Capítulo 19

Treinei Max por uma semana. Agora que o inverno chegou está mais difícil permanecer aquecido e ágil enquanto ampliamos nossas habilidades. Eu esgotei minha paciência de um dia inteiro em algumas horas, em todos esses dias até então. Ele comemorava todo movimento acertivo, parecia lançar um passo de dança com os dois braços. Que coisa horrível.

Falei para ele treinar seus poderes com os outros ou sozinho, já que isso também é novo para mim e eu não posso ensinar nada a ninguém. Além de que eu não queria por perto mãos ardentes e um corpo em chamas, nem conseguiria me manter bem. Tenho treinado os encantos de Gaia, desenvolvi bastante já que passo quase o dia todo treinando isso. Ela não parecia querer dar explicações ou tirar minhas dúvidas, ficava tudo na base da intuição.

Todo golpe de Max que eu parava com um único movimento eu me estressava, seria isso pouco esforço ou má vontade da parte dele? Perdi as contas de quantas vezes ele me olhava seriamente e me chamava de tudo que era ofensa, a que eu guardei na mente foi " Você é sem graça e amarga" teria sido crítico se não fosse um pouco verdade, eu também me considerava sem graça, a diferença é que nunca me importei. Eu acho.

Nas vezes que ele caía, eu não o esperava levantar, já que nossos inimigos jamais farão um papel de altruísmo desses. Teve um momento em que ele conseguiu fechar meu pescoço com seus braços, e antes de me fazer cair perguntou se podia. Que ótima distração, aproveitei a brecha e quem caiu foi ele. "Passo um: nunca converse em confrontos de corpo a corpo, não estamos em um filme" lembro-me de ter falado enquanto ele levava sua mão as costas doloridas.

Ele saía batendo os pés no fim dos treinamentos. Eu fazia o mesmo para o outro lado, depois dessa semana no porto Kala, seguimos a viagem em alto mar para o próximo ponto de encomendas. O mar assustava todos que estavam no navio, as caixas viravam, a comida caía no piso, nós, de vez em quando, éramos lançados entra a parede ou contra o chão. Demoramos uns dias para chegar no porto Uyka. Descemos os objetos reivindicados e fomos procurar algumas frutas pelas árvores da floresta e trocar alimento com outras tribos.

Esse lugar abrigava a tribo Zyal, a mesma de Anastácia. Eles eram conhecidos pela agressividade, mesmo que não se possa dizer o mesmo de minha amiga, por trás daquelas facas há mãos macias e delicadas, e por trás daquele olho perdido há um corpo que luta para não precisar lutar! Nós 5 fomos atrás de árvores, Dante veio ao lado alegando ser minha proteção.

— Li, temos chances de voltar? — Ele me pegou de surpresa, até engasguei com minha própria saliva, parei de andar e mantive meu olhar ao norte.

— Você sabe que eu na.. — Ele me interrompeu assim que eu ia completar a frase.

— Você sempre dá essa desculpa quando tento conversar sobre isso, Olivia. — Seu tom de voz não era mais doce.

— Algum problema? — Clark apareceu rodando uma flor cinza na mão e me entregando. — Tem plantas monocromáticas aqui também. Essa flor amarela é linda, não é?

Seria se eu não estivesse vendo-a cinza. "Nenhum problema, Clark. Obrigada." Me referi a ele com um sorriso totalmente forçado, nem sei como consegui mantê-lo naquela posição. Ele acenou com a cabeça e saiu nos deixando sozinhos novamente.

— Se você quer conversar sobre isso, vamos começar pela parte que você me disse que me traiu quando eu estava indo visitar meu tio, pareceu bem conviniente você me falar quando não tinhamos tempo de conversar. — Mantive meus olhos nos deles esperando uma resposta plausível.

— Não foi bem assim. — Ele desviou o olhar fixo de mim. — Eu estava sem coragem de falar disso com você, não queria te magoar, mas também não quero te perder. — Ele tentou segurar minhas mãos, mas eu as abaixei.

