04 - Morte à bruxa
O sol começava a se esconder no horizonte cedendo lugar à escuridão que acompanhava a noite. Não havia muitas estrelas, mas a luz da lua derramava-se pelas grandes janelas do castelo branco. No pavilhão, um aglomerado de pessoas atravessava os muros do castelo numa gritaria quase incompreensível.
Mackenzie se desfez do abraço de Anne no momento em que a agitação no pavilhão se fez ouvir.
"O que está acontecendo?" Mackenzie indagou e daria para dizer que todos fizeram a mesma pergunta.
Aylee se levantou da poltrona ao mesmo tempo que Mackenzie, e as duas precipitaram-se em seguir em direção à escadaria principal; as outras três vinham logo atrás, conforme elas avançavam em direção ao pátio do castelo, mais o som ficava evidente.
"Morte à bruxa!" Era o que a aglomeração vociferava com grande fervor e fúria.
— Uma bruxa! — As cinco exclamaram juntas quando chegaram ao topo da escada principal.
"Ainda existiam bruxas?" Mackenzie e as três damas de companhia se perguntaram.
Elas estavam prestes a descobrir.
Anne já presumia que existia, ninguém conseguiria extinguir uma raça tão forte facilmente, mas fazia tempo desde a última vez que o exército encontrara um. Mackenzie ainda era um bebê quando isso acontecera.
A Princesa puxou a barra do vestido, mas antes que ela prosseguisse, Anne interpelou:
— Não vá, criança.
Anne tinha suas razões para tentar impedi-la, porque sabia que se fosse realmente uma bruxa e existisse comprovações, a cena não seria bonita. Uma adolescente não deveria assistir tal coisa.
— Eu vou. — Mackenzie exclamou de volta. — Eu sou a Princesa deste Reino e muito em breve serei Rainha. Preciso ver o que acontece com essas criaturas.
— Você não... — Anne ia dizendo, mas até as damas de companhia estavam apostos para acompanhar a Princesa.
Anne fechou a boca sem terminar sua colocação, porque sabia que nada do que dissesse mudaria a decisão de Mackenzie ou das meninas.
Elas queriam ver, e mesmo que Anne soubesse que depois que Mackenzie visse o que aconteceria com a bruxa, ela se tornaria uma pessoa diferente; um pouco atormentada e confusa. Pois Anne só tinha treze anos quando vira o primeiro bruxo ser morto em uma fogueira e aquilo a mudara bruscamente, mas não havia nada que ela pudesse fazer para proteger a Princesa que, a propósito, era teimosa e curiosa demais.
No entanto, talvez fosse melhor assim, porque como ela mesma tinha dito: Princesa e em breve Rainha. Quem sabe, na próxima vez que o exército encontrasse outra bruxa, não fosse Mackenzie a tomar a decisão final. Os músculos de Anne se enrijeceram quando olhou para a expressão gentil de Mackenzie, e se perguntou se ela, algum dia, seria capaz de decretar morte a uma pessoa.
"Não!" Anne concluiu com certeza. "Ela é boa demais para isso." O Rei que vinha amargurado demais para não parar com os assassinatos. "Algum dia Mackenzie seria capaz de parar com a chacina". Ela não era capaz de acreditar que sua menininha seria tão atroz quanto o pai.
Mas o olhar terno e apelativo de Anne não foi capaz de segurar Mackenzie, pois ela levou o pé para o primeiro degrau e iniciou a descida para um evento que mudaria sua vida.
Ver alguém morrer de forma tão brutal era capaz de mudar qualquer pessoa, ainda mais alguém tão sensível e bondoso quanto Mackenzie, só que aquela era a dura realidade do Reino de Parga, pessoas especiais morriam e Mackenzie teria de aprender a lidar com isso se quisesse governar.
Isso Anne não poderia evitar, então, viu as quatro garotas se afastarem com o coração apertado dentro do peito.
Conforme as meninas iam avançando pelo corredor que dava para o pátio, a apreensão foi tomando conta de cada uma delas e as vozes das pessoas exaltadas do lado de fora se tornava cada vz mais próxima.
— Vocês acham que irão matar a bruxa? — Kenna perguntou com nítida angústia na voz.
Então, elas atravessaram a porta que dava para o pátio e a escuridão da noite as abraçaram. As barras de seus vestidos rodados de realeza rufavam no chão conforme andavam e observavam a multidão que gritava com tochas e pedaços de paus, machados, enxadas nas mãos.
— Elas sempre morrem... — Esmae respondeu a verdade.
— Por quê? — Mackenzie perguntou em voz alta, no entanto, a questão era mais para ela do que para as amigas.
Por que elas tinham que morrer?
— Esta é a lei. — Aylee pontuou ao dar de ombros. — Qualquer criatura portadora de magia deve ser morta. — Incrementou depois de se lembrar da citação do livro da Biblioteca Real.
— O que essas criaturas fizeram para merecer isso? — Mackenzie estava tão incrédula, porque desde que podia se lembrar, não se ouvia mais falar de bruxos, esperava não ter de lidar com isso em seu reinado.
Só que nem sempre as pessoas tem o que querem e com Mackenzie, porque isso teria de ser diferente?
Elas avançaram por entre a multidão e as pessoas foram abrindo caminho assim que se tratava da Princesa.
