07 - A fuga
A noite estava no ápice, e era por volta da meia noite quando a carruagem tomou a Estrada Secundária, chacoalhando e rangendo com o terreno erodido. Mackenzie já se sentia desconfortável com todo aquele sacolejar irritante.
A Estrada Secundária era a melhor solução para escapar das inspeções da Guarda Real, porque ninguém a usava e não era atoa. A estrada era extremamente acidentada e havia saqueadores naquela região, relatos de desaparecimentos, sem contar o fato de que era caminho para a temida Floresta Escura. Ou seja, ótima rota para tirar a Princesa de Parga de seu Castelo.
Mackenzie olhou para através das janelas ao seu lado e fitou a paisagem que passava quase como um borrão por ela, que sentiu um estranho arrepio na espinha ao fitar aquele estranho cenário.
Ela nunca tinha saído do Palácio, mas porque ela sentia que já tinha visto aquelas árvores de algum lugar. "Talvez fosse um déjà-vu." Ela se livrou da sensação ao se virar para o homem que havia se sentado a sua frente. O braço apoiado na perna dobrada e a faca empunhada em uma das mãos a fim de manter a Princesa na linha.
— Para onde vocês estão me levando? — Mackenzie perguntou com a voz oscilando por causa das sacodidas da carruagem.
— Você e o Príncipe precisam ao menos se conhecer antes de continuarem a negar a proposta do Rei Henry. — Millo disse como se raptar uma Princesa para apresentar a um Príncipe tivesse algum ato de dignidade.
— Você é um soldado de Mikvar? — Mackenzie o analisou.
Ele assentiu e Mackenzie bufou com descrença.
— E vocês querem que eu conheça o Príncipe que ficou para trás, no meu Castelo? — Mackenzie era gentil na maioria das vezes, mas seu temperamento começava a oscilar dada a ironia das circunstâncias em que se via agora.
— Ele estará na Corte amanhã pela manhã.
— Vocês têm alguma noção do quão ridículo isto é? — Mackenzie indignou-se, mas elevou o tom de voz devido ao desconforto de mais um sacolejar abrupto da cabine. — Leve-me de volta ao meu palácio. — Ela ordenou por fim.
O homem guardou a faca nas vestimentas e ergueu o olhar para ela, fitando-a por um instante.
— Fascinante. — Ele declarou com um sorriso reto. — É o bastante para colocar o Príncipe na rédea. Mas agora, cale a boca e se acalme, porque logo, logo estaremos em Mikvar.
O rosto pálido de Mackenzie foi tomado pelo vermelho da raiva e da indignação.
"Colocar o Príncipe na rédea."
— Mas que ultraje. — Ela esbravejou. — Eu não quero ir à Mikvar. Dê meia volta.— Mackenzie ordenou, muito contrariada.
Millo não deu a mínima par a Princesa aborrecida, e a carruagem sacolejou com mais força; Mackenzie bateu com grosseria no canto da parede da carruagem, produzindo um som oco, enquanto outro alto, de madeira se rompendo veio de lá de fora e o transporte parou no meio da estrada.
Antes de Millo sair afoito da cabine para ver o que estava acontecendo, ele determinou:
— Pense bem antes de sair dessa carruagem, Princesa. Sei de pessoas que matariam pelo seu pescoço.
Mackenzie resmungou com a dor da colisão e engoliu em seco, esfregando o local da pancada depois de se ajeitar melhor na poltrona. A questão era que agora, a carruagem estava meio torta, já que o lado em que a garota havia se sentada pendia mais para baixo.
Do lado de fora, Millo aproximou-se do velho boleeiro que já havia apeado de seu posto para ir em direção a parte de trás da carruagem. O estrago estava mais do que aparente: uma das rodas traseiras havia cedido e quebrado e Millo rugiu com sua própria desgraça.
— Mas que diabos. — Vociferou o sequestrador ao chutar a roda quebrada; sua raiva ecoou pela cabine e fez Mackenzie encolher-se entre os ombros.