— Se não quisesse me magoar, não me trairia. Dante... — Eu estava gaguejando e tropeçando em minhas palavras para poder medir o choro que vinha. — O que eu fui pa.. para você? Quer dizer, eu... não sou o bastante? Eu sou amargurada e sem graça? Ninguém realmente poderia gostar de mim pelo que eu so.. — Abaixei a cabeça e deixei um choro leve descer. Ele me abraçou, mas não respondeu o que eu queria ouvir, ele nem sequer respondeu.

Eu me desvinculei do abraço lentamente e o olhei "Com quem foi?" Ele me disse que ele nem a conhecia, nem mesmo ele sabia. Eu o olhei com mais desgosto, desgosto de mim. Uma desconhecida? Me afastei, lubrifiquei meus lábios, pisquei expulsando as lágrimas que sobraram e saí, ele não me impediu e eu talvez só quisesse ouvir que valia a pena lutar. Lutar por mim.

Comecei a ouvir barulhos de gritos e ordens vindo do navio, corri até lá, um pouco pensativa ainda. As ordens eram dos piratas para defender "nossos" mantimentos e o próprio meio de locomoção, pois uma tribo estava nos atacando. Acho que consigo lidar com isso, corri para onde vi mais movimento e eu não poderia matar essas pessoas com encanto de fogo, eu não faria isso. Vou me virar no meu bom modo antigo.

Fui em direção a uma pessoa com a flecha mirada em mim, tentei mudar de posição diversas vezes para atrapalhar seu foco, e consegui alcançá-lo. Teríamos que paralisar aquelas pessoas para podermos pegar a barca e sair rapidamente, a pior parte é que eles também conhecem os encantos da floresta, todavia por não terem conhecimento sobre o colar da ilha, seus poderes não duram o necessário.

A essa altura, já derrubei uns 5, e não notei nenhuma mulher lutando, isso me incomoda a certo ponto. Ninguém nunca vai te querer assim. Só me dei conta da minha desatenção quando levei um golpe no rosto e caí de joelhos no chão tonta. Passei a mão na região dolorida das bochechas, tentei abrir a boca para ver se sentiria dor com esse movimento. Eu mesma fui contra minha regra de pensar em outro assunto enquanto luto, relaxei e acabei sendo alvo de outra flecha. Passou raspando do meu braço direito e senti um arrepio só de me lembrar da dor que foi para eu tirar aquela flecha da minha panturrilha, e me pergunto agora: Com que eu estava na cabeça para fazer aquilo?

Me levantei focada, dessa vez, e fui atrás do que tentou me atacar, quis usar um golpe antigo que tive a honra de aprender. Me joguei em seu colo brutalmente para levá-lo ao chão, meu vestido acabou agarrando em um metal em suas tranças e mostrando mais que deveria. Senti uma brisa quentíssima por mim e quando olhei para o ponto de origem dela vi Max assoprando um encanto para fazer meu vestido parmanecer abaixado enquanto eu terminava o golpe. Lancei o homem ao chão e logo pus minha mão direita aberta na terra, fechei os olhos, os abri e senti a vibração, com certeza a cor mudou.

Construí uma forma de terra que envolveu o homem e o imobilizou, vi Max fazer uma linha reta horizontal com a mão e o fogo se espalhar para os prender do outro lado, ele não feriu ninguém. Corri para o navio e Dante e Anastácia já estavam lá, eles não a atacaram, então ela nem lutou. Dante havia acabado de chegar pela sua respiração caótica. Segurou meus ombros e os apertou, preocupado. "Você podia ter morrido! Não vá sozinha" Ele falou comigo, quando me soltou e passou as mãos pelo cabelo loiro com um corte baixíssimo. "Você também poderia ter morrido, Dante. Pare com essa cisma!" "Eu sei me cuidar" Eu me virei para ele abruptamente, com gotas de suor descendo pela testa.

— E você acha que eu não sei? Pelo menos em uma coisa eu tenho do que dar orgulho. — Proferi apontando com meu indicador e firmando meu no chão.

