@rperezlivros - Beleza Adormecida

Felipe observava atentamente a parede de espinhos à sua frente e sentiu o coração acelerar: a adrenalina invadia seu corpo em uma torrente inesgotável ao lembrar-se de que finalmente havia chegado ao seu destino.

-Estamos tão perto, meu amor! Mal posso esperar para vê-lo e tocá-lo.

A voz melodiosa ao seu lado mais uma vez atraiu sua atenção. Lá estava ela, a jovem que, desde o primeiro momento em que aparecera em seu sonho, nunca mais deixara seu coração.

No sonho, Felipe estava à beira de um riacho banhando os braços e rosto a fim de aliviar o calor extremo daqueles dias de caminhada quando um movimento sutil na vegetação próximo onde ele estava lhe chamou a atenção. Em questão de segundos, deparou-se com uma jovem de impressionante beleza: cabelos louros desciam soltos por suas costas, ondulando levemente ao sabor da brisa que soprava; seus olhos azuis o fitavam atentamente; sua cútis era muito branca, quase pálida; seus lábios eram levemente rosados combinando com o vestido da mesma cor e seu caminhar lento e delicado conferia-lhe um ar de nobreza.

No instante em que pousara os olhos na jovem, Felipe sentiu como que se seu coração se acelerasse e parasse ao mesmo tempo, fogo e gelo pareciam brigar dentro de si. A donzela parou a poucos passos de onde ele estava, sorrindo com delicadeza.

-Finalmente o encontrei! - disse a jovem com sua voz melodiosa.

-Minha senhora. - cumprimentou o príncipe, inclinando-se. -Está sozinha? - Seus olhos perscrutaram a mata ao redor.

-Não...não mais. Agora encontrei você. - respondeu a moça com suavidade.

Não havia nenhuma palavra que pudesse definir tudo o que ele sentia ao ver aquela jovem. Precisava tocá-la e em um ímpeto tão atípico, avançou para a donzela a fim de pegar suas mãos, porém em vez do calor e suavidade que esperava daquele toque, deparou-se com o vazio. Tentou uma vez e outra até que finalmente percebeu que ela era feita de matéria etérea.

-Um fantasma! - exclamou, dando um passo para trás.

-Não! Não! - respondeu a donzela, avançando em sua direção e tentando detê-lo. -Sofro com uma maldição. Só você poderá quebrá-la!

E então a jovem lhe explicou sobre o que ocorrera em seu aniversário de 16 anos quando picara o dedo no fuso de uma roca de fiar e caíra em um sono profundo. Dissera que somente ele poderia quebrar a maldição com um beijo de amor verdadeiro.

A partir daquele momento, o jovem príncipe recebera a visita de Aurora em todos os dias que se sucederam até o início de sua jornada ao castelo onde ela estava presa, quando então começou a ter visões da jovem em plena luz do dia.

No início, chegara a pensar que havia perdido o juízo ao lançar-se em uma aventura atrás de um fantasma, mas a donzela era simplesmente tudo o que ele procurava em uma garota: linda, inteligente e delicada.

Felipe começou a seguir o servo que já havia adentrado alguns metros pela muralha de espinhos, quando Aurora postou-se em sua frente, olhando-o intensamente:

-Lembre-se, meu amor, de que estou na câmara que fica no subsolo do palácio.

-Estou chegando, minha donzela. Não tema.

Felipe ouviu o servo resmungando quando finalmente chegaram ao fim do espinheiro e se depararam com a magnífica porta entalhada do castelo de Aurora. Observou-o sentando-se em um dos degraus da entrada, limpando o rosto coberto de suor na manga da camisa que agora se encontrava esburacada em diversos locais onde os espinhos haviam arranhado seus braços.

Por entre os talhos, Felipe notou o quão magro o filho de seu ajudante era: um rapaz miúdo, de rosto e feições finas e que trazia um turbante sobre a cabeça. As roupas eram tão grandes que pareciam dançar em seu corpo franzino o que o fez temer pelo sucesso de sua empreitada. O jovem havia lhe informado que o pai havia caído enfermo e assim, o substituiria naquela viagem. Não conhecia este jovem que se apresentara como um dos filhos de Youseff - se bem que o mouro tinha uma prole considerável.

Por mais intrigado que aquele rapaz pudesse deixá-lo, Felipe avançou para a porta sem demora com o servo em seu encalço. Ambos se admiraram com a opulência do local que, a despeito da poeira dos anos, era ricamente adornado. Em diversos locais puderam observar várias pessoas dormindo, tal qual Aurora havia dito, embora tivessem um aspecto estranho, um tanto ressequido que Felipe logo atribuiu aos anos que estavam ali sem comer ou beber nada.

-Vamos logo, Lin! - exclamou Felipe, andando a passos largos em direção à escada que ligava ao subsolo.

Ao fim da escadaria, encontraram uma pesada porta de um marrom quase negro. Felipe não deu maior atenção ao servo que observava tudo com cautela, ocupado demais em acender as demais tochas que iluminaram a câmara. Não havia nada ali além da penumbra e um cheiro de umidade. Nenhuma janela, nada, exceto um receptáculo que jazia sobre um pedestal conferindo um ar sinistro ao local.

Com um suspiro, Felipe deslizou o tampo ao passo que seu coração parecia querer saltar pela boca tão logo encontrou o semblante de Aurora que parecia dormir tranquila.

Mal podia acreditar que finalmente poderia tocá-la após tantos dias acostumando-se com sua presença etérea. Sua cútis, ainda que sob a chama amarelada da tocha que ele ainda segurava, revelava-se incomumente pálida. Estaria doente?

Com um pouco mais de atenção, notou linhas arroxeadas sob a pele e um roxo quase negro nas pontas dos dedos esqueléticos de unhas longas. Aquele seria o efeito do feitiço?

Felipe foi surpreendido quando Aurora abriu os olhos, mas no lugar do azul brilhante de suas aparições, eles eram vermelhos como o fogo. Ela avançou para o príncipe fazendo um som gutural e apertando seu braço como se fosse quebrá-lo. Felipe tentava se afastar surpreso ao ver o par de presas que despontavam na boca enegrecida. Afinal, que criatura era aquela?

-Não vai me dar um beijinho, amor? - ouviu-a dizer com uma voz rouca e sinistra.

Em um segundo, porém, um vulto voou por entre os dois posicionando-se sobre a cripta de Aurora que, assustada, soltou o braço de Felipe. Em seguida, o príncipe viu quando o turbante do servo caiu dando lugar a uma longa trança ao mesmo tempo em que ele cravava uma estaca de madeira no coração de Aurora.

-Mas o quê... - indagou enquanto a criatura se contorcia para, logo em seguida, virar cinzas. Aturdido, viu que o servo, na verdade, era uma mulher jovem como ele e que, tendo descido da cripta o ajudava a se levantar.

-Meu pai e eu estávamos acompanhando os boatos sobre a criatura há algum tempo. - e vendo seu olhar aturdido, explicou: -Vampira. E as pessoas lá fora, não estão dormindo, tiveram seu sangue drenado.

-Quem... - Ele estava sem palavras.
- Lin?

-Evangeline Van Helsing a seu serviço, alteza. - esclareceu a moça com um sorriso maroto.

Felipe não tinha palavras: a bela Aurora se transformara em um monstro e o servo, que não passava de um rapaz miúdo por baixo do turbante e da sujeira, era uma bela morena que o salvara...

-Caçadora de Vampiros. - completou, estendendo a mão em um cumprimento.

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