Capítulo XIV
Sofia narrando:
26 de Abril.
Já passa das vinte e duas horas, nesse momento estou sentada na varanda do meu quarto com uma garrafa de vinho na mão. Não deveria está bebendo, afinal recebi alta hoje, porém eu mereço isso, nunca gostei de beber mas nesse momento sinto como se isso pudesse aliviar e me fazer esquecer de tudo, sei que isso não passa de uma ilusão.
Assim que acordei essa manhã fui recebida pelas caras de preocupação da minha mãe e da Luana, e foi naquele momento que todas as memórias voltaram e foi impossível segurar as lágrimas, as contei tudo,cada detalhe, cada pensamento e tentei descrever com perfeição cada monstro que carrego, naquele momento senti o fardo aliviar e diferente do que pensei não recebi pena mais sim conforto. Porém por algum motivo assim que passei pela porta do meu quarto foi como se
toda dor voltasse. E foi ali que eu entendi, não importa o quanto as pessoas tentem te ouvir, só você é capaz de decifrar o seu silêncio.
Não sei quanto tempo estou aqui, sentada olhando o céu, perdida em pensamentos, saboreando meu vinho. Sou desperta dos meus pensamentos por um barulho do outro lado da varanda.
- Você não deveria está bebendo - O Lucas fala sentado ao meu lado.
- E você não deveria invadir a casa dos outros - Falo olhando-o.
- Nada que não tenha feito antes - Ele fala com aquele sorrisinho idiota e tira o vinho da minha mão o bebendo.
- Idiota - Falo puxando o vinho de volta.
Ficamos ali um bom tempo, sentados, calados, olhando para o céu, cada um perdido em seu pensamentos, compartilhando uma garrafa de vinho.
- Minha mãe me falou que você foi me visitar, obrigada. - Falo ainda olham para o céu.
- O que aconteceu com você Sofia? - Ele fala e não preciso o olhar para saber que toda sua atenção está voltada para mim.
- Quando os monstros querem sair é difícil controlar. - Falo e já posso sentir o álcool agindo.
- Se você precisar falar, eu posso ser um bom ouvindo. - Ele fala e nesse momento o olho.
- Será que pode? - Falo em tom de desafio tentando desfiar o assunto e o vejo levantar uma sombrancelha.
- Não tente mudar de assunto Sofia. Do que você tem medo? - Ele pergunta e nesse momento desfio o olhar.
- Quando eu era pequena morria de medo de filme de terror e fantasmas. - Falo sorrindo depois de um tempo em silêncio.
- E não tem mais? - Ele pergunta
- Não, parei de ter medo quando percebi que os vivos são muito mais assustadores que os mortos.
- Então do que têm medo? - Ele repeti a pergunta.
- A pouco tempo percebi que eu era a protagonista do meu próprio filme de terror, na verdade eu era o monstro dessa história. Então comecei a ter medo mim mesma. - Falo e não recebo resposta.
- Você quer mesmo saber? - pergunto o olhando depois de algum tempo pensando.
- Se você quiser falar.
- Eu nunca fui muito sociável, na verdade nunca fui muito de fazer amizades, durante toda minha infância e começo da adolescência só tive um amigo, o Léo - Começo e sorrio ao falar aquele nome.
- O garoto da foto na sala? - Ele pergunta, e fico surpresa por ele lembrar da foto.
- Sim, ele era meu melhor amigo. Na verdade eu o amava como se fosse um irmão. Sempre sofrermos bullying na escola, ele por ser negro e nerd, e eu por ser a esquisita que só usava roupas largas e sempre gaguejava em público. As pessoas até tentavam disfarçar todo preconceito, mas era visível, todos os apelidos e piadinhas referente a nós, tirando o olhar de nojo ou indiferença que recebiamos. - Nesse momento lágrimas já dançavam no meu rosto - Porém tudo isso mudou quando o Igor chegou, ele era um dos caras mais populares da escola todas as garotas eram loucas por ele, e séria muito clichê dizer que ele olhou logo pra esquisita,não? Pois é, ele começou a se aproximar e tudo parou, os xingamentos, as piadinhas e todo preconceito, todos começaram a tratar a mim e ao Léo como seres humanos. E eu me apaixonei, me apaixonei de tal forma que fique cega. - Sinto um nó se formando na minha garganta, me impedindo de continuar.
- Se não estiver sentindo confortável pode parar Sofia. - O Lucas fala.
- Não, está tudo bem. - Falo após pegar a garrafa de vinho e dá um longo gole.