— Em segurar uma faca? Orgulho? — Ele transpareceu um riso com escárnio. Max apareceu na porta correndo para dentro.

— Não use seu poder para me ajudar! — Lancei para Max, depois voltei o rosto para Dante. — Não quero mais ouvir suas restrições, você não tem que cuidar de mim!

Subi para o convés e ouvi de longe um "Oliviaa, volte aqui" com um tom pedinte de Dante. Eu fui chutando tudo o que via pela frente, paredes, latas e baldes. Me sentei sozinha e fiquei olhando o mar de braços cruzados.

— Para onde vamos? — Gritei para o capitão da barca

— Para aquele vilarejozinho largado. O rei de Orkida pediu mais encomendas, se é que entende. — Ele gritou de volta, nem estávamos nos vendo.

De volta para casa, mas não é como se agora eu pudesse simplesmente aconchegar minha cabeça do lado da minha mãe, debaixo de uma tenda caindo aos pedaços. Mas aquilo ainda era minha vida, talvez se eu tivesse crescido brincando, eu não estaria nessas condições, ou talvez não estivesse completado 21 anos de vida. Passei a mão pela minha cicatriz do rosto e ela parecia inofensiva para mim, mesmo que eu não conseguisse achar bela, ela tinha um significado. Foi quando eu comecei a me salvar. Meu pai via esses atributos em mim, que outras pessoas nunca consideraram algo a se elogiar. Talvez essa seja a única marca em mim que eu goste de mostrar. Talvez não... ela é.

As estrelas no céu se encontravam em uma infinidade brilhante sobre mim. Continuei esse período de tempo na mesma posição em que estava. Os demais vieram ao meu encontro, Max sentou ao lado de Dante, e Anastacia do meu lado. Max apoiou os braços na borda do navio enquanto tomava vento em seus cabelos.

— Eu havia achado isso, queria te dar, mas esperei a euforia baixar. — Dante me entregou pequenas frutas redondinhas cinzas. Ergui minha mão para pegá-las, mas Max foi mais rápido que eu e bateu na mão de Dante.

— Que isso, cara? Ficou maluco? — Dante olhou para as frutas rolando no chão e se levantou para catá-las. Max levantou do banco de leve ficando da altura de Dante agachado e segurou seu braço.

— Ela tem alergia, ninguém aqui quer mais problemas do que já temos, certo?

— Que alergia o que, Olivia tem a saúde perfeita. — Ele me olhou como se esperasse uma confirmação para o que acabou de dizer.

— Isso é ypo? — Eu perguntei com cautela.

— Sim! — Ele exclamou olhando para Max.

— Eu realmente tenho... alergia. — Max voltou à sua posição anterior, e ainda adicionou uma perna dobrada sobre a outra. Metido.

— Por que eu não sabia disso? Digo... — Dante deixou as frutas no chão e se sentou.

— Por que eu teria motivo para contar de uma alergia boba. — Perguntei gesticulando.

— Isso pode te matar, sabia? E por que ele sabe e eu não? Você sabia, Ana?

— Pare de bobeiras! Isso não é nada demais. Todos aqui sabiam, pois tive uma reação alérgica na floresta. Só.

— Ok. — Ele falou como se estivesse tentando me investigar com seu olhar. Ele não é agressivo com ninguém, nunca foi, mas seu olhar destrói barreiras que nem mesmo sabia ter, eu sinto que esse é um sentimento que eu não deveria ter, não é medo, mas algo que me puxa também me afasta dele.

Está começando a ficar insuportável dividir cabine com essas mesmas pessoas todos os dias, Anastacia arruma tudo e ninguém valoriza exceto Clark. Eu mal me mexo, em qualquer aspecto, então não incomodo, não atrapalho e nem barulho eu faço. Hoje eu acordei suando e tremendo, com calafrios. Tive um pesadelo em que todas as portas que eu abria, num quarto pouco iluminado, me levavam para outro quarto igual a esse. Estava em um looping e no final, eu caí em um piscina de lava e vi silhuetas de corpos do lado de fora parados me olhando, eu sentia o olhar feroz.