Era culpa de Hugo. Ele tinha sido o responsável por conseguir uma carruagem discreta e para tanto, arranjou uma velharia caindo aos pedaços. Não dava para seguir a pé, a estrada era longa e cercada de incontáveis perigos.
Millo engoliu em seco. Tentou se recompor ao passar as mãos pelas têmporas e depois pelos cabelos cortados rente ao coro. O homem tinha pele branca e belíssimos olhos azuis, os fios de sua barba eram loiros claros, e a armadura precisava ser um pouco maior do que o habitual para caber-lhe confortavelmente, afinal, ele era um soldado de Mikvar, e os homens de Mikvar eram conhecidos por serem maiores e mais fortes do que qualquer outro, mas não havia força ou jeito que pudesse ser dado àquela situação.
Eles estavam perdidos!
Dentro da cabine, Mackenzie empurrara um pouco a velha cortina empoeirada para o lado e inclinara o corpo para a frente, aproximando o rosto da janela, a fim de ver o que se passava do lado de fora e se deparou com o homem aflito andando de um lado para o outro sem tomar nenhuma decisão.
O tempo estava passando à conta gotas, mas mesmo assim, ela esperou por um tempo longo para alguém em rapto iminente com o intuito de ver o que aconteceria, receando que Millo voltasse a qualquer momento para a cabine. Só que ele estava demorando demais e Mackenzie já olhava aflita pela porta que lhe daria para uma liberdade assustadora.
Se saísse, teria que voltar. Não parecia ser um problema para a inocente cabeça da Princesa, mas infelizmente, se tratava da Estrada Secundária e Deus sabe o que aconteceria com ela se decidisse voltar a pé.
Mas não importava.
Eles tinham um plano e para poder se casar, mesmo que à força, com o Príncipe Dorian, ela teria que estar viva, e um fio de coragem e esperança se acendeu em Mackenzie, porque ela segurou a barra da camisola e empurrou a capa para trás, levantando-se da poltrona.
Com muito cuidado, ela abriu furtivamente a portinhola e colocou somente a cabeça para fora. A noite estava assustadoramente mais escura ali, com aquelas infinitas árvores que ladeavam a estrada e formavam um paredão negro e alto. O medo cumprindo o papel do sequestrado de tentar mantê-la dentro da carruagem a fez hesitar, antes de colocar o corpo todo para fora, mas ela não cedeu e desceu em silencio os degraus da carruagem, pisando no chão.
Os pelos da nuca de Mackenzie eriçaram em apavoro ao encarar as árvores e perceber que elas pareciam encará-la com uma inacreditável expressão de zombaria.
Millo e o boleeiro conversavam sobre um possível conserto, quando tudo se tornou silencioso e ela ouviu passos ao redor da carruagem. Ele não havia esquecido de sua prisioneira, mas esperava que o alerta a prendesse no banco da carruagem.
Mackenzie andou para a frente, esperando que sumir por entre as árvores lhe daria vantagem.
mas Millo a pegou em plena fuga, só que a Princesa já estava muito a frente dele, correndo desesperadamente em direção à Floresta Escura.
— Volte aqui! — Millo gritou enquanto corria. — Não entre na floresta... — ele não ordenou, na verdade, parecia mais com uma orientação apreensiva.
Mackenzie não daria ouvidos ao seu raptor, na verdade, quem daria?
O coração dela retumbava enquanto corria desesperadamente em direção as árvores e Millo foi correndo em seu encalço, pela estrada de chão, na expectativa de que a alcançasse, mas ser pequena e leve dava a Princesa a vantagem de ser veloz, e correr pelo Castelo com Nestor a fazia saber fazer bom uso disso. Então ela correu e emaranhou-se pelos troncos das árvores centenárias e espeças, sendo em seguida, engolida pelas sombras que as copas produziam.
Millo tentou acompanha-la, mas Mackenzie havia sumido por entre as folhas que compunham a floresta que mais se parecia com um labirinto dos infernos.