- Logo ele me pediu em namoro e depois de dois meses juntos ele começou a me pressionar, ele queria a todo custo transar comigo, eu estava com medo afinal eu era virgem e não tinha certeza se aquele era o momento certo. Porém eu estava apaixonada, ele acabou me convencendo, e eu cedi. - Nesse momento uma lágrima escapa dos meus olhos e rapidamente a enxugo.
- Que cara imbecil. - Escuto o Lucas sussurrar.
- No dia seguinte ele daria uma festa e lógico que fui convidada assim também como o Léo, ele não quis ir , ele odiava festas, assim como também odiava o Igor, e sempre me alertava, mas eu nunca dei ouvidos. Mesmo sem o Léo eu fui até a festa, assim que cheguei encontrei o Igor. Fiquei um bom tempo com ele, dançando, bebendo e tentando fazer amizades, porém não me sentia confortável, era como se aquele não fosse o meu lugar. Em algum momento o Igor sumiu e eu resolvi procurá-lo. Procurei no andar de baixo e não o encontrei, então subi, fui até o seu quarto e abri a porta, dando de cara com uma das piores cenas da minha vida, ele estava lá,deitado na cama beijando uma garota qualquer, ele me olhou e nem se deu o trabalho de parar. Eu desci correndo as escadas e assim que cheguei na sala todos os olhares se voltaram para mim, alguns com pena outros com diversão. Olho para televisão e cenas da noite passada estão ali, expostas para todos verem. Uma das últimas coisas que me lembro daquela festa é do Igor descendo as escadas e falando para todos que quisessem ouvir " Era apenas uma aposta lindinha." Todos os seus amigos começaram a rir e eu saí correndo. Assim que comecei a andar de volta para casa começou a chover, não me importei até perceber que estava muito longe de casa, minha mãe estava de plantão naquela noite, então só tinha uma pessoa a quem pedir socorro, parei em baixo de uma árvore, peguei meu celular e liguei pro Léo, contei tudo o que aconteceu, e ao invez de me criticar, ele apenas me confortou, afirmando que logo me pegaria. Eu fiquei alí um bom tempo, tentei ligar de novo mas ele não atendeu. Depois de quase três horas a chuva já havia passado, quando estava me preparando para voltar para casa vejo uma ambulância passando. Sigo meu caminho e percebo que a ambulância parou um pouco a frente, teria passado direto se não tivesse visto um carro tão conhecido por mim capotado ao lado da pista. - Nesse momento não consigo segurar minhas lágrimas, é como se eu estivesse lá vivendo tudo novamente. - Eu corri e cada vez que chegava mais perto pedia para está enganada, mas infelizmente não estava. Era ele, era o meu amigo, estirado no chão, com sangue em grande parte do corpo e cheio de arranhões. Os paramédicos o levaram até o hospital, e eu fui junto, segurando sua mão e tentando acreditar que tudo ficaria bem. Ele ficou horas na sala de cirurgia, para no final o médico nos dizer que ele tinha partido. Eu tive que olhar para os pais dele e os ver chorando a morte do filho. Eu poderia dizer que a culpa foi do motorista do outro carro que estava bêbado e causou o assistente, poderia dizer que a culpa era da pista molhada que fez o carro capotar. Porém não foi, a culpa de tudo isso foi e sempre será minha, você entende isso Lucas? Se não fosse por minha causa o Léo não teria saido de casa, não teria pegado aquele bendito carro. Se não fosse por mim ele não teria morrido. E depois de um ano da sua morte a dor continua a mesma, os fantasmas contiam os mesmos. E a culpa nunca sairá do meu peito - Termino de falar, e já estou soluçando de tanto chorar.
Diferente do que eu pensei o Lucas não falou nada ou fez perguntas, ele apenas me abraçou. É como se ele entendesse toda a minha dor e mesmo em silêncio ele me confortou.
É fácil encontrar pessoas que te escutem, o difícil é encontrar pessoas que mesmo com o seu silêncio te entendam. É fácil seguir em frente com uma vida superficial, o difícil mesmo é deixar tudo para trás e recomeçar.
Oi gente, mais um capítulo. Agora vocês conhecem mais a Sofia. Espero que estejam gostando, não se esqueçam de votar e comentar. Se tiverem dúvidas eu ficarei feliz em esclarecer cada uma delas.
Obs: Tem algumas pessoas perguntando se essas frases que coloco no final são minhas, e sim são.
Bjs 😘❤
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