou o gesto. — Eu não sou da nobreza.
O druida não sentiu segurança na resposta e apertou mais a faca contra a carne da menina; ela gemeu em resposta e ele se deu ao trabalho de afrouxar um pouco o punhal.
— E por que alguém se daria ao trabalho de sequestrar uma qualquer?
— Eu não sou uma qualquer. — Mackenzie alegou de pressa, engolindo a seco para tentar esconder seu tom hábil. — Eles me confundiram... — Ela tentava melhorar a mentira, mas se sentia apertada demais pelo corpo dele, da faca e do tronco. — Com a Princesa.
— E a Princesa se parece com você? — Inquiriu, fitando-a mais um pouco, deslizando a faca ameaçadora pela mecha de cabelos da garota que havia pegado, cortando dois fios que caíram cintilando até chegarem ao chão.
Ela ia assentir, mas percebeu que se fizesse isso, a lâmina a cortaria, então ela apenas tratou de resfolegar um "sim" como resposta e isso foi o bastante para soltá-la completamente, e ele ergueu a mão para ela, para ajudá-la a se levantar.
Mackenzie fitou a palma da grande mão estendida e se sentiu insultada com o gesto. Bufando de raiva, ela se levantou sozinha, tentando restaurar o resto de dignidade que ainda havia em si, mas os músculos da garota amoleceram, a mente girou, e as pernas fraquejaram assim que a Princesa precisou delas, suas mãos formigaram e ela não sentiu os membros periféricos. No entanto, por pura ironia, naquele momento, sua sorte foi o druida, que a segurou nos braços antes que ela desmoronasse.
— O veneno da amender ainda deve estar no seu organismo. — O druida comentou, e pela primeira vez, Mackenzie prestou atenção em sua voz melodiosa, grave e muito próxima.
Mais tarde, o druida a explicaria o que era uma amender: plantas traiçoeiras que se comportavam como cobras, elas se alastravam pelo corpo de suas presas, apertando até que elas não fossem mais capazes de respirar, no entanto, suas vítimas não sentiam dor, porque ela liberava de seus botões arroxeados uma toxina que as adormecia e as enfraquecia.
A desvantagem de Mackenzie era que por possuir um corpo pequeno, o veneno agia muito mais rápido e devastador, e se não fosse pelo druida, ela já estaria morta e esquecida em um bolo de raízes carnívoras.
Mackenzie se reestruturou, a mão espalmada sobre o colete de couro da criatura e os braços compridos e fortes dele ao redor do corpo dela. O druida era bem mais comprido do que ela, porque ela realmente era bastante pequena, mas isso não o impediu de encará-la de baixo, mas Mackenzie se sentiu enervada ao se lembrar da faca que ele apontara a poucos instantes e se afastou bruscamente, puxando a capa do ombro para a frente do corpo, a fim de se cobrir completamente.
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