Lancei o cobertor longe e acabei soltando mais força do que deveria, fazendo-o queimar no chão até sumir. Me incomodei com o fogo e tentei pisar nele para apagar, mas percebi que aquilo era mais para eu tentar aliviar minha aflição. Pisava desesperadamente, e então, sentei num banquinho de madeira atrás de mim e vi o pano de dissolver. Meus poderes estavam fora de controle. Minha cara estava desmontada. Puxei o balde o arrastando por cada obstáculo do piso, peguei o pano com minha mão fraca e não parava de olhar para a pequena janela redonda que havia nessa pequena cabine.

Comecei pela manga esquerda, depois que desabotoar o vestido atrás. Eu evitava esses dias com todas as minhas forças e oportunidades. Esses dias que me faziam sentir dor, mesmo sem tê-la. Lentamente puxei a longa manga direita, ainda com meus olhos tristes e meu rosto murcho fixados a frente. Abaixei um pouco mais a parte do tronco do vestido e molhei o pano na água do balde. Já não sabia se as gotas na minha roupa eram minhas lágrimas ou se eram resultado do pano pingando em mim. Talvez os dois.

Passar o tecido frio contra minhas cicatrizes e queimaduras sempre me faziam lembrar de como nunca foi fácil a escolha de ser minha própria defensora. De não depender de terceiros. Desci a mão pelo braço o lavando, esses momentos sempre foram adiados, essas mangas compridas sempre foram minhas aliadas, mas a única coisa que eu não consigo disfarçar sou eu. É a minha memória. É a minha personalidade. É o que eu me tornei. É o que eu sou! Crescer com essas marcas só não foi mais difícil que aturá-las adentrando minha pele, só não foi mais difícil que escondê-las. Eu sempre chorava no processo, e eu sempre achei que na próxima vez seria diferente, sempre achei que eu iria superar as opiniões.

Eu estava tão absorta em meus pensamentos que nem me dei conta quando um pé passou pela porta e a fechou de forma incrivelmente rápida.

— Eu ouvi alguém chorand... — A pessoa se aproximou e a voz era de Max, pus rapidamente a parte de cima da roupa, só consegui tapar a região do peito, mas como não dava para prender rapidamente, tentei vestir as mangas, mas não saí do meu lugar.

— Vá embora agora! Agora! Ninguém está chorando aqui! — Eu berro resmungando querendo chorar mais, abaixo a cabeça e aperto os olhos. — Agora! Vá!

— Olivia... — Ele pareceu se aproximar e sua voz veio acompanhada de um suspiro surpreso. Ele viu. Ele me viu mais exposta que qualquer outra situação poderia oferecer.

— Eu disse para sair! Por.. por que não me ou..ouve? — Que moral o mandando sair eu teria se meu corpo exalava um pedido de ajuda, mesmo eu sendo contra. Ele tocou meu ombro e eu o contraí, e eu com a cabeça baixa sem coragem de olhar para o alto. Ele manteve um silêncio insuportável.

— Olhe para mim. — Eu hesitei, mas olhei, com raiva de mim, por nem mesmo ter forças para me proteger daquela situação, pois nessa ocasião nem eu poderia me defender. Seu olho piscava sem parar e ele engulia saliva muitas vezes, estava nervoso. Ele estava levantando sua blusa na parte da frente, por meio segundo pensei que ele estivesse me zoando e querendo me animar, eu juro que não seria capaz de continuar minha vida sem arrancar um órgão dele.

Segurei o choro e vi marcas em seu quadril e por toda sua barriga, engoli em seco e me arrepiei. Ele apertou meu ombro e o soltou. Disviei o olhar e olhei de volta.

— O que... o que é isso? — Disse enxugando minhas lágrimas.

— O que é isso? — Ele indicou meus braços usando as sobrancelhas. Me olhava de cima como se pela primeira vez alguém me olhasse normalmente.

— Belas marcas que belas pessoas nos deram! — Ele deu um sorriso fraco e eu chorei mais, afundando minha cabeça em minhas pernas.

— Vá embora!

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