Mackenzie ofegou, puxando a camisola branca mais para cima quando a barra se prendeu a alguma coisa na altura do chão. Sem perder o ritmo, ela continuou a fuga em direção a mata fechada e surpreendeu-se ao se lembrar do sonho que tivera naquela tarde.
Era igualzinho. Ela, dentro de uma floresta densa e selvagem com galhos finos e baixos que lanhavam seu rosto e em algum momento na fuga, empurraram seu capuz para trás, tirando-o de sua cabeça.
"Corra..." Alguma coisa ecoou por entre os assovios do vento, mas Mackenzie não sabia se era sua cabeça sibilando, mas ela podia jurar que não. Só que ela obedeceu e continuou a correr.
— Ela foi por ali. — Os ouvidos de Mackenzie capturaram a voz que podia jurar ser do boleeiro, então ela se movimentou mais de pressa, embrenhando-se ainda mais na floresta.
Ela não sabia se conseguiria voltar, mas não podia se dar ao luxo de pensar sobre isso e continuou a correr na expectativa de se livrar do boleeiro e de seu raptor.
A Princesa se lembrou do sonho e do galho no momento em que daria o passo que mudaria o curso de sua fuga e se assustou em se deparar com o único graveto seco muito próximo da sola de seu pé.
Embora estivesse alarmada demais, ela não cessou as passadas e algum tempo depois, Mackenzie olhou para trás e reduziu o ritmo, resfolegando ao se apoiar com a mão no troco espeço de uma árvore. O coração galopava no peito. As narinas estavam secas e das costelas uma dor irrompia por todo o seu troco.
Se reestruturando, ela fitou os pés descalços e sujos pelo chão negro, escorregadio, coberto por folhas em decomposição e se perguntou o quanto tinha andando enquanto erguia aos poucos a cabeça, tirando algumas mechas dos longos cabelos dourados do rosto. As árvores começaram a se rearranjarem no solo bem diante dos seus olhos, como se quisesse abrir um caminho pelo qual ela pudesse seguir, mas Mackenzie não entendeu deste modo, e ela entrou em pânico com cena, tirando a mão com o formigamento que crescia da palma para o braço em contato com a árvore e a movimentação parou.
"Mas o que é isso?" Ela se perguntava petrificada, e quando deu meia volta a fim de voltar, um zumbido de insetos se aproximou como uma nevoa e um enxame atravessou seu corpo.
Os insetos salpicaram sua pele e ela começou a se bater desorientada enquanto voltava a correr em qualquer direção.
Perdida e assustada, Mackenzie só queria fugir do enxame e quando conseguiu se livrar deles, o pé afundou em um emaranhado de raízes grudentas e caiu com o rosto voltado para o chão.
Era estranho pensar nisso, mas a Princesa perdida sentiu as raízes apertando-se em volta de seu tornozelo e crescendo pela perna. A garganta dela se apertou e ela se virou de barriga para cima, inclinando o corpo para lutar com a planta que parecia tentar lhe engoli.
A floresta não a deixaria partir, e a sensação de que a planta tinha vontade própria a atormentava de um jeito que não permitia que ela pensasse direito.
"Isso é uma loucura." Ela pensava, perdendo o fôlego ao tentar contar as raízes que pareciam se alastrar mais à medida que ela se movimentava.
"Não fuja..." Aquela voz sibilou de novo na cabeça de Mackenzie.
A raiz se alastrar no pulso da garota e puxaram para trás, esticando o corpo dela para espalhar-se sem mais resistência.
"O seu lugar é aqui..." O sibilo a fez se arrepiar enquanto ecoava ao longe, e as raízes subiam pelo seu pescoço e alongavam-se com pontas em direção ao rosto. A planta traiçoeira apertou o pescoço da garota até que ela não pudesse mais respirar. Sua visão foi se tornando turva, até que ela desmaiou, esmorecendo-se dentro da parreira que crescia ao redor de Mackenzie como um casulo apertado.
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