Mais adiante, dois guardas seguravam uma jovem contra sua vontade pelo braço. As roupas não passavam de um vestido maltrapilha largo e cheio de furos. Ela vivia como uma camponesa. Os cabelos eram compridos nos mesmos tons que os de Nestor, e voavam no ar conforme ela se movimentava para tentar escapar. A jovem acusada deveria ter seus 23 anos, ou até menos, mas isso não a impedia de ser morta pelo seu crime. Os olhos dela cintilavam medo; ela não queria morrer porque não estava fazendo nada de errado, mas mesmo assim, todos assistiam, inclusive Mackenzie, sem fazer absolutamente nada.
A bruxa foi levada para o centro do pátio onde o local era mais alto do chão em três degraus. O General, que por sinal era pai de Nestor, assentiu para alguém e Mackenzie virou o rosto para ver do que se tratava: O Rei acabara de chegar para o julgamento.
— Então — o pai de Nestor, Gerard, começou a falar e estava mais do que evidente a raiva camuflada. Ele estava disposto a fazer da morte da jovem um espetáculo. — Esta mulher foi encontrada com isto. — Gerard sacou do bolso de suas vestes um livro negro com raízes grossas de árvores que se cruzavam na capa, e a multidão se encolheu com horror ao livro. — Um livro de bruxaria.
A multidão começou a reivindicar a morte da mulher antes mesmo que Gerard completasse as acusações. Ele estendeu a mão para que a confusão cessasse a fim de continuar.
— Todos nós sabemos o final de um bruxo neste reino, e esta mulher é, definitivamente, uma. Ela deve pagar.
Mais ao lado, o Rei estava sentado sob seu manto de pele de urso em sua cadeira real, bem mais afastado da multidão do que Mackenzie que estava bem no meio dela. A palavra foi silenciosamente passada para o Rei que, antes de decretar o desfecho da jovem, perguntou:
— Você é realmente uma bruxa?
A mulher ergueu o rosto molhado por lágrimas e fitou-o diretamente, sem recuar. Se ela dissesse que não eles a deixariam viver? Ela pensou em mentir, pensou em negar quem sua raça que vinha sendo massacrada a duas gerações, mas essa não era ela. Então, isso é uma coisa que, de fato, nunca saberemos, porque a bruxa confirmou com um acenou de cabeça e ousou complementar:
— Mas, meu Rei, eu nunca machuquei ninguém.
O Rei se levantou da cadeira com a expressão branda e caminhou um pouco mais para a frente sem transparecer o que sentia ou pensava. Galeith era assim, um contido, racional. No entanto, ele não diferia Magia Branca de Negra. Para ele, magia era magia, sinônimo de ganância e poder. E todos, não importava quem, devia pagar, porque foi assim que perdera sua tão estimada Malise. Ele poderia parar com a chacina apenas com um manear de mão, mas ele derramaria sangue enquanto o vazio em seu peito permanecesse aberto.
— Isso é o que você diz — Galeith afirmou — mas quem garante que sua prole agirá deste mesmo modo. Ela é uma bruxa — o Rei disse para Gerard — então deverá morrer como tal. Executem-na. — Ele decretou antes de sair do pátio.
A multidão vibrou ao comemorar o decreto de morte, no mesmo momento em que Mackenzie pensou em abrir a boca para ordenar que parassem com todo o show. Ela era apenas uma jovem. Esta era a única coisa que Mackenzie conseguia enxergar, mas não poderia ir contra as ordens de seu pai, por isso, se conteve em assistir.
Os homens empurraram o corpo da jovem mulher para a frente, ela caiu de joelhos e os guardas a mantiveram assim enquanto o carrasco subiu os degraus com a foice em mãos.
"Oh meu Deus" Mackenzie pensava, "Vai acontecer. Eles realmente matariam aquela garota com a ordem de meu pai."
Mas o que? Ela não reconhecia o homem sentado ali, naquela cadeira alta. Não eram os olhos bondosos e gentis de seu pai. Eram os olhos sedentos de um assassino. Mackenzie simplesmente não podia acreditar, e ver tudo aquilo bem diante dos seus olhos a deixara muito nauseada.
— Vamos! — Esmae disse, puxando o braço de Kenna antes da morte da jovem.
— Espere um pouco. — Kenna e Aylee pediram e as entranhas de Esmae se reviraram.
Não havia mais nada para ver além do sangue da moça que escorreria pelo pátio, mas Mackenzie não conseguia sair do lugar. Ela estava assustada e incrédula demais encarando o carrasco que havia erguido a foice no ar.
A lâmina brilhou no alto ao refletir a luz da lua. Não dava para ouvir com a gritaria, mas Mackenzie sabia que ela estava gritando, alguma coisa em seu coração a fazia ter certeza e sentir o medo que corria em seu corpo fez a Princesa entrar em estado de choque.
"O que está acontecendo?" Mackenzie se perguntou com boa dose de desespero antes que a foice descesse o caminho em direção pescoço da jovem e Mackenzie virou o rosto para o outro lado antes de ver a cabeça da mulher ser separada da cabeça. Foi naquele momento que ela viu o jovem através da janela, lá em cima, dentro do Castelo, assistindo também à execução da moça, mas ao contrário dela, ele assistira até o final